SAFIRA
Acordei com o som do chuveiro ecoando pelo quarto.
Murilo estava tomando banho.
Fechei os olhos por um momento e suspirei profundamente, deixando que um turbilhão de pensamentos invadisse minha mente.
O que tinha sido aquilo ontem à noite?
Eu ainda podia sentir a sensação da pele dele contra a minha, os sussurros provocativos em meu ouvido. O eco da sua respiração ofegante e dos seus movimentos ávidos ainda ressoava em minha memória. Um arrepio percorreu minha espinha ao lembrar.
Um sorriso involuntário brotou em meus lábios ao recordar cada toque, cada beijo. Era como se um desejo que eu tinha reprimido por tanto tempo tivesse finalmente se libertado naquela noite. Murilo, que normalmente era distante e reservado, havia se entregue de uma forma completamente inesperada. Ele se mostrou vulnerável e apaixonado, revelando um lado de si que eu nunca havia imaginado.
Talvez fosse apenas uma escapada emocional, um momento de intensidade que logo se dissiparia. No entanto, não conseguia negar a sensação de que algo tinha mudado entre nós. Murilo, com seu jeito imprevisível, era agora um enigma ainda maior para mim.
Olhei para o relógio: sete e meia.
Eu precisava me apressar se quisesse pegar o ônibus a tempo.
Tinha combinado com Maíra que ela diria a Murilo que eu estaria no cursinho caso ele perguntasse algo a ela.
Porque eu sabia que ele perguntaria... ele sempre perguntava tudo a ela para confirmar se eu realmente estava falando a verdade.
Porém, pela primeira vez, essa não era a verdade. Há seis meses, aceitei cuidar do filho de conhecida da igreja. Amava o trabalho, mas Murilo não podia saber. Para ele, desde que começamos essa "relação", todo o meu sustento deveria vir exclusivamente dele.
"Relação" era um eufemismo. Na verdade, Murilo me impôs essa situação. Revirei os olhos para mim mesma. Não foi uma escolha mútua; ele simplesmente decidiu. Não tive opção.
Desci até o andar de baixo e tomei um banho rápido no pequeno banheiro que ele tinha mandado construir recentemente.
Ele até mesmo já modificava a minha casa como se fosse dele...
Preparei o café, colocando na garrafa térmica e observando o vapor que subia. Coloquei os pães que tinha feito na noite anterior em um prato, e organizei algumas torradas e os frios sobre a mesa.
Voltei para o quarto e Murilo já estava saindo do banheiro, envolto em uma toalha amarrada na cintura. Seus cabelos estavam molhados e desarrumados, escorrendo gotas d'água pelo pescoço e pelos ombros. Ele estava esfregando o rosto com uma toalha pequena.
A visão do seu torso exposto, ainda brilhando com o resto da água do banho, fez com que eu sentisse um frio na barriga.
Ele me lançou um olhar rápido enquanto começava a vestir uma camiseta.
— Vai para onde? — Ele me lançou um olhar questionador.
— Para o cursinho. — Menti, tentando manter a voz firme, apesar do nó que se formava em meu estômago. — Eu te disse que estava fazendo um curso.
Sabia que tudo aquilo era uma mentira para proteger meu segredo. Se ele descobrisse a verdade, não seria bom para mim.
Murilo continuou me encarando, como se estivesse avaliando cada palavra minha.
— E esse curso é tão cedo assim? — Sua voz soou mais dura, o que me fez tremer por dentro.
— Tenho que pegar dois ônibus. Se eu sair um pouco mais tarde, perco o horário. — Respondi rapidamente, tentando explicar sem dar espaço para mais perguntas.
Ele assentiu lentamente, ainda com aquele olhar penetrante que me fazia sentir como se estivesse sendo interrogada.
— Hum. — Ele disse por fim, virando para se vestir.
Um alívio temporário se instalou em mim. Rapidamente terminei de me arrumar, peguei minha bolsa e me dirigi para a porta.
— Tô saindo. — Murmurei, tentando soar o mais natural possível enquanto passava por ele.
— Safira? — me chamou.
Parando abruptamente, olhei para ele com uma sensação crescente de nervosismo.
— O que foi?
— Espero que lembre o que eu disse sobre não esconder nada de mim. — avisou, e um arrepio tomou conta do meu corpo. — Posso não ser tão compreensivo como da outra vez.
— Eu não estou fazendo nada de errado, Murilo. — respondi.
E de certa forma aquilo não era mentira. Eu apenas estava indo trabalhar.
Ele se aproximou um pouco mais. Seus olhos escuros estavam fixos nos meus, como se buscassem a menor falha na minha sinceridade.
— Para o seu bem, espero que não. — Ele falou, cada palavra saindo lenta e carregada de um aviso sutil. Era claro que ele estava deixando um recado: qualquer deslize ou mentira da minha parte não seria tolerado.
Senti um frio percorrer minha espinha ao perceber que, apesar das minhas palavras, Murilo não estava convencido.
Engoli em seco e saí pela porta, fechando suavemente atrás de mim. Meu coração batia forte enquanto eu descia as escadas. A sensação de mentir para ele me deixava nauseada, mas era o preço que eu pagava para manter a paz, pelo menos temporariamente.
Eu só queria ganhar o meu próprio dinheiro e não depender dele para nada, como ele queria que eu fizesse. A ideia de ser tão dependente do Murilo me incomodava. Eu não tinha certeza de quanto tempo aquela situação duraria, nem quanto ele realmente queria estar comigo, ou o quanto eu suportaria tudo aquilo sem acabar fugindo dele.
A verdade é que eu precisava de um plano, de alguma forma de me manter independente. Se tudo acabasse e eu não tivesse para onde ir ou como me sustentar, me sentiria completamente perdida.
Ter algum dinheiro guardado era essencial para mim; era a única maneira de garantir que eu pudesse tomar minhas próprias decisões e não ficasse presa a uma situação que poderia mudar de um dia para o outro.
Eu queria poder escolher o meu caminho sem depender de ninguém, sem ficar refém de um relacionamento que era, no fundo, incerto e instável.
No ônibus, olhei pela janela, perdida em pensamentos. Sabia que não poderia continuar assim para sempre.
Eu tinha certeza que um dia Murilo descobriria toda a verdade e quando isso acontecesse eu não fazia ideia do que faria...
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Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]
RomanceSafira cresceu na favela e nunca teve uma vida fácil. Ela fazia de tudo para ignorar aquela parte tão violenta do que era morar ali. Com a morte recente dos pais, Safira se vê sem rumo na vida. Do outro lado, Murilo, também conhecido com Marreta, er...