Nathan— Uma pitada de sal. Não, uma pitada. Uma pitada, Robbie! Isso não é
uma pitada!
Anastasia respira fundo, e força um sorriso enquanto tenta tirar a
montanha de sal que Robbie colocou na comida.
— Foi mal — murmura ele, pegando apenas uma pitada dessa vez.
— Tudo bem. Me desculpa por gritar.
Tasi está ensinando Rob a cozinhar. Na verdade, tentando ensinar é uma
descrição melhor. Apostei dez dólares que Tasi iria se irritar com ele antes de
a panela esquentar. Ela disse que seria fácil, mas acho que ele está suando de
tão estressado, e toda vez que ela vai dizer algo, seus olhos param em mim
primeiro, e depois suas palavras saem tranquilas.
— Você tem que deixar tudo na panela se conhecer — explica Tasi com
meia cota de paciência. — Mas não pode deixar queimar.
— Sem queimar. Amigos na panela. Entendi.
Dando a volta na ilha da cozinha, Tasi se senta no banco ao meu lado
enquanto estou estudando, pega seu livro e continua a ler.
É estranho que, agora que estou sob o domínio do planner, estou em dia
com todos os meus deveres da faculdade pela primeira vez desde que
comecei. Nós treinamos juntos, escovamos os dentes lado a lado,
cozinhamos as mesmas refeições. Não faço ideia do que somos, mas eu
gosto. Deixamos a casa em outro nível.Ela não fala nada sobre a aposta quando se senta ao meu lado e se
concentra no trabalho. Só deixa a perna encostar de leve na minha.
É nesse nível que estou agora: feliz por tocar na perna dela. Ter ela
sempre por perto, mas não poder tocá-la, tem sido difícil, continua a ser
difícil e deve se tornar impossível para um caralho.
Faz duas semanas desde que Aaron reagiu do jeito mais Aaron possível,
xingando ela e insinuando que ela é uma vadia. Tasi estava acabada quando
fui buscá-la naquele dia, chorando em pé do lado de fora do prédio com
uma mala de mão.
Ela prometeu que seria apenas por uma noite, então construímos um
muro de travesseiros para respeitar nosso acordo de não passar dos limites
da nossa amizade. Isso foi duas semanas atrás e ainda estou dormindo do
outro lado do muro. O lado bom é que estamos nos conhecendo de verdade.
Quando nos deitamos à noite, cada um do seu lado, conversamos sobre tudo
até alguém pegar no sono. É sempre ela, porque eu nunca me canso de Tasi
falando de si mesma.
Por algum motivo estranho e bizarro, fico feliz. Se fosse diferente, eu teria
passado as últimas duas semanas dentro dela em vez de aprender sobre ela.
Não teríamos chegado a lugar algum. Talvez eu teria largado a faculdade
para ficar em casa e descobrir de quantos jeitos consigo fazer ela gritar meu
nome…
Mas não posso pensar sobre isso porque agora somos amigos, e a única
hora em que ela grita meu nome é quando estamos no gelo.
— Tasi? — chama Robbie. — Acho que são amigos agora. O que eu faço?
Pulando do banco, seus dedos tocam minhas costas quando ela passa,
causando um arrepio no meu corpo inteiro. Ela olha para a comida e
assente, orgulhosa.
— Está com uma cara boa. Muito bem.
— O que nós vamos comer, chef? — pergunto para ela, brincando, ao
fechar meu livro, oficialmente entediado pelo conteúdo.
Meus cálculos estavam corretos, e ela não estava comendo o suficiente
por seguir o plano alimentar de Aaron. É uma das únicas vezes na vida em
que odiei estar certo. Brady aprovou o plano que montei, chocada queAnastasia estivesse comendo tão pouco. Tasi não queria envolver Aaron
nisso, argumentando que ainda tinha que patinar com ele, e que contar esse
fato para a treinadora só iria atrapalhar mais a vida dela no futuro.
Anastasia e Lo não acreditam que Aaron é tão insano que faria isso de
propósito, e disseram que ele é teimoso demais para admitir quando não
sabe o que está fazendo, mas isso é papo para outro dia.
Uma das mudanças no plano alimentar de Tasi é ter refeições mais
interessantes do que salada e frango. Nós nos revezamos e ensinamos
diferentes pratos para ela, ou ela encontra algo na internet que gosta e
adapta para os seus macros. Eu não acho que nenhum de nós esperava o
medo que ela desenvolveu por comer tão pouco.
Ela consegue justificar até certo ponto comer o que chama de uma
refeição “lixo”, mas é claro que mudar noventa e nove por cento dos seus
hábitos alimentares tem sido um processo muito drástico. Eu tentei planejar
as coisas com calma, mas ela disse que não tem tempo para nada devagar,
então vai pular de cabeça. Eu sei reconhecer os sinais de que um problema
está se formando, mas ela prometeu conversar sobre isso com o terapeuta
dela, então não posso falar mais nada.
Não é que ela não goste do que está comendo; o problema é que ela tem
um medo constante de ganhar peso e ficar pesada demais para ser levantada
ou não caber nas roupas de patinação. É assustador, praticamente um
condicionamento, pensar quantas vezes ela ouviu isso.
— JJ quer me ensinar a fazer um curry indiano de verdade. Eu por acaso
disse que nunca tinha feito nada que não viesse em um pote e ele disse algo
sobre ofender seus ancestrais. — Ela pega o celular no bolso e, sem precisar
olhar, sei que está olhando o aplicativo de calorias. Ela olha para mim
buscando aprovação. — Dá pra encaixar, né?
— Comida indiana tradicional é ótima para você. É praticamente toda
feita de vegetais, temperos, carne, lentilha, e o que mais quiser colocar.
Nutritivamente falando, é muito completa — eu explico, focando nos
benefícios. — É a versão ultraprocessada que é feita aqui no Ocidente que é
cheia de merda. Em algum momento, a culinária inteira ficou malvista. Com
certeza conseguimos dar um jeito nisso.— Tá bom, ele deve chegar em breve da academia. — Ela guarda o celular
e estica a mão para mim. — Vamos te alongar, meu patinadorzinho.
Eu resmungo e lhe dou a mão, deixando que me arraste para a sala de
estar.
Foram duas semanas de coxas doloridas, toe picks e balé. Duas semanas
de Tassi provando que é melhor patinadora do que eu. Duas semanas de
Brady me encarando como se conseguisse enxergar minha alma e estivesse
aprendendo todos os meus segredos. Tudo dói pra caralho: minha bunda,
minhas coxas, minhas panturrilhas. Eu posso até ser forte, mas aprendi que
não sou flexível.
Deitado no chão, ergo as pernas. Usando o peso do corpo, ela se apoia
nelas e se inclina para a frente, alongando minhas coxas.
Eu gemendo com as pernas no ar é o momento perfeito para JJ e Henry
chegarem em casa. É difícil ver a expressão deles da minha posição no chão,
mas eu ouço JJ rir e dizer:
— Eu sou o próximo, Tasi.
Henry fica em pé ao nosso lado, com a cabeça torta, enquanto analisa o
que estamos fazendo.
— É estranho estar deste lado do alongamento, Anastasia?
Ela me pressiona um pouco mais, fazendo meus músculos gritarem. Eu
amo e odeio ao mesmo tempo, mas o desconforto me faz não processar o
que Henry diz até ela responder:
— Quer saber, Hen? Sim, é estranho, sim.
Por mais que seja às minhas custas, fico feliz que o pessoal mantenha Tasi
distraída para não pensar tanto em Aaron. Ele tem mandado mensagens
sem parar pedindo desculpas. Foi um momento de raiva, disse, não queria
gritar com ela. Mas ela está magoada e questionando seu próprio bom senso.
— As amizades são importantes, mas viver em um ambiente saudável
também é — eu ouvi ela falar para si mesma depois de rejeitar a décima
ligação dele. — Todo mundo tem que evoluir.
Eu digo todo dia que ela pode ficar quanto tempo quiser. De um jeito
egoísta, adoro tê-la por perto, e os caras também. Eles querem que Tasi fique
tanto quanto eu, e quando sugeri reservar um quarto de hotel para nós dois,eles me mandaram parar de ser idiota. Assim como eu, eles não querem que
ela volte a morar com Aaron.
Depois que Lola chega em casa e engole a comida que Robbie fez, ela e
Anastasia dizem que estarem cercadas de tanta testosterona está derretendo
seus cérebros, então eu as deixo no cinema para terem uma noite só de
mulheres.
Não quero ficar do lado do planner, mas Tasi tem preenchido seu tempo
com coisas desnecessárias. Morar aqui tem sido um choque cultural para
ela, porque nada acontece como ela planeja.
Eu vejo como ela fica desconfortável quando se atrasa, então faço tudo
que posso para seguir o cronograma, mas ao mesmo tempo tento lembrá-la
de que mudar os planos é bom às vezes, como para uma saída espontânea
para ver uma comédia romântica.
Ao voltar para casa depois de deixá-las, tem um carro que não reconheço
estacionado na minha vaga. Meu telefone toca quando giro as chaves e,
quando ela abre, não preciso perguntar quem está ligando ou por quê.
— Nathaniel — diz meu pai, em um tom severo. — Que bom saber que
está vivo.
— Mas o que você está fazendo aqui? — respondo.
— Quer dizer, na casa que eu paguei, onde meu único filho mora? Ou na
Califórnia?
O tom de superioridade faz eu sentir o gosto de bile na boca. Eu
realmente não sei como eu e Sasha fomos criados por alguém tão arrogante
sem ficarmos igual.
Visualmente, é como se eu estivesse olhando num espelho do meu futuro.
Mesmo cabelo, mesmos olhos, praticamente o mesmo rosto. Infelizmente,
não há dúvidas de que sou filho dele. Mas a personalidade, meu Deus. Seria
como se eu tivesse a personalidade de Aaron, ou algo assim.
— Ambos.
— Você não retornou às minhas ligações.
— Você voou milhares de quilômetros porque eu estava ocupado demais
para atender ao telefone? É sério isso?Eu não tinha reparado que os rapazes estavam aqui até vê-los pelo canto
do olho no escritório. É sempre estranho para mim, porque todos os pais
deles são legais. As mães de Henry moram em Maple Hills e até aparecem
do nada às vezes.
— Eu viajei porque tenho negócios a resolver na Califórnia. Estou aqui
porque queria ver você. — O papel de pai atencioso é um dos favoritos dele;
quem não conhece que te compre. — Como eu disse, você não tem atendido
às minhas ligações.
Eu me sento no sofá e imito a pose dele na poltrona à frente. Muito
suspeito. Meu instinto me diz que tem alguma coisa errada aqui.
— Que tipo de negócios você teria aqui? Você sabe que aqui não neva,
né?
— Não finja que não sabe nada sobre os negócios da nossa família. — O
disfarce cai. — Você não se importa de gastar nosso dinheiro na sua
educação, ou nesta casa, ou no carro de cem mil dólares que dirige. Só não
quer ajudar com nada.
Eu me inclino para a frente, apoio os cotovelos nos joelhos e suspiro, me
recusando a repetir a mesma conversa que temos desde quando me formei
no ensino médio e disse que não ia estudar administração na Colorado
State.
— Por que você veio, pai?
— Sua irmã está infeliz. — Não brinca. — Preciso que converse com ela.
Ela disse que quer abandonar o esqui.
Sasha não quer abandonar o esqui. Ela diz isso porque é a única coisa que
ela fala que ele de fato escuta.
— O que mais ela disse?
Ele franze o cenho e esfrega o rosto com as mãos. Cacete, temos até os
mesmos tiques.
— O que quer dizer?
— Ela não vai simplesmente chegar para você e dizer que vai parar de
esquiar. O que ela está dizendo que você está ignorando? O que ela quer?
Porra, eu não deveria te ensinar como ser um pai para sua filha de dezesseis
anos.— Olha como fala, Nathaniel.
— Você nem escuta ela! — Minha voz fica mais alta, a raiva subindo pelo
peito. — Ela não é um maldito cavalo de corrida, é uma menina. Ela não
existe apenas para ganhar troféus pra você. Ela tem sonhos! Você tem sorte
que ela não pediu para se emancipar.
Eu quero que ele grite de volta, que a gente brigue, mas ele me encara
com uma expressão vazia.
— Ela ama esquiar, você sabe disso. Ela não seria tão boa se não amasse.
Mas precisa descansar. Precisa de cuidado e atenção, e precisa saber que o
quanto você a ama não depende da próxima colocação dela.
— Ela quer tirar férias no Natal.
Eu sabia que ele sabia. Não ficaria surpreso de saber que ela tem pedido
isso há meses, e que ele tem ignorado.
— Viu? Fácil. Leve ela para St. Barts ou algo assim. Deixe ela deitar na
praia, ler um livro, beber uma piña colada sem álcool.
Na mesma hora ele ignora o que eu disse e acena para as escadas com a
cabeça.
— Parece que tem uma garota morando no seu quarto. Onde ela está?
Ele me pega desprevenido, o que era a sua intenção. Geralmente é sua
única intenção, como dá para provar pelo fato de ter aparecido aqui sem
convite. Quando o choque inicial passa, entendo a situação e, pela primeira
vez, fico feliz por Anastasia não estar aqui.
— Como entrou no meu quarto?
Ele se levanta e arruma o paletó.
— Eu me lembro do aniversário da minha própria esposa. — O clima
está diferente. Frio. Isso me sufoca. Não sei por quê. — Bom, você está
obviamente ocupado e não me quer aqui. Estou hospedado no The
Huntington, se conseguir tolerar o homem que te dá tudo que você sempre
quis pelo tempo de uma refeição juntos. Eu volto para casa daqui a dois dias.
E, com esse cena dramática, depois de ter conseguido o que queria, eu o
vejo ir embora.
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Quebrando o Gelo- Hannah Grace
RomanceUma patinadora artística ultracompetitiva tem de dividir o rinque com o capitão «quebra-corações» da equipa de hóquei? O gelo não vai quebrar entre estes dois, vai derreter! Anastasia treina todos os dias com a ambição de garantir um lugar na equipa...