AnastasiaQuando acordei hoje de manhã, prometi a mim mesma que não iria
chorar esta semana.
Eu estava falando sério. Parecia possível; até postei a frase “nova semana,
novo começo”. Estava realmente convencida de que as coisas iriam dar certo.
Chorei tanto nas últimas duas semanas que é impressionante não ter
inundado o prédio. Mas a noite de ontem marcou o fim do choro.
Bom, foi o que eu pensei.
O dia não começou bem quando tive que me arrastar para fora da cama.
A cabeça de Nate estava enfiada no meu pescoço, seu corpo quente abraçado
ao meu. Só de pensar em ter que me afastar dele me dava vontade de chorar.
Ele foi tão gentil ontem à noite. Não: ele é tão gentil. Deitarmos juntos
depois de ele ter lavado e penteado meu cabelo foi a experiência mais
relaxante da minha vida. Naquele momento, foi fácil para os dois falar sobre
tudo que aconteceu.
— Não acredito que você achou que eu iria te rejeitar, Anastasia — disse
ele, em choque. — Você não faz ideia, né? Do que eu faria se você deixasse.
Do que eu faria para te fazer feliz.
Meu coração fez uma coisa estranha da qual eu só tinha ouvido falar.
Uma mistura entre uma batida e uma parada, o tipo de coisa que me faz
questionar se ele continuaria a funcionar de verdade.
Estar com Nate me dá uma sensação avassaladora de segurança, como se
fosse resolver qualquer problema que eu dividisse com ele. Em um mundoonde sinto que posso ser levada pelas ondas a qualquer momento, ele é
minha âncora. Eu valorizo isso, ter ele do meu lado.
— Sinto muito por ter gritado com você — murmurei contra o peito dele,
onde estava apoiada.
— Eu mereci — admitiu ele, beijando o topo da minha cabeça. — Eu
poderia ter agido de outra maneira. Poderia ter te ligado antes de você falar
com os pais do Aaron e explicado. Eu poderia não ter admitido ter feito algo
que não fiz. — Ele riu. — Sinto muito por você ter pensado que eu faria algo
que poderia atrapalhar seus sonhos.
— Eu gosto de você, Nathan — eu disse, olhando para ele. — E me dói de
diversas formas admitir que agora sou o tipo de pessoa que gosta de um
jogador de hóquei. Mas eu gosto. É tão difícil, porque Aaron está
completamente convencido de que foi você, mas estou confiando no meu
instinto.
— Eu gosto de você também. As últimas duas semanas foram uma
merda.
Nossa conversa foi interrompida por Aaron fazendo barulho pelo
apartamento, provavelmente incomodado pelo fato de Nate estar aqui.
Aaron está sofrendo também, tanto física quanto mentalmente, mas
ainda não achou um jeito saudável de conversar comigo. Ele me derrubou, e
isso o fez se odiar pra caralho. Ele pediu desculpa um milhão de vezes, está
obcecado com cada mínimo detalhe que não foi culpa dele, e não consigo
tirar ele dessa.
Não o culpo: foi um acidente que nenhum de nós esperava. Tirando
alguns comentários, estou tranquila. Eu disse o quanto estava agradecida
por ele ter me segurado, mas Aaron acha que não foi o suficiente.
Estou com medo do quanto isso vai nos afetar quando ele voltar, porque
só de pensar em ser erguida me enche de medo. Mesmo no chuveiro com
Nathan, quando ele me levantou para ficar mais perto da cabeça dele, meu
coração quase parou.
Não sei como não o esmaguei; minhas pernas estavam tão tensas ao
redor dele que provavelmente deixaram marca. Ele não parecia se importar.
Acho que ele estava se concentrando em não me cutucar com o pau.Estou acostumada a me preocupar com Aaron, mas você só pode ajudar
alguém quando sabe qual é o problema da pessoa.
O barulho da porta batendo — Aaron, com certeza — me acordou hoje
de manhã e preferi ficar acordada, ouvindo a respiração de Nate, a voltar a
dormir.
— Consigo ouvir as engrenagens na sua cabeça girando, Tasi. Diz aí, no
que você está pensando de manhã tão cedo? — Ele bocejou e beijou meu
ombro carinhosamente.
Nessa hora, eu já tinha declarado que minha semana seria sem lágrimas,
então não queria falar sobre meu problema com Aaron.
— Estou tentando decidir se você colocou um taco de hóquei na cama
entre nós ou se só está muito feliz de acordar ao meu lado.
Ele se esfregou na minha bunda, gemendo contra o meu cabelo. Ele é um
cara vocal e isso faz alguma coisa comigo. É como se apertasse um botão e
de repente tenho as Cataratas do Niágara no meio das pernas.
— Se eu disser que é um taco de hóquei, você vai brincar com ele?
— Meu Deus. Você é muito cafona. Eu odeio hóquei, acredita?
— Eu poderia fazer você se apaixonar por hóquei, Anastasia — sussurrou
Nate, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar. — Com as ferramentas
educativas corretas, claro, e prática.
Não acho que ele estava falando do pau.
Deixando uma fileira de beijos pelo meu pescoço, a mão dele seguiu para
a minha calcinha, tocando de leve o tecido entre minhas coxas.
Eu queria arfar como um cachorro. É vergonhoso, mas é verdade. No
fundo, eu sabia que precisava sair da cama e não começar nada.
— Eu aprendo fazendo… mas infelizmente não tenho tempo para treinar,
capitão.
— Cacete. — Ele virou minha cabeça para trás e me beijou. — Me chama
de capitão de novo.
Me afastei e estreitei os olhos.
— Acho que isso é algo que vamos precisar explorar.
— Estou completamente aberto a explorações.
— Quis dizer psicologicamente.Ele sorriu.
— Hum, cheia de taras. Gostei.
Foi nessa hora que eu devia ter cancelado minha segunda-feira e ficado
na cama. Eu podia ter deixado Nathan montar em mim, mostrado o quanto
sentimos falta um do outro, e ficado escondida o dia inteiro.
Mas fui tola e ingênua, achando que minha segunda-feira não ia ser uma
merda completa.
— Mais uma vodca com Coca diet, por favor?
Quando você não pode chorar para lidar com seus problemas, a segunda
melhor opção é o álcool. Eu nunca achei que seria o tipo de pessoa que ia
querer ficar bêbada sozinha, mas não ter um parceiro de patinação por oito
semanas faz isso com as pessoas.
O bartender coloca um novo descanso de copo na minha frente e serve
meu drinque em cima. Digo um “obrigada” baixinho e levo o canudo aos
lábios, fechando os olhos com força quando bebo um grande gole.
Oito semanas. A pior parte? Nem estou preocupada com a maneira como
ele vai estar depois de oito semanas; estou preocupada comigo mesma.
Estou preocupada com o meu medo de ser levantada e minha capacidade de
acompanhá-lo. Aaron pode tirar um ano de folga; não acho que ele vá voltar
nem um pouco menos incrível.
O campeonato nacional é daqui a oito semanas e não faço ideia se vamos
estar bem o bastante para competir, o que me assusta. Aaron não está
atendendo às minhas ligações e não apareceu para o treino nem para
conversar. Maravilha.
O fato de Nate ter ligado para dizer que não vai poder jogar até Aaron
poder patinar é a gota d’água, e assim que desligamos, chamei um Uber.
Eu disse para Lo que ia no rinque de Simone para praticar, mas fui para
um boteco a dois quarteirões de distância de lá.
Estava quieta no meu canto havia uma hora, sem problema algum, mas
um grupo de caras sentados perto de mim está fazendo cada vez mais
barulho e sendo mais e mais irritante.Toda vez que eles se levantam para ir ao banheiro, se sentam mais perto
de mim quando voltam. Pouco a pouco, acabam bem do meu lado.
Sentindo o desespero deles, termino minha bebida e peço a conta.
— Deixa eu te pagar uma bebida, gatinha — diz o cara que está mais
perto de mim, se aproximando. — Você parece tão sozinha.
— Não, obrigada. — Não estou sendo muito simpática nem muito rude,
seguindo o que toda propaganda que coloca a culpa nas mulheres me diz
para fazer ao lidar com homens bêbados. — Estou indo embora agora.
— Não vai, não. A diversão está só come…
— Pronta para ir, amor? — Eu reconheço a voz antes de ver quem é, e
fico extremamente aliviada de ver o rosto jovem de Russ me encarando
quando ergo o olhar. Ele se abaixa para pegar minha bolsa do chão, coloca
no ombro e me dá a mão. — Desculpa o atraso.
— … Tudo bem… benzinho — digo, pegando a mão dele. Coloco
dinheiro no bar, pulo do banco e só percebo que estou bêbada quando toco
o chão.
Como esperado, os caras bêbados não falam mais nada. O tamanho de
Russ é intimidador; ele não teria problema nenhum se o provocassem.
Ao abrir a porta, a brisa gelada de novembro me atinge quando saímos
para a rua.
— Bem, isso foi bizarro.
— Desculpa, meu nome é Russ. Nos conhecemos há algumas semanas,
naquele evento de socialização. Sou do time de hóquei.
— Eu sei quem você é, Russ.
As pontas das orelhas dele ficam cor-de-rosa.
— Aqueles caras são terríveis. Estão sempre ali, bebendo e incomodando
as pessoas. Eu ouvi você dizer que estava indo embora e não queria que te
importunassem.
— Obrigada por isso, de verdade.
As pontas das orelhas dele vão de rosa para vermelhas quando ele
responde:
— De nada.
— Preciso pedir um Uber.— Tem um café na esquina, posso esperar com você se quiser. Eu te daria
uma carona, mas geralmente vou a pé para casa.
— Eu ia gostar da companhia, mas não se sinta obrigado a nada.
Virando a esquina, o Café Kiley é tranquilo e tem apenas algumas
pessoas comendo e bebendo. Nós nos sentamos a uma das mesas externas e
pedimos dois cafés.
— Então, Russ. O que fez você passar a noite de segunda-feira em um bar
sozinho, sendo que é menor de idade e mora a quilômetros de distância? —
Junto minhas mãos e me inclino para a frente, com os cotovelos na mesa,
como se estivesse o interrogando.
Ele coça a nuca e se remexe no assento.
O garçom coloca nossas bebidas na mesa e vai embora: devemos parecer
um casal prestes a terminar: meus olhos estão vazios, e ele parece muito
desconfortável.
Russ toma um gole do café, prolongando o silêncio até não aguentar
mais.
— Eu trabalho lá à noite. Na cozinha e tal — diz ele, meio envergonhado.
— Eu trabalho no rinque da Simone aqui perto. — Até onde eu sei, os
outros meninos do hóquei não trabalham. Como em toda universidade nos
Estados Unidos, a disparidade econômica é real. — Não sou rica, mas tenho
amigos ricos, então preciso de grana. Eles gostam de comer coisas caras, e
trabalhar me ajuda a cobrir minha parte. Tenho muita sorte de meus pais
me ajudarem a pagar as coisas da patinação, mas preciso ganhar o resto.
A tensão em seus ombros se dissipa e eles relaxam, e a resistência que eu
estava sentindo vai sumindo.
— Sim, os caras da minha fraternidade têm investimentos de família. Eu
tenho uma bolsa de estudos que paga pela maioria das coisas, mas trabalhar
me ajuda a pagar minha parte, sei lá. Como você disse.
— Eu entendo — digo, sinceramente.
— Por que você estava sozinha em um bar numa segunda-feira?
— Imagino que você saiba que Nate voltou pro branco? — Ele faz que
sim com a cabeça. — Meu parceiro de patinação não me atende e eu me
proibi de chorar. Álcool é a segunda melhor opção, né?— Eu não bebo com frequência. Uns goles de cerveja aqui e ali, mas meu
pa… — Ele se interrompe e imediatamente pega o café, tomando goles
longos para se calar. Quando acaba, olha de novo para mim. — Sinto muito
sobre o seu parceiro, mesmo que ele seja um babaca com você. O que vai
fazer agora?
— Ele não é um babaca com… — Aperto meus olhos — Você não gosta
de falar sobre si mesmo, né? Você fez isso no evento. Fez eu ficar falando de
mim e não descobri nada sobre você.
— Não tenho nada interessante para falar, Anastasia. — O jeito como ele
fala isso é de partir o coração. Com confiança, ensaiado. Como se tivesse
dito a mesma coisa um milhão de vezes.
— Eu me recuso a acreditar nisso. Estou interessada no que você tem a
dizer.
— Você chamou o seu Uber? — pergunta ele, mudando a conversa.
Merda.
— Não, esqueci. — Ele parece desconfortável de novo, e quando seus
olhos vão para o celular, entendo o porquê. — Você contou pro Nathan, não
contou?
— Eu mandei mensagem pra ele quando te vi no bar. Desculpa.
— Ele está a caminho, né?
— Em minha defesa, eu não disse onde você estava. Ele faz o time inteiro
usar um app de localização caso a gente tenha problemas e ele precise nos
encontrar.
— Ah, Russ. Eu estava começando a gostar de você. Você tinha que me
dedurar.
As bochechas dele ficam vermelhas de novo, e ele se afunda na cadeira.
— Você é menos assustadora do que o capitão. — O Tesla branco de
Nathan para ao nosso lado, e Russ deixa dinheiro na mesa. — Acho.
Demoro um pouco para convencer Russ a deixar Nathan lhe dar uma
carona, mas, depois que ele entra no carro, Nathan fica quieto enquanto
tento fazer Russ falar sobre si. Quando encostamos na frente da fraternidade
onde mora, ele lança um sorriso desconfortável para Nate.
— Obrigado pela carona, capitão.— Sem problema — responde Nate em um tom frio.
Me inclino para trás para abraçar Russ.
— Tchau, benzinho. Que pena que nosso relacionamento tenha que
acabar.
Ele ri, nervoso, os olhos indo de Nate para mim rapidamente, e balança a
cabeça.
— Tchau, Tasi.
Quando Russ sai e eu volto para o meu assento, percebo a expressão
confusa de Nathan.
— Benzinho? Relacionamento? Eu juro que se você usar a camisa de Russ
eu peço transferência para a UCLA.
— Nosso amor foi curto, mas profundo. — Eu suspiro. — A conexão que
o Russ e eu tivemos vai ser eterna, mas fico feliz por ter acontecido em vez
de ficar triste porque acabou, sabe?
— Você está bêbada. — Ele sorri, tirando o cabelo do meu rosto. — Por
que você ficou bêbada sozinha, gata?
— Estou proibida de chorar.
Ele concorda com a cabeça, volta a dirigir e coloca a mão na minha coxa.
— Eu não entendo o que uma coisa tem a ver com a outra, mas tudo
bem. Quer conversar?
— Eu que deveria te perguntar isso — resmungo, traçando a mão dele. —
Eu sei que você disse que está bem, mas está mesmo?
— São as consequências dos meus atos, Anastasia. Skinner está me
usando de exemplo. Tudo bem. O time vai jogar sem mim. Eu volto daqui a
pouco. Vai, me conta o que está rolando dentro desse seu cérebro gigante.
— Aaron está me evitando. Você não pode jogar hóquei. Eu não posso
treinar e estou com medo de me levantarem. — Mordo a parte interna da
bochecha, lembrando que não posso chorar. — Ninguém consegue
substituir Aaron porque todo mundo já tem compromissos ou parceiros, e
eu só…
— Eu posso ser seu parceiro.
Eu me engasgo com as palavras. Literalmente. Ele bate nas minhas costas
de leve enquanto tento fazer meus pulmões funcionarem.— Com todo o respeito, tá?
O caminho da casa de Russ até a minha é curto, e Nathan para no
acostamento. Ele se vira para mim com uma expressão séria no rosto.
— Eu posso ser seu parceiro. Tenho que patinar e fazer exercício de
qualquer forma, então posso fazer isso com você. Vou viajar quando
tivermos jogos fora, mas sou seu todo o resto do tempo.
Passo a mão pelo cabelo, sem conseguir concordar de imediato,
pensando em todos os motivos pelos quais esta é uma péssima ideia.
— Patinação artística não é como hóquei: você não pode simplesmente
mudar de um para o outro. Não vai dar certo, Nate.
— São oito semanas, Tasi. Posso não conseguir saltar como Aaron, mas
posso te ajudar a praticar e te levantar.
— Você não pode me levantar. Não tem experiência.
Ele coloca a mão no meu pescoço e o polegar me acaricia de leve na
bochecha.
— Você vai ter que me mostrar o que fazer, mas sou mais do que capaz de
te levantar em segurança. — Ele suspira, e a sensação estranha no meu
coração acontece de novo. — Sou um excelente patinador, e sou forte. Muito
mais forte do que Aaron. Eu viraria um tapete humano para não te deixar
cair no gelo.
Mordo o lábio, pensando no que ele acabou de falar.
— É muito gentil da sua parte, mas isso não vai dar certo.
— Me dê um bom motivo por que não daria certo. — Ele leva minha
mão até a boca, a beija de leve e me dá o motivo real para isso. — Só um.
— Por causa disso — respondo em voz baixa. — Não posso misturar
patinação com essa coisa que somos. Eu gosto de você, e me dói muito dizer
isso em voz alta, mas você se infiltrou na minha vida e me fez gostar demais
do tempo que passamos juntos. Agora eu sou legal com você. É a maior
representação do quanto a gente mudou. Pode-se dizer que é até um
desastre.
Ele ri e me encara com um olhar de adoração que me faz perder o ar.
— Você está falando um monte de coisa, bobinha, mas não está falando
nada que faça sentido.Justo.
— Preciso me concentrar, Nate. Não consigo fazer isso se for para sua
cama todo dia.
— Que tal dia sim, dia não?
Eu reviro os olhos, segurando o riso que está ameaçando meu tom sério.
— Nathan…
— Se você acha que não consigo deixar meu pau fora dessa, está
enganada. Dois meses atrás, achei que você ia arrancá-lo e me fazer comer.
Olha aonde chegamos.
Meus olhos estão cheios d’água. Traidores.
— Você adora ficar mandando em mim. Imagina como vai ser legal me
ensinar patinação artística. Por favor, diz sim.
— Eu não acho que é uma boa ideia…
— Mas diz que sim de qualquer jeito.
Solto um suspiro exausto que alivia toda a tensão do meu corpo, e
assinto.
— Ok. Vamos ser parceiros. Sim.
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Quebrando o Gelo- Hannah Grace
RomanceUma patinadora artística ultracompetitiva tem de dividir o rinque com o capitão «quebra-corações» da equipa de hóquei? O gelo não vai quebrar entre estes dois, vai derreter! Anastasia treina todos os dias com a ambição de garantir um lugar na equipa...