Capítulo 35

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Anastasia

— A gente já chegou?
— Eu juro por Deus que vou te largar neste aeroporto — resmunga Nate,
que me dá um tapa na bunda e ri quando o barulho faz um casal idoso se
virar e olhar para nós, e eu sinto minhas bochechas corarem.
Estamos correndo para pegar nossa conexão para Denver, e Nate está
mais feliz do que nunca depois do nosso voo matinal vindo de Seattle. Eu
não esperava ficar triste por ir embora de Seattle, mas fiquei. Ainda estou.
O jeito como meus pais reagiram quando eu disse que queria sair para
jantar, não patinar, e cozinhar para eles, mostra o quão radical eu fui nas
minhas últimas visitas. Deixar tudo isso para lá, mesmo que apenas durante
os dois dias que passamos em casa, fez eu me sentir muito melhor do que
qualquer sessão de terapia. Quando fomos embora essa manhã, prometi que
voltaria em breve e falei sério.
Ontem passei o dia inteiro sendo guia turística, apresentando a cidade
para Nate até nossos narizes congelarem e não conseguirmos mais tomar
chocolate quente.
Estou morando há tempo demais em Los Angeles, porque sinto a
diferença de temperatura. Nathan brincou que eu ia ficar em choque quando
chegássemos na casa dele, e que eu ia aprender o que é frio de verdade. Ele
prometeu que pelo menos noventa por cento do nosso tempo lá seria na
frente da lareira, então vou conseguir lidar com os outros dez por cento.Eu amei planejar os passeios, e estávamos realmente cansados quando
chegamos em casa. Ver Nathan ser o homem charmoso e carismático que eu
conheço, ver meus pais o conhecerem, foi um sonho. Sem falar que vê-lo
enfiar seu corpo de quase dois metros em um pijaminha de rena foi um
ponto alto do meu ano.
Em boa parte da viagem, eu fiquei observando Nathan, o que é fácil
porque ele é tão lindo.
Ele passou horas ontem à noite conversando sobre hóquei com meu pai,
contando sobre como vai entrar para o time de Vancouver no verão quando
se formar, e meu pai ficou realmente impressionado.
— Mal posso esperar para ver você jogar. Veja bem, não prometo que vou
virar casaca, mas se você ganhar a Copa Stanley, quem sabe? — ele brincou.
Foi uma mistura bizarra de sentimentos para Nathan, acho. Tudo que ele
sempre quis foi ter um pai que demonstrasse interesse na carreira dele, e
alguém que era um estranho quarenta e oito horas atrás está realmente
dedicado a conhecê-lo melhor.
Fora o hóquei, talvez minha mãe esteja apaixonada pelo meu namorado,
o que me deixa feliz, mas um pouco assustada pelo meu pai. Eu me ofereci
para cozinhar biryani para o jantar, tentando ajudar, mas também para
mostrar minhas novas habilidades na cozinha. Ela me encarou, chocada.
— O que foi? — perguntei.
— Nada, querida — respondeu ela, segurando as lágrimas. — Estou
orgulhosa de você. Você está em casa, feliz, saudável. Você tem um
namorado maravilhoso. Eu sou sua mãe e tenho o direito de ficar
emocionada de ver minha filha indo tão bem.
Ela queria saber de tudo, como nos conhecemos, como ficamos juntos e
eu, hum, tive que dar uma disfarçada. Infelizmente, é impossível falar sobre
nós dois sem falar sobre Aaron.
— Aquele merdinha — disse ela enquanto cortava cheiro verde
agressivamente. — Espera só até eu vê-lo.
O acidente e nossa briga não foram a parte difícil: ela reclamou e revirou
os olhos algumas vezes por saber exatamente como Aaron é. Foi quando
cheguei na parte da briga com Henry que começou a complicar.— Ele disse… — eu parei, me perguntando se era algo que eu ia
conseguir dizer em voz alta. Suspirei e tirei a faca da mão dela. — Ele disse
que ninguém poderia me amar, já que nem meus pais biológicos
conseguiram fazer isso.
Minha mãe arregalou os olhos, o rosto ficou pálido e ela se segurou na
bancada da cozinha.
— Como se não fosse ruim o bastante, ele disse que vocês me queriam
apenas pelos meus troféus.
Eu não demonstrei emoções na fala, usei tudo o que tinha quando chorei
no peito de Nate semana passada. Mas ver o rosto da minha mãe
horrorizado me deu vontade de chorar.
— Não — disse ela, e sua voz era quase um sussurro. Eu assenti e deixei
ela me abraçar tão forte que fiquei sem ar. Ela enfiou o rosto no meu cabelo
e se engasgou com as próprias palavras. — Como alguém pode pensar isso?
Como? Por quê? Qual é o problema dele?
— Ele machuca as pessoas quando está sofrendo — expliquei com um
suspiro, me soltando dela com certa dificuldade. Ela apertou meu rosto com
as mãos e beijou minha testa. — Não diga nada. Não precisa.
— Preciso, sim. Você é a melhor coisa que já aconteceu com a gente,
Anastasia. A melhor. O seu talento é só um extra que te torna ainda mais
especial, mas eu te amava antes de você calçar seus primeiros patins.
— Eu sei. — Não era mentira. Por trás de toda insegurança e pressão
própria, eu sei que meus pais me amam. Eles não lidaram com todo o
problemático sistema de adoção dos Estados Unidos na esperança de
conseguir uma criança com aptidão para esportes. Eles queriam aumentar a
família.
— O que você vai fazer com relação a ele? — perguntou ela.
A pergunta impossível de responder.
Com razão, Nate quer me proteger e se recusa a deixar Aaron sequer
olhar para mim de novo. Lola apoia esse plano. Mas a verdade é que não
tenho muita escolha: ele é meu parceiro.
Eu estava esperando que ele viesse falar comigo depois da briga, mas
nada. Lola me disse que ele foi pra Chicago e só voltaria depois da virada doano, e eu sei que passar o feriado com os pais só vai deixá-lo mais estressado.
Estou aceitando aos poucos que minha amizade com Aaron chegou ao
seu limite. Não posso mais ser o capacho em que um homem triste despeja
toda a sua mágoa quando quer, sem nunca tentar melhorar.
Aaron é absurdamente privilegiado e tem todos os recursos do mundo à
sua disposição. Estou ansiosa para ele usar esses recursos, se tornar o
homem que sei que pode ser por baixo de toda a insegurança e raiva, mas
ele está se afastando cada vez mais disso.
Me dói admitir isso — mas estou desistindo dele.
Ou vai ser assim que ele vai encarar isso.
Eu conseguia lidar com seu humor difícil e suas tentativas sutis de me
controlar. Mas o tempo que passamos rindo em casa ou sorrindo quando
acertamos um movimento no gelo não é mais suficiente para compensar
isso. Nunca seria suficiente, quando eu não posso confiar que ele não falaria
mal de mim pelas costas.
Apesar de todas as emoções, e a voz na minha cabeça gritar separa logo,
eu não posso ser uma patinadora de duplas sem um parceiro. Eu preciso
começar a pensar nisso como uma relação profissional.
Colegas de trabalho.
É óbvio que Nathan odeia isso, mas isso não tem a ver com seus
sentimentos ou seu conforto. Eu entendo, de verdade. O jeito como Nathan
se importa comigo me dá uma sensação estranha e gostosa no estômago —
coisa que sempre achei que era mentira.
Ele me trata com carinho e respeito, e sempre torce por mim. Estou
chamando ele de namorado, pelo amor de Deus, uma palavra que antes me
causava pânico, mas agora me deixa feliz. Somos inseparáveis e estamos
felizes.
O que ele está esquecendo é que vai embora no verão, vai se mudar para
outro país, então precisa aceitar que terei que lidar com Aaron sozinha.
Não é normal que eu e Nate moremos juntos, apesar de amarmos isso. Eu
sempre amei morar com Lo e Aaron, e gostaria de voltar ao ponto em que
Aaron e eu conseguíamos coexistir, ainda que não sejamos mais melhoresamigos. Eu nem falo mais sobre isso porque Nathan odeia a ideia de eu
voltar a morar na Maple Tower.
Em resumo, se for algo relacionado a Aaron, Nathan odeia, mas é bom
que ele seja consistente. Ele não tem os mesmos medos que eu; nem
questiona se nos damos bem apenas porque passamos o dia inteiro juntos, e
se, quando ele se mudar, nosso relacionamento vai durar.
Eu espero que sim. Preciso que dure. Ir de inimigos para amigos para um
casal em três meses foi inesperado. Mas, apesar de tudo, estou apaixonada
por esse homem.
— A gente já chegou?
Nate aperta a ponte do nariz e respira fundo. Ele não está me achando
engraçada, mas quanto mais irritado fica, mais engraçado eu acho.
Eu sou JJ, no fim das contas?
Ele abaixa a cabeça e esfrega o nariz no meu. Eu sinto sua respiração
quente na pele, os lábios perto dos meus e, por um segundo, perco os
sentidos.
— Assim que ficarmos a sós — ele aponta com a cabeça para o motorista,
que está quieto no banco da frente —, eu vou te dar um tapa para cada vez
que você me perguntou isso.
Eu perco o ar, um meio-termo entre uma risada e um suspiro, e ele me
beija e me faz derreter. Ao nos afastarmos, ele encosta a testa na minha.
— Não faça promessas assim, Hawkins.
Ele se afasta, e seus olhos castanhos encontram os meus, e naquela hora
eu sei. Eu sei que fiz a coisa certa em passar o fim de ano com ele.
— Você é tão safada às vezes.
— Estamos quase lá, então?
Ele entrelaça os dedos nos meus sobre o meu colo e olha pela janela.
— Dois minutos. Essa contou, viu?
— Eu estava torcendo para isso.
Foram os dois minutos mais longos da minha vida, mas finalmente
chegamos na frente de um grande portão. Estou tentando não ser
impaciente; estou mais preocupada em não tentar demonstrar como estounervosa, porque sei que é besteira. A casa está vazia; por que estaria nervosa
com uma casa vazia?
Uma casa, não.
Mansão. Uma mansão gigantesca, com uma entrada de carros imensa
que leva até a porta. Eu não percebo que estou de boca aberta até Nate tocar
no meu queixo, rindo, e fechá-lo.
— Você é rico de verdade — digo baixinho, sem falar com ele, só
digerindo.
Eu sabia que a família de Nate era rica, mas nunca percebi que seria
tanto. O carro para na frente da porta, que é tão grande que parece ter sido
feita para gigantes.
— Meu pai é rico de verdade.
Quando pegamos nossas malas, fica tudo meio confuso e ele me guia
para dentro. Nathan me conduz para o meio da sala.
— Vai bisbilhotar, eu sei que é isso que você quer.
Ele tem razão.
— Estou com medo de me perder. Pode me dar um tour da casa?
Largamos as malas na porta, ele me guia pela porta e chegamos na
cozinha.
— Essa é a cozinha.
— Bom, eu não vi o fogão e achei que era um quarto. — Eu nem terminei
de revirar os olhos quando ele tenta me pegar. Corro para o outro lado da
ilha da cozinha, morrendo de rir enquanto fujo dele, e Nathan faz uma
careta e balança a cabeça.
— Você é irritante pra caralho — diz ele, grunhindo.
— E você é tão devagar. Deveria dar um jeito nisso.
O resto do meu tour passa rápido porque tudo o que eu faço é sair
correndo pelos cômodos, rindo enquanto Nathan tenta me pegar. Eu sei que
ele está me deixando fugir, pois cada passo dele equivale a dois meus, mas
isso é bem mais divertido.
Eu processo vagamente o pé-direito alto e a luz natural. Blá-blá-blá.
Todas as coisas que você deveria comentar quando está em uma casa linda.O que estou realmente pensando é em como esses arcos gigantes são úteis
para me ajudar a escapar.
Subo correndo a escada circular, uma escada que deveria existir apenas
em entradas de bailes de gala, e Nate me guia sorrateiramente para um
quarto específico.
Sem fôlego, me divertindo, e pronta para admitir a derrota, eu abro a
porta e — que surpresa — percebo que é o quarto dele. Eu paro no batente
da porta, ele me abraça por trás, me carrega e me joga na cama.
Ao se jogar ao meu lado, ele rola por cima de mim.
— O que achou do tour?
— Acho que preciso fazer mais aeróbico.
Eu sinto uma risada se formar em seu peito em cima de mim, e as mãos
dele tiram o cabelo do meu rosto.
— Eu estava nervoso de te trazer aqui.
— Por quê?
— Não é como a sua casa. Não tem fotos, só troféus, e vai ver que são da
Sasha, e tudo é um pouco… Sei lá. Frio.
Por mais que tenha passado rapidamente pelos cômodos, foi difícil não
reparar em como a casa parecia fria. Porra, nem tem decorações de Natal.
Eu sei que o pai dele é um babaca, Nate deixou isso bem claro. Mas ele
sabia que o filho estava indo para casa sozinho e nem montou uma árvore
de Natal? E Sasha, que mora aqui? E se eu tivesse ficado em Washington ou
na Califórnia? Ele ficaria nesta casa imensa, sozinho.
Sinto um nó na garganta e tento engolir, mas não consigo.
Ele arregala os olhos e congela.
— O que foi?
— Sinto muito. — Começo a chorar e me sento. — Eu não quero chorar
toda hora, mas… Porra. Eu não consigo não pensar em como seria se você
ficasse aqui sozinho. Estou muito feliz de estar aqui contigo.
— Eu também.

Quebrando o Gelo- Hannah GraceOnde histórias criam vida. Descubra agora