Quebrando o Gelo- Hannah Grace

Capítulo 33

Anastasia

Para alguém que começou uma briga com três caras ontem, Henry está
bem animado e, até onde eu sei, não ficou com nem um arranhão.
Henry entra no quarto, se enchendo de cereal, e se joga no pé da cama.
Ele faz uma careta enquanto olha para nós.
— O quarto está cheirando a sexo.
— Você está abusando da minha paciência, Turner — resmunga Nate,
sentando-se ao meu lado na cama.
— Eu achei que sexo iria fazer você relaxar, mas pelo visto não, seu
zangado — responde ele pegando outra colherada de cereal.
— Eu presumo que você saiba por que pedi para Nathan te trazer aqui —
digo, interrompendo o que provavelmente viraria uma discussão idiota.
Ele coloca a tigela vazia de lado, cruza as pernas e se apoia na moldura da
cama.
— Espero que não seja para fazer um ménage, porque você não faz o meu
tipo.
Nate joga a cabeça para trás e esfrega a testa enquanto encara o teto,
gemendo. Espero que não seja uma enxaqueca, mas se alguém vai lhe causar
uma, vai ser Henry. Nate olha de novo para ele.
— Cara.
— Como assim, eu não sou o seu tipo? — sibilo.
— Você é muito baixinha — responde ele, sem rodeios. — Tem o que…
um metro e sessenta? Um metro e sessenta e três? Pra mim, precisa ter pelomenos um metro e oitenta.
Muitas coisas aconteceram nos últimos dias, e isso com certeza é a pior
delas. Tipo, tecnicamente falando, agora eu tenho um namorado, apesar de
essa palavra ser um pouco desconfortável.
— Eu gostaria de fazer uma denúncia. Isso é discriminação.
— Meu bem, eu estou aqui do seu lado — diz Nate, erguendo as
sobrancelhas.
Henry ri e pisca para Nate.
— Sim, ainda bem. Acho que Anastasia me quer.
— Lembra quando você era quietinho? — retruca Nate. — Saudade dessa
época.
Eu reviro os olhos e empurro Nate com o ombro.
— Estamos fugindo do assunto. Henry, você precisa me dizer o que raios
aconteceu ontem à noite.
Minhas mãos estão suando, meu estômago está embrulhado. Ao mesmo
tempo, quero e não quero saber.
— Eu não quero te contar, Anastasia — diz Henry. — Não porque eu
quero mentir para você, mas porque não entendo de que vai servir você
saber. Ele estava falando merda, levou umas porradas e foi embora. Você
não precisa mais morar com ele. Mesmo quando Nate e JJ forem embora
ano que vem, vou continuar aqui para te proteger.
Eu me sinto como o Grinch quando seu coração cresceu três vezes o seu
tamanho; o amor que tenho por Henry é inexplicável. Não acho que ele
entenda o quanto é gentil. Mas, mesmo assim, meu cérebro vai continuar
criando cenários na minha cabeça até eu saber.
— Ainda assim, eu quero saber, Hen. — Solto um suspiro. — Tipo, você
bateu em três caras, deve ter sido algo ruim. Eu nem sabia que você era do
tipo brigão.
Ele olha para mim como se eu tivesse duas cabeças e faz uma careta.
— Eu jogo hóquei, estudo arte e tenho duas mães. Você acha que nunca
precisei brigar com alguém?
— Tá bom, fortão — interrompe Nate. — Não vamos fingir que você não
cresceu nos subúrbios chiques de Maple Hills. Conta logo, ela tem o direitode saber.
Henry suspira e concorda.
— Eu estava procurando a Gen e vi Aaron entrar com dois caras. Eles
estavam bêbados. Aaron perguntou por você, e eu mandei ele ir embora. Ele
disse que não ia, então dei um soco nele.
Eu estreito os olhos, e ele não me encara.
— Você está mentindo para mim.
— Eu não minto, Anastasia.
— Eu sei que não. Então por que está mentindo agora? Me diz o que ele
falou.
Nathan suspira, me puxa para perto e beija minha têmpora.
— Começou no início de outubro. Foi logo depois que pedi para você
trazer Lola para a festa do Robbie. Ele disse que iria gostar de ver você me
rejeitar como faz com todo mundo.
— O que mais?
Os dedos dele fazem carinho nas minhas costas. Henry fica sentado em
silêncio na nossa frente.
— Toda vez que treinávamos depois do seu horário e você ia para o
vestiário, ele ficava conversando com Brady e dizia que você estava distraída,
passando vexame nas festas, bebendo e transando com qualquer um.
Continuou assim até que um dia Brady ficou irritada.
— Não ouvimos o que ele disse — interrompe Henry. — Mas ela disse
que, se ele tinha algum problema com você, deveria procurar uma nova
parceira. Isso foi pouco antes de ele se machucar.
A treinadora Brady tem sido muito mais legal comigo nos últimos
tempos, mas achei que era pena, por causa de tudo que aconteceu. Ela
continua sendo assustadora, mas percebi que ela não tem implicado comigo
como antes. Nunca imaginei que fosse porque ela não queria dar mais
motivos para Aaron reclamar.
— Ok, então ele estava falando merda sobre mim até a época do
Halloween. Ele passou duas semanas grudado em mim, eu fiz as pazes com
Nate e comecei a ficar aqui. É quase Natal, então o que você não está me
contando?Henry suspira e esfrega o queixo.
— Tim, um cara do time, estava sentado atrás do Aaron em um jogo de
basquete. Tim acha que os caras com quem ele estava não são de Maple
Hills.
— Todos os amigos do Aaron estudam na UCLA, então ele nunca se deu
o trabalho de fazer amigos aqui — explico. — Ele deveria ter ido estudar lá,
mas foi aceito aqui. Foi assim que acabamos juntos, éramos patinadores de
dupla cujos parceiros não foram aceitos aqui.
— Pode ser, não sei. Mas Tim ouviu eles falando de você. Disse que Ryan
te largou porque percebeu que você era uma Maria Uniforme.
— Muito original. — Eu bufo ao ouvir esse comentário. — O que mais?
Os olhos de Henry vão para Nathan, esperando por aprovação. De canto
de olho, vejo ele assentir para Henry. Ele se mexe na cama, e sinto as mãos
doerem quando as unhas perfuram a minha pele.
— Tim ouviu ele dizer que seus pais são pobres, então você vai atrás de
jogadores que vão virar profissionais. Ele te chamou de puta, disse que você
sempre foi uma e que ia tentar a mesma coisa com Nate.
Não chore.
— Ok. Mais alguma coisa?
Henry assente, e sinto meu coração apertar.
— Ele disse que você ia dar um golpe da barriga no Nate. Que você não
tem talento suficiente para virar profissional na patinação e isso seria a
desculpa perfeita para não ter que admitir que não é boa o suficiente. Que
deve ter sido isso que aconteceu com a treinadora Brady.
Minhas palavras ficam engasgadas na garganta. Não acho que o que estou
sentindo é tristeza — Aaron já disse coisa pior para mim. É vergonha. Saber
que essas pessoas, amigos do Nate, pessoas que o respeitam, ouviram que
sou uma pessoa terrível que quer dar um golpe nele.
— Chegamos na parte de ontem à noite?
— Ontem ele disse que veio aqui para te levar para casa, que é onde você
deveria estar. Eu disse que você não iria a lugar nenhum, e ele disse: “Então
você está comendo ela também?” Eu mandei ele ir embora, mas ele
continuou. — Henry olha para Nate de novo, desconfortável.— Continua — digo para ele. Nate segura minha mão e passa o polegar
pelas marcas formadas pelas minhas unhas.
— Ele disse que você está nos usando para morar aqui, que nem fez com
ele. Que Nate era louco de achar que você realmente gosta dele, porque você
é uma falsa. Depois ele disse… Merda. — Henry passa a mão no rosto e
encara os lençóis. — Sinto muito, Tasi. Me desculpa por repetir isso… Ele
disse que ninguém nunca vai conseguir te amar, porque nem os teus pais
verdadeiros te amavam, e os que te compraram só te querem para colecionar
troféus.
— Cacete — diz Nate.
— Foi aí que eu bati nele.
— Nathan, você está me machucando — sussurro ao olhar para meus
dedos, que estão rosados porque ele está me apertando com muita força. —
Obrigada por me contar, Hen — digo, com a voz tranquila. — E obrigada
por me defender. Me desculpe por causar esse drama todo na sua casa.
Dá para ver que ele está desconfortável.
— Lola disse que eu não posso falar nada sobre vocês dois se amarem ou
não, mas eu te amo, Anastasia. Estava falando sério quando disse que queria
que você morasse aqui. Não importa se vocês vão estar juntos ou não. Se
cansar do Nathan, pode dormir no meu quarto. Eu fico com o colchão
inflável de novo.
Sinto um grande e dramático soluço me subir pela garganta, prestes a
escapar, mas eu me controlo e assinto.
— Eu também te amo, Henry.
Ele pega a tigela vazia de cereal e sai do quarto e, quando a porta fecha,
Nathan me puxa para cima dele e se apoia na cama, segurando minha
cabeça contra o peito. Eu me enrosco nele.
— Bota pra fora. Você está bem. Estou aqui.
Então, deixo a barragem abrir e o aperto enquanto todos os sentimentos
que estive segurando jorram de uma vez.
Nathan me deixa chorar até eu me cansar e, quando finalmente fico em
silêncio, ele me diz que estava esperando pacientemente até eu estar pronta
para ouvir isso.— Eu sei que você não está me usando. Eu sei que não está tentando me
dar um golpe. Eu amo morar com você. Os meninos amam morar com você,
todos querem que continue aqui. Eu sei que você gosta de mim, mesmo que
odeie isso — ele complementa enquanto beija minha testa.
— Eu odeio mesmo.
— Não sei o quanto você se importa com a minha opinião no assunto,
mas você é uma patinadora extremamente talentosa. Eu acredito que você
vai alcançar todos os seus objetivos. Eu não estaria forçando o meu corpo
nada flexível a fazer poses de ioga se não achasse que você e o seu talento
valessem a pena.
— Nate…
— Ainda não terminei. Você é uma pessoa boa, Anastasia. Sinto muito
por não ter dito isso todos os dias. Você cuida de mim, me ouve, e outras
coisas que não sei nem descrever. Você faz eu me sentir valorizado por
quem eu sou, não por ser capitão do time e tal.
— Eu valorizo, sim, quem você é.
— Isso é um sentimento que não sinto há muito tempo. Desde quando
minha mãe era viva. Eu amo os meninos, mas não é a mesma coisa. Não sei
como descrever… É como se tivesse um espaço na sua vida guardado para
mim. Um espaço que não tenho que compartilhar, em que você não espera
nada de mim. Você sabe o quanto isso é incrível? Quanta sorte eu tenho por
te conhecer? Você me faz querer ser a melhor versão de mim mesmo.
— Ah…
— Você é inteligente e determinada, e merece todo o amor da porra deste
mundo, Anastasia. Todo. Você está rodeada de pessoas que te amam, e
estamos todos no mesmo time. Aaron não está, e é por isso que ele está
tentando te machucar. Sinto muito por você ter que ouvir isso.
— Obrigada por dizer, bom, tudo isso. Você faz eu me sentir valorizada
também.
— É verdade, e eu queria ter dito isso antes. Escuta, não acho que tenho
direito de falar nada sobre seus pais, mas, com base no que já me contou,
parece que você é a melhor coisa da vida deles.Eu assinto e não digo mais nada. Ele respondeu todas as dúvidas e
perguntas na minha mente. Apesar de não ser o suficiente para calar as
vozes, o volume delas ficou mais baixo.
Ficamos deitados na cama por um tempo, em silêncio, e quando juro que
estou um pouco melhor, Nate me dá o espaço que eu queria para processar.
Ele vai para a academia com Robbie e Henry, e me deixa sozinha em casa
com JJ e Lola, que dizem que malhar é coisa de otário. Com suas vastas
sabedorias, eles decidem me distrair ajudando na minha jornada culinária.
Lola tem se sentido culpada com toda essa história do plano alimentar, se
martirizando por não ter prestado atenção. Como eu, ela não acha que
Aaron fez isso de propósito, mas acha que poderia ter dado sua opinião e
evitado essa situação.
Desde então, ela tem tentado me ensinar alguns dos seus pratos favoritos.
Bom, ela tentou, mas JJ a expulsou da cozinha e disse para ela se sentar do
outro lado da ilha quando ela começou a criticar o jeito como eu corto
frango. JJ disse que, se ela não sabe brincar com gentileza, não deveria
descer até o parquinho.
Estamos fazendo uma receita indiana de frango com manteiga porque,
como diz JJ, “mulheres brancas padrão adoram frango”. JJ já me disse que
talvez fique ruim porque não deixamos o frango marinar o bastante, mas
vamos tentar mesmo assim, porque Johal-Mitchell-Allens não desistem.
Ele me observou colocar bicarbonato de sódio com os ingredientes secos
para fazer os naans, para ter certeza de que eu me lembrava do que ele me
ensinou semana passada. Agora que estou virando o quinto no tawa, ele já
perdeu o interesse e está mexendo em um aplicativo de relacionamento.
Aprender novas receitas tem melhorado meu relacionamento com a
comida. Estaria mentindo se dissesse que ver o creme que colocamos no
prato não faz meus dedos coçarem para abrir o aplicativo de calorias, mas
estou tentando curtir o momento.
Ter ganhado três quilos no último mês foi difícil. Óbvio que eu chorei,
porque parece que só o que tenho feito ultimamente é chorar, mas Nate foi
incisivo ao falar que foi tudo músculo. Estou mais definida e batendo
recordes em todos os meus exercícios agora que estou mais forte. Estoualimentando bem o meu corpo, pela primeira vez em muito tempo, e por
mais difícil que seja, estou tentando ignorar os números. Nunca tinha
entendido como a minha visão sobre comida era tóxica, mas estou tentando
melhorar um pouco a cada dia, me alimentando com o que meu corpo
precisa e não com o que eu acho que precisa.
JJ finalmente tira os olhos do celular quando coloco o último naan no
prato.
— Vocês vão se mudar para cá de vez? — pergunta ele, sem rodeios.
— Cadê o filtro, Johal? Não queria perguntar com jeitinho? — diz Lo
com uma risada.
— Sou um homem ocupado. Preciso ir direto ao assunto.
— Eu não sei o que vamos fazer. — Eu suspiro. — Vamos conversar
depois que eu voltar do Colorado.
— Bom, tenho certeza de que Hawkins fez todo um discurso e prometeu
a vida dele, sei lá, mas só para deixar registrado, eu gosto da ideia de vocês
morarem aqui. Meus instintos sobre homens são impecáveis, e eu vou te
falar: Aaron é um babaca de marca maior.
A porta abre e os meninos entram, todos suados e cansados.
— Nossa, que cheiro bom — elogia Robbie, se juntando a nós na cozinha
e esticando a mão para pegar um naan.
Eu bato na mão dele antes que chegue no prato.
— Paciência.
Depois de uma eternidade batendo nas mãos de homens famintos
tentando provar a comida, finalmente monto os pratos e faço todo mundo
sentar-se à mesa.
— Está com uma cara ótima, Tasi — diz Henry sem um pingo de
sarcasmo.
— Estou muito orgulhoso de você — diz Nate quando se aproxima para
beijar minha testa. — O cheiro está uma delícia.
Foda-se o aplicativo de calorias.