Capítulo 38

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Nathan

Eu nunca quis ser um homem que está no meio de uma loja cheia na
véspera de Natal, mas aqui estou.
Estou cercado de homens com expressões de desespero, apontando para
tudo de forma quase aleatória, obviamente comprando coisas que deveriam
ter comprado há semanas.
Eu encomendei o presente principal de Tasi para ser entregue em casa,
assim não teria que viajar com ele, mas o entregador chegou quando Sasha
não estava em casa e meu pai recusou a entrega dizendo que era um engano.
Então, passei semanas discutindo com várias empresas, mas finalmente
recebi um e-mail ontem à noite dizendo que eu poderia ir buscar na loja,
então me forcei a ir até lá contra minha vontade.
Eu sei que ela vai surtar dizendo que iPads são caros, mas pensei muito
sobre isso. Ela não pode ficar chateada se eu tiver pensado muito nisso, né?
Ela faz terapia por chamadas de vídeo porque o psicólogo dela está em
Washington, mas como ela não tem um tablet, pega o de Lola emprestado.
Nem sempre posso emprestar o meu, porque uso para fazer anotações na
aula e tem toda a minha agenda nele.
Aí entra o segundo bônus: um planner digital. Eu já sei que o planner
dela é uma evolução de uma tabela com adesivos, mas acho que está na hora
de evoluir de novo. Eu acho — não, tenho certeza — que, se ela tiver um jeito
fácil de organizar seus planos, como pode fazer com o iPad, vai ser mais
flexível consigo mesma.É psicológico, eu sei, mas depois que ela parar de surtar e começar a usar,
vai ser um presente muito útil.
Eu entendo a preocupação dela. Nossos orçamentos são diferentes, bem
diferentes. Uma vez ela disse que não podia faltar ao trabalho porque “nem
todo mundo tem fundos fiduciários”, e ela tem razão. Mas eu não espero que
ela me compre algo caro. Não espero que me compre nada, porque ela estar
aqui é tudo que eu quero.
Ela chorou ao imaginar que eu ia passar o Natal sozinho. Eu tenho uma
namorada que chora com a possibilidade de eu ficar triste. Como isso pode
ser real? Ela deve gostar muito mesmo de mim, ou fui eu que me convenci
disso, mas, de qualquer forma, amanhã vou dizer que estou apaixonado por
ela. Acho que o Natal é um bom momento para expressar sentimentos, né?
Né?
A volta para casa demora mais do que eu gostaria. Não tem trânsito, só
estou impaciente e ansioso para voltar para ela. Me pergunto o quanto ela já
bisbilhotou pela casa enquanto estive fora. Estou imaginando encontrá-la na
sala de estar com um monte de coisas de quando eu era criança. Sei que ela
está doida para ver fotos minhas de quando era bebê, ou pelo menos alguma
prova de que já fui uma criança, já que não tem fotos minhas na casa.
Por sorte, ela não está lá quando eu chego, o que me dá a chance de
esconder o presente debaixo da minha cama, pronto para ser embrulhado
mais tarde.
Eu passeio pela casa, tentando usar meus ouvidos para encontrá-la, mas
não consigo. Finalmente, depois de perder a paciência, pego o celular e
digito seu nome.
— Alô? — ela bufa.
— Ei, cadê você? — pergunto tentando ouvir a resposta com o som do
vento que vinha do lado dela — Acabei de chegar e não consigo te achar.
— Estou tentando fazer amizade com um cervo, mas a ligação o assustou.
— Um cervo? Onde você está?
— Patinando perto da floresta — responde ela, fazendo meu coração
parar. — Eu ia fazer toda uma cena tipo aquela da Branca de Neve e tal.Sinto uma náusea enquanto começo a correr para o quintal da casa, indo
em direção ao lago o mais rápido que meu corpo consegue.
— Anastasia, não é seguro. Saia daí devagar e com cuidado.
Mas acho que ela não me ouviu porque a ligação cai, e ao longe ouço um
grito que me dá calafrios.
Dizem que, quando algo traumático acontece, o tempo para, mas eu
discordo.
Sinto que cada segundo passa voando enquanto minhas botas fazem
barulho na neve. Sinto cada pensamento na cabeça vir ao mesmo tempo e
não consigo me concentrar em meio ao caos.
Ela é forte, forte pra caralho, e sabe nadar; já a vi nadar eu mesmo. A boia
salva-vidas brilhante me chama atenção quando chego ao lago. Minha mãe
fez meu pai instalar isso quando Sasha começou a andar; ela morria de
medo de ter tanta água por perto, era um acidente esperando para acontecer.
Eu a tiro do suporte e corro em direção à floresta.
Não sei quanto tempo se passou desde que a ouvi gritar.
A boia bate no meu quadril e estou correndo o mais rápido possível,
minha respiração forma uma névoa na minha frente, mas finalmente eu
vejo. Um grande buraco no gelo, pedaços flutuando na água. Todo vídeo,
aula e apresentação sobre segurança — assim como qualquer pessoa com
bom senso — diria para você não pisar em gelo fino ou desconhecido. Mas
eu conheço bem o lago, conheço essas águas melhor do que ninguém, por
isso sei que ela está em perigo.
Fico de joelho onde o gelo afina e engatinho até o buraco; meu coração
está batendo tão rápido que pode pular fora do meu peito. A única coisa que
eu penso é: Caralho, por favor, esteja viva.
Estou a poucos centímetros de onde o gelo se partiu quando a água
começa a se mexer e a cabeça dela aparece, os olhos desesperados
encontrando os meus antes de submergir de novo. Ela está em pânico. Eu
estou em pânico quando enfio o braço na água, tentando pegá-la.
Nada.Estou tentando equilibrar o peso, não pressionar a frente do meu corpo,
fazendo tudo o que deveria fazer enquanto jogo a boia na água, na esperança
de que ela a encontre. Entrar na água para pegá-la não é a melhor coisa a se
fazer: meu corpo poderia entrar em choque também, mas é a única opção
que tenho, então preciso não ter o peso das roupas para ter uma chance de
sobreviver.
Para nós dois sobrevivermos.
Acabei de tirar a jaqueta quando a corda da boia se mexe. Eu me viro,
tomando cuidado para não quebrar o gelo abaixo de mim, e levo um susto
ao ver sua mãozinha segurando a borda, a pele azul em contraste com o
laranja. Sua outra mão se agarra ali e eu vejo o topo da sua cabeça, então
puxo a corda e a vejo chegar na beirada.
— Tasi, você está bem? Consegue falar? Precisa segurar firme, eu vou te
puxar — pergunto com uma voz nervosa que treme a cada sílaba.
Nada.
Eu vou para trás, indo em direção ao terreno seguro, ignorando o frio
atravessando minhas roupas, puxando a corda com força até sentir a
resistência do corpo dela. Estou arfando, xingando, quase chorando, mas
continuo puxando e finalmente, finalmente, o corpo dela sai do gelo. Eu
continuo até ver seus patins e saber que o corpo inteiro saiu. Quando
estamos longe o suficiente do perigo, me levanto, tiro a boia dela e a ponho
de costas.
Seus lábios estão azuis, seus traços delicados, pálidos, e os olhos,
fechados.
— Anastasia? — grito pressionando meu ouvido nela para ouvir a
respiração, um suspiro, alguma coisa.
Ela não está respirando.
Meu corpo se mexe sozinho, erguendo o queixo e apertando o nariz,
depois levando a boca à dela e assoprando até seu peito subir. Mexo no zíper
do casaco, mas está congelado, então o arranco, e coloco as mãos juntas no
esterno, e pressiono no ritmo certo até chegar a hora de soprar de novo.
O peito dela sobe e desce, mas depois sobe de novo e ela começa a se
mexer, tossir e cuspir, se engasgando com a água.— Ai, meu Deus. Achei que tinha te perdido — sussurro e a abraço com
toda a força. Ela fecha os olhos de novo, mas está respirando sozinha, o que
me dá tempo de cobri-la com o casaco que tirei mais cedo e correr para
dentro da casa.
Subindo dois degraus de cada vez, corro para o banheiro, desejando mais
do que tudo fazer seu tremor parar. Ela ainda não falou nada; não tenho
escolha a não ser colocá-la na banheira para tirar seus patins. Depois de me
certificar que está estável, eu ligo o chuveiro na temperatura certa.
— Nate — sussurra ela, agora com os lábios em um tom mais humano.
— Estou aqui. — Eu tento confortá-la, procurando desesperadamente
controlar minhas emoções. Eu a coloco na água morna, me concentrando
no seu abdome, e estremecendo quando ela se encolhe e começa a chorar. —
Eu sei que dói. Me desculpa, meu bem. — O chuveiro está na temperatura
morna mais fraca, mas para ela é como se fosse uma chaleira fervendo.
Ao tirar seu casaco e moletom, desejei mais do que tudo que pudéssemos
voltar para ontem, quando tirar suas roupas era algo divertido e leve.
Ela levanta os braços devagar, me deixando tirar as camadas.
— Você está indo muito bem, Tasi, muito bem. Estou tão orgulhoso de
você; vai ficar tudo bem. Você vai ficar quentinha e vou te levar ao médico.
Você está bem.
Aumento um pouco a temperatura e me agacho para tirar as calças e
meias até ela estar nua debaixo da água, a pele ainda gelada ao toque.
A adrenalina está passando e a realidade do que aconteceu começa a
invadi-la enquanto ela fica em pé, chorando e abraçando o próprio corpo.
Eu tiro as roupas até também ficar nu e entro na banheira com ela,
abraçando-a, aumentando mais a temperatura e tentando acalmar seu choro.
Ela olha para cima e nossos olhares se encontram de verdade pela
primeira vez — estão cheios de lágrimas, mas o terror do que aconteceu se
foi e agora resta a confusão.
— Eu achei que fosse morrer.
Não consigo controlar as lágrimas, porque achei que ela fosse morrer
também.Toco os lábios dela com os meus de leve, deixo a testa encostar no topo
da sua cabeça quando nos afastamos.
— Eu prometi que nunca iria te deixar cair ou se afogar, Anastasia. Eu
sempre vou estar por perto para te salvar.
Ela aperta mais minha cintura e sua respiração acelera quando aumento
mais a temperatura. A cor volta ao seu rosto e as lágrimas diminuem. Ela
morde o lábio enquanto eu enxugo seus olhos.
— Eu te amo, Nathan. — Ela tosse um pouco, tentando abafar o som
rouco. — E isso não é, sei lá, uma resposta ao trauma. Estou apaixonada por
você, e foi nisso que pensei quando caí no gelo. Em como eu posso saber
disso há tanto tempo e nunca ter dito. Em como eu ia morrer sem ter
contado a você, e isso me deixou com tanta raiva de mim mesma. Eu te amo
e sinto muito por não ter falado isso quando entendi.
Ela disse três vezes e meu cérebro ainda não processou isso.
— Eu também te amo — finalmente consigo responder. — Eu estou
loucamente apaixonado por você, Anastasia.
Acordo do meu pesadelo com um pulo e olho desesperado ao meu redor.
Tasi está dormindo, ligada a várias máquinas que me dizem que ela está
bem, e não morta, como no meu sonho.
O Hospital Vail Health não é onde eu esperava acordar na manhã de
Natal, mas também não esperava que minha namorada fosse se afogar, então
vou passar pano para o passeio espontâneo para o pronto-socorro.
Assim que ela parou de tremer, eu a vesti com tantas camadas quanto seu
corpo frágil aguentava e a coloquei no carro para levá-la ao hospital.
Eu estava esperando que fossem gritar comigo por não ter chamado uma
ambulância, que é o que eu deveria ter feito, mas acho que, ao verem minha
expressão desesperada, os médicos e enfermeiros mudaram de ideia.
O médico me elogiou por ter trazido seu corpo de volta à temperatura
normal e depois de examiná-la disse que estava tudo bem.
Ela ouviu “tudo bem” e achou que era hora de ir para casa, mas não sabia
que nem eu nem a equipe médica íamos deixá-la ir a lugar algum. Não saí
do lado dela desde ontem; até exibi meu cartão de crédito para convencer ohospital a fazer um upgrade no quarto dela e me dar uma cama no quarto,
para eu não ter que ir embora.
A minha cama ainda está feita porque, assim que ficamos a sós, eu subi
na de Tasi. Fingi estar dormindo quando a enfermeira veio checar seus
sinais vitais para ela não me expulsar.
— Feliz Natal — sussurra Tasi para mim.
— Bom dia, meu bem — digo, beijando sua têmpora. — Como está se
sentindo?
— Como se não precisasse de uma bolsa de soro espetada em mim e
preferisse estar em casa com você, usando nossos pijamas. — Ela me cutuca.
— Estou bem, Nathan, eu juro. É Natal, podemos sair daqui?
— Não até te examinarem.
— Já me examinaram. Estou ótima, vamos.
Meus olhos vão para a bolsa de soro conectada à mão dela.
— Ah, sim, parece mesmo.
— Pelo menos eu não morri. — Ela ri quando vê minha expressão
chocada. — Cedo demais?
— Sempre vai ser cedo demais.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora