NathanA única coisa ruim sobre ter a melhor noite de sono da sua vida é que
chega uma hora que você precisa acordar.
É tranquilo aqui de manhã, diferente do barulho de gente subindo e
descendo as escadas sem parar lá em casa. Sem falar na briga sobre quem
tomou o resto do café. Tasi se mexe em meus braços quando seu alarme
começa a tocar, resmungando quando ele não para sozinho, depois
xingando enquanto tenta achar o celular.
Eu virei expert em fingir que estou dormindo — mais conhecido como
modo ninja — quando moramos juntos. Mas algumas noites longe me
deixaram enferrujado, porque quando ela chama um celular barulhento de
merdinha escandaloso, não consigo conter o riso.
— Continue rindo, Hawkins, pra ver o que acontece — diz ela enquanto
boceja e bate com força no celular.
— Vem aqui, irritadinha. — Eu sorrio e puxo ela pra perto de mim. —
Como está se sentindo? Posso te ajudar a se preparar?
Ela rola por cima de mim e apoia o rosto nas mãos em cima do meu
peito.
— Vai patinar no meu lugar? Eu volto a dormir e você pode me mandar
mensagem depois dizendo como foi.
— Bom, posso tentar subornar os jurados, mas, se você quer que eu
patine, não sei se seu vestidinho colado vai caber em mim.Hoje é um grande dia, e estou realmente surpreso por ela não estar
surtando, mas quando penso nisso, ela sai de cima de mim e voa para o
banheiro para vomitar.
Por sorte, ela me avisou com antecedência que a ansiedade na manhã de
um dia de campeonato faz ela vomitar noventa por cento das vezes, sem
falar no enjoo matinal. Ela também disse que essa seria a minha deixa para
ir embora, porque a partir dali ela se tornaria em um pesadelo e não queria
que eu estivesse por perto para presenciar o massacre.
Eu termino de juntar minhas roupas e vou pegar um copo d’água para ela
no momento em que ela sai do banheiro, com um cheiro mentolado muito
melhor.
— É minha deixa para ir embora, né? — eu confirmo quando beijo a testa
dela.
— Obrigada por passar a noite aqui. — Ela me abraça apertado. — Eu
estaria muito pior se você não tivesse vindo. Boa sorte no jogo hoje. Não vou
ficar com meu celular, mas faço uma chamada de vídeo quando chegar no
hotel, ok? Me manda o resultado do seu jogo também.
Estive tão concentrado na competição de Tasi que quase esqueci que
vamos jogar contra UCLA hoje. Felizmente, todo o drama de destruição da
arena já passou, porque o time da UCLA é gente boa. Sendo uma
universidade tão próxima, a gente costuma se encontrar em festas e baladas,
e tirando uma rivalidade esportiva saudável, são um dos nossos adversários
mais divertidos de enfrentar.
O campeonato nacional de patinação artística acontece em San Diego e
vai durar o fim de semana inteiro. A primeira rodada de apresentações
acontece hoje, e se tiverem uma nota alta o suficiente, vão se qualificar para
a seguinte, amanhã. Anastasia foi muito compreensiva quando eu disse que
tinha um jogo de hóquei e por isso não poderia acompanhá-la; foi
extremamente gentil e disse que tudo bem.
O que eu não disse é que, assim que meu jogo terminar, vou pegar o
carro e voar pela I-5 para assistir à apresentação dela. Eu lhe dou mais um
discurso motivacional, digo o quanto a amo e como estou orgulhoso dela,
depois vou embora.Em contrapartida com a calmaria da casa de Tasi, os rapazes estão sendo
desordeiros como sempre quando chego em casa.
Quando eu entro na sala de estar, JJ, Henry, Mattie e Russ estão prontos,
já de uniforme. Mattie usa a mesa como suporte para pular em uma cadeira
do outro lado da sala; a mesa faz um barulho quando ele sobe, mas não
chega a quebrar. Eu olho para os quatro, esperando alguém dizer alguma
coisa.
Robbie aparece do escritório com uma caneca gigante de café em uma
das mãos e empurrando a cadeira com a outra. Ele também já está de
uniforme, e sinto que está prestes a dar uma lição de moral sobre fazer
bagunça antes do jogo. Em vez disso, ele dá de ombros e explica o que está
acontecendo:
— O chão é lava.
— Você se fodeu, então.
— Não tanto quanto você. Vai se vestir, não podemos nos atrasar para
um jogo em casa.
Não demoro para me arrumar e, quando estou prestes a entrar no carro,
meu celular vibra.
PUTA DO UBER
Acabamos de sair e Brady está fazendo a gente
ouvir ABBA.
Não é tão ruim assim.
Ela está cantando também.
JJ disse para ligar pra ele, eles podem fazer um
dueto.
Você ainda vai me amar se eu cair de cara e
passar vergonha na frente da elite da patinação
artística dos Estados Unidos?
…
Sim, provavelmente.Te odeio.
Você não vai cair de cara.
Você vai arrasar, e eu te amo independentemente
do resultado.
Estou enjoada.
Respira fundo. Se for vomitar, mira no Aaron.
JJ vai dirigindo meu carro para eu poder conversar com minha namorada
muito nervosa. Estacionamos e Robbie entra no modo “treinador mala” e
exige que eu guarde o celular para me concentrar no jogo.
— Você vai vê-la daqui a algumas horas. Se controla, tá? — ele reclama
com um tom igualzinho ao Faulkner. — Estou nervoso por ela também, mas
temos que, sabe, lidar com isso.
— Sim, treinador.
Entro no meu modo capitão assim que adentramos a arena.
Vale a pena porque, depois do que deve ter sido nosso melhor jogo da
temporada, ganhamos da UCLA de 9 a 3. Faulkner me disse ontem que, se a
gente ganhasse, ele deixaria a resenha do jogo para outro dia e eu poderia ir
direto para San Diego assistir à rotina curta de duplas. Estou prestes a sair
quando Cory O’Neill, capitão da UCLA, me para.
— Bom te ver, cara — diz ele, batendo no meu braço. — É muito bom te
ver de novo no gelo. Ouvi dizer que você estava fazendo patinação artística.
— Verdade, mas foi só por seis semanas. Mais um drama. Maple Hills é
assim, né? — Eu massageio a nuca, desconfortável. — O Diretor de Esportes
me colocou no banco porque um cara do time de patinação se machucou e
jogou a culpa em mim. Eles iam impedir o time inteiro de jogar até
descobrirem o culpado, então eu assumi a bronca. Não pude jogar até ele ser
liberado para patinar de novo.
— Cacete!
— Não foi tão ruim, sabia? Minha namorada é parceira do cara, então
patinei e treinei com ela por seis semanas. Eu curti, mas fiquei bem
dolorido. Na verdade, eles estão competindo hoje mesmo; estou indo para
ver a apresentação dela.Cory franze o cenho.
— Espera aí, você está falando do Aaron e da Tasi?
Isso não é um bom sinal.
— Sim, você conhece eles?
Ele faz que sim, confuso.
— Eu estudei com Aaron em Chicago. Conheço o cara desde quando era
criança. Você levou a culpa pelo machucado do Aaron? Tasi é sua
namorada?
— Foi no Halloween. Ele apareceu no Honeypot com um pulso
machucado, disse que preguei uma peça nele, e ele se machucou. Você sabe
da nossa repu…
— Halloween? Cara… — Ele me interrompe e levanta a mão. — Aaron se
machucou jogando futebol americano com a gente. Estávamos bebendo, de
boa na praia, fizemos uma fogueira e tal. Davey derrubou Aaron, e ele caiu
por cima do braço… Eu não sabia que você tinha levado a culpa por isso.
Que merda! Ele não me con…
Eu vejo a boca dele se mexer, mas não ouço mais nada porque meus
ouvidos estão zumbindo.
Parece que tudo desacelera quando as peças começam a se encaixar. Eu
tinha aceitado, na minha cabeça, ser a primeira pessoa que Aaron culpou
pelo acidente. Passei os últimos quatro anos tentando mudar a reputação
deste time, então nem estava mais chateado com isso.
Mas ele sabia. Ele sabia como tinha se machucado, e ainda assim tentou
me culpar.
Por quê? Por causa da Anastasia? Ela estava solteira há anos, e ele nunca
fez nada. Para me expulsarem? Nada fazia sentido, porque o que ele fez não
tem sentido algum.
— Hawkins? — chama Cory.
— Tenho que ir.
Estou na metade do caminho até San Diego quando percebo que estou
dirigindo em silêncio. Aumento o volume do rádio, qualquer coisa para me
ajudar a abafar os pensamentos, que estão gritando. O principal é: o que vou
fazer quando chegar lá? Quero chegar e contar para todo mundo o que elefez, que ele mentiu para todos. Mas ela não merece isso. É a competição
mais importante da vida dela. Eu vou mesmo soltar essa bomba, sendo que ela
precisa se concentrar?
Eu já respondi minha própria pergunta antes mesmo de terminar: isso
vai ter que esperar.
Não consigo imaginar um futuro sem Tasi e, infelizmente, o futuro dela
está conectado ao dele. Ainda mais se eles ganharem neste fim de semana.
Os nomes deles serão registrados lado a lado.
Aaron sabe que ela precisa dele mais do que o odeia. Por isso que fez toda
essa porcaria de terapia: estava lembrando a ela que precisa de um parceiro.
Como se não soubéssemos disso.
O resto da viagem passa voando e, quando dou por mim, estou
encostando no estacionamento do Spirit Center. Tasi disse que é a primeira
vez em muito anos que o campeonato nacional acontece na costa oeste, e me
sinto muito agradecido por ela não estar do outro lado do país. Acima de
tudo, estou feliz de estar aqui para apoiá-la, e vou me concentrar nisso.
Os corredores estão lotados quando entro no prédio. Os treinadores com
os alunos, pais com filhos nervosos, e famílias gigantes vestindo emblemas
de vários times nas jaquetas.
É louco pensar que os melhores patinadores do país estão agora mesmo
neste prédio, e Tasi pertence a esse grupo. Fazer patinação por seis semanas
me fez entender o quanto é difícil pra porra.
Acho que ainda tenho hematomas na bunda e nos joelhos de tanto cair.
Tenho dez minutos até a rotina curta em duplas começar, o que me dá
tempo para comprar uma bebida e ir ao banheiro. Não sei por que estou tão
nervoso se é ela quem vai patinar.
Tenho a sorte de conseguir encontrar um assento no corredor, ao lado de
uma família usando camisetas iguais. Tasi e Aaron são os segundos do
grupo, mas eu perdi o aquecimento, então ainda não a vi. Não consigo
prestar atenção no primeiro casal que se apresenta, pois minha mente está
em outro lugar. O meu assento é logo acima do túnel de entrada, e consigo
ver a nuca da treinadora Brady, então sei que Tasi está por perto.Praticamente todas as laterais do rinque estão cheias de câmeras porque a
competição está sendo transmitida ao vivo pela internet. Todos os caras se
juntaram lá em casa para assistir e estão mandando mil mensagens no grupo
de apoio, e também de horror, porque viram alguém do último grupo cair
feio.
— Próximos no gelo, do time de patinação de Maple Hills, Aaron Carlisle
e Anastasia Allen.
Ouço o coração bater nas orelhas quando vejo Tasi entrar no gelo. Ela
está linda, com o longo cabelo castanho cacheado preso, o que deixa exposta
a rede enfeitada de strass que cobre o peito e os braços dela, descendo pela
roupa azul-marinho. Eles vão até o centro do rinque, de mãos dadas, e
esperam a música começar.
Uma versão acústica e mais lenta de “Kiss Me”, de Sixpence None the
Richer, começa a tocar, e eles fazem o primeiro movimento no gelo. Perdi a
conta de quantas vezes eu ouvi essa música e “Clair de lune” quando
estávamos patinando juntos.
No treino, quando eu estava deslizando com ela pelo gelo, vendo de perto
cada detalhe, era difícil acreditar que ela tivesse vindo ao mundo para fazer
outra coisa que não fosse patinar. Em casa, ela deslizava nos azulejos da
cozinha, me puxando com ela, rindo e dizendo que estávamos praticando.
Essa música me lembra desses momentos.
Eu não consigo tirar os olhos dos dois enquanto executam cada
movimento com perfeição. Meu telefone não para de vibrar no bolso, mas
eu ignoro, pois não quero perder nem um segundo. Eles estão quase
terminando, dois minutos e quase quarenta segundos passam em um piscar
de olhos. Aaron a levanta para o movimento final e Anastasia desliza pelo ar,
perfeita, e aterrissa com tanta delicadeza que ninguém diria que ela acabou
de dar um giro de sei lá quantos graus.
Os dois vão em direção ao centro do rinque, fazem seus últimos passos
de dança, e terminam abraçados quando a música para. Cada segundo foi
perfeito. Nem um fio de cabelo fora do lugar.
Mas, quando os aplausos começam, Aaron pega o rosto dela e dá um
beijo em Anastasia.
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Quebrando o Gelo- Hannah Grace
RomanceUma patinadora artística ultracompetitiva tem de dividir o rinque com o capitão «quebra-corações» da equipa de hóquei? O gelo não vai quebrar entre estes dois, vai derreter! Anastasia treina todos os dias com a ambição de garantir um lugar na equipa...