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SAFIRA

Eu olhei para a porta fechada, meu coração batendo descompassado. Não queria que dona Odete se envolvesse nisso, ela não precisava ver a pior parte do nosso relacionamento, do filho dela. Então, mesmo com a voz trêmula, disse:

– Tá tudo bem, dona Odete. Eu vou ficar bem. Eu vou falar com ele.

Ouvi o silêncio do outro lado da porta, dona Odete hesitando

– Se precisar de mim, grita, tá? – ela disse, a voz dela repleta de apreensão.

– Eu não vou machucar ela, mãe. – Murilo respondeu com um revirar de olhos, a impaciência pingando de cada palavra.

Mas eu sabia que isso não era completamente verdade. A dor que ele me causava nem sempre era física.

Assim que ouvi os passos de dona Odete se afastando, soltei um suspiro que nem percebi estar segurando.

– Você chegou bem perto de fazer isso, né? – sussurrei. Eu queria que ele soubesse que, apesar de tudo, eu ainda tinha algum controle, ainda tinha uma voz. – Ficou tão louco com a possibilidade ridícula de eu estar traindo você, que me xingou, me humilhou e quase me bateu.

– Você me deixou maluco, Safira. – ele rosnou, o tom dele cheio de amargura. – Escondendo as minhas coisas, mentindo pra mim... O que você queria, hein? Que eu ficasse calmo? Que aceitasse numa boa?

– Eu escondi porque sabia que você nunca deixaria eu trabalhar. – confessei. – Você iria me proibir, como sempre! Você me proíbe de tudo, Murilo. Tudo que possa me fazer feliz te causa raiva, né? Eu posso fazer qualquer coisa, desde que você esteja me vigiando de perto.

– Claro que eu não deixaria! – ele explodiu. – Eu te dou tudo o que você precisa, tudo o que você quer, e você quer o quê? Trabalhar pra ganhar migalhas? Que tipo de idiotice é essa, Safira?

A dor no peito só aumentava com cada palavra que ele jogava na minha direção. Não era sobre o dinheiro, nunca foi. Era sobre a liberdade, sobre poder fazer algo por mim mesma. Mas ele nunca entenderia isso.

– Eu só queria ganhar meu próprio dinheiro, Murilo – respondi, tentando manter minha voz firme. – Com meu salário. Só isso.

Ele balançou a cabeça, como se eu estivesse dizendo a coisa mais absurda do mundo.

– Você não precisa disso – ele disse, mais baixo, mas ainda com raiva queimando nas palavras. – Se quer tanto ser babá, basta ter um filho. Pronto. Teria alguém pra cuidar.

Aquilo foi como um golpe direto no meu coração. A ideia de ter um filho com ele, especialmente depois de tudo que havia acontecido, era insuportável. A raiva queimar em meu peito e respondi sem pensar.

– Eu não sou louca, Murilo. Eu não teria um filho com você. Ainda mais depois de tudo isso.

As palavras saíram sem filtro, cruas e verdadeiras, e no momento em que as disse, soube que não havia como voltar atrás.

Murilo ficou em silêncio por um instante, absorvendo o que eu havia dito. O silêncio era aterrorizante, porque eu não sabia o que ele faria a seguir. Mas ao mesmo tempo, eu sabia que precisava ser honesta, precisava dizer a verdade, mesmo que isso o enfurecesse ainda mais.

– Depois de tudo isso? – Ele finalmente respondeu, a voz baixa, como se estivesse tentando entender.

Eu fechei os olhos por um instante, tentando reunir a coragem para responder. Quando finalmente abri os olhos, encontrei o olhar de Murilo, cheio de dor e raiva.

– Eu tô dizendo que não quero viver assim, Murilo – respondi, minha voz tremendo. – Não posso continuar com alguém que não me respeita, que não confia em mim.

Murilo balançou a cabeça, a expressão dele se tornando mais sombria a cada segundo.

– Respeito? Confiança? – Ele riu, mas não havia humor na risada. – E você acha que esconder as coisas de mim, mentir pra mim, é o quê? Respeito?

Eu o encarei, as palavras dele cortando fundo. Ele estava ferido, eu podia ver isso, mas também estava furioso. E quando Murilo estava furioso, era difícil fazer ele ouvir a razão.

– Eu escondi porque tinha medo – admiti, minha voz pequena. – Medo de você. Medo do que você faria se soubesse que eu estava trabalhando. E isso não é vida, Murilo. Não é assim que eu quero viver.

Por um momento, Murilo pareceu perdido, como se estivesse tentando encontrar uma maneira de reagir ao que eu estava dizendo. Ele sempre foi um homem que controlava tudo, e agora, com a situação escapando do controle, ele parecia à beira de explodir.

– Você me faz parecer um monstro – ele finalmente murmurou. – E talvez eu seja mesmo, porque por mais que você diga que me odeia, eu ainda quero você, Safira. Eu ainda quero a nossa vida de volta.

Eu respirei fundo, tentando encontrar uma maneira de responder. Eu não queria machucá-lo mais do que já havia feito, mas também não podia mentir para ele, nem para mim mesma.

– Eu não te odeio, Murilo – respondi. – Pelo menos, não ainda, Mas eu tô muito cansada. – soltei, quase sem pensar, mas era a verdade mais simples e dolorosa que eu poderia dizer. – Só que eu tô cansada de tentar.

– Eu tô cansada, Murilo. – soltei, quase sem pensar, mas era a verdade mais simples e dolorosa que eu poderia dizer. – Eu tô cansada de esperar que você se dê conta das coisas, que perceba o quanto isso tá me destruindo. Eu esperei tanto que você mudasse, que percebesse o quanto me machuca... mas você nunca melhora.

– Eu melhorei, Safira, e você sabe disso. Eu já fui pior, você sabe! – Ele rebateu, tentando se justificar. – Eu faço tudo por você, e olha como você me paga. Você tá jogando tudo fora por causa de uma briga, uma briga que só começou por causa da sua idiotice em me esconder as coisas!

– Não é só uma briga, Murilo! – eu gritei, sentindo as lágrimas começarem a escorrer pelo meu rosto. – Isso acontece o tempo todo. E eu cansei de ficar assim, presa naquela casa, nesse relacionamento que só me sufoca. Eu não vou voltar mais, não vou voltar pra aquela casa que você diz que é nossa, mas que na verdade é o lugar que você usa para me manter presa, cativa.

– E pra onde você vai? – ele perguntou, a voz mais baixa, mas ainda cheia de rancor. – Pra onde você acha que pode ir, Safira? Você não tem ninguém! Eu fiz essa casa pra você, pra gente. Você não tem pra onde ir!

– Fez aquela casa pra mim? – repeti, sacudindo a cabeça em descrença. – Murilo, essa casa deixou de ser minha no momento em que você fez questão de comprar a casa que eu alugava e se enfiar lá dentro. No momento em que você tirou toda a liberdade que eu tinha. Você pode ficar com a casa, com tudo! Eu não quero nada.

Murilo parecia estar lutando contra as palavras, procurando uma resposta que pudesse me fazer mudar de ideia.

– Você tá falando besteira, Safira. – ele disse e eu podia sentir o desespero por trás das palavras. – Eu te amo, é isso que você quer ouvir? Aquela casa é nossa, branquinha. Sempre foi nossa. Não faz isso com a gente. Não me deixa.

Fiquei estática, sem conseguir reagir por um momento. Era a primeira vez que Murilo dizia "eu te amo" para mim, daquele jeito, sóbrio, e, dessa vez, ele não estava bêbado.


Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]Onde histórias criam vida. Descubra agora