SAFIRA
Era raro eu conseguir preparar o almoço nesses dias, mas hoje a vida tinha dado uma trégua. Dona Marta iria levar Felipe há um passeios com alguns amiguinhos e tinha me dado essa folga, então decidi aproveitar para fazer algo simples, mas saboroso, que agradasse o Murilo. Eu sabia que ele gostava quando eu fazia a comida.
Enquanto mexia a panela, ouvi a porta da frente se abrir com um rangido familiar. Ele entrou com o celular preso à orelha, a expressão fechada. A voz dele, sempre grave e firme, ecoava pela casa.
– Já falei que não adianta insistir. – A voz dele cortava o ar, pesada com irritação. – Não vou ter filho nenhum. Para de drama mãe, a senhora mal chegou na casa dos cinquenta, que tá no fim da vida que nada!
Eu olhei de relance para ele, curiosa, mas não disse nada. Preferia manter minha boca fechada em situações assim. Continuei a mexer o feijão, tentando manter o foco na comida e não na conversa que ele tinha ao telefone.
– Quanto mais você insistir, menos vontade dá, sabia? – Ele soltou um suspiro exasperado. – Sossega, tá? Não adianta nada ficar falando disso todo dia. – Ele terminou a frase com uma risada seca, claramente desconfortável, e então desligou, cortando os protestos que vinham do outro lado da linha.
Ele olhou para mim, os olhos escuros fixos no meu rosto, como se procurasse alguma reação. Senti um frio na espinha, mas mantive minha expressão neutra. Era um milagre ele estar em casa àquela hora, mas eu sabia que era melhor não fazer alarde sobre isso.
– Que milagre, né! Desde que começou esse curso, quase nunca faz almoço. Sempre chega de tarde. – Ele falou com aquele tom que misturava reprovação e ironia, um tom que eu já conhecia bem.
– Hoje não teve. – Respondi calmamente, evitando prolongar a conversa.
Ele apenas resmungou um "hum" como resposta, algo entre o desdém e o cansaço, e se aproximou da mesa, onde eu já tinha começado a colocar os pratos.
– Minha mãe tá realmente disposta a fazer a gente ter um filho. – Ele começou, o tom da voz agora mais ponderado, quase como se estivesse se divertindo com a situação. – O que você acha disso?
Engoli em seco. Não era a primeira vez que esse assunto surgia, mas ainda assim, toda vez que ele trazia isso à tona, me deixava desconfortável. A ideia de ter um filho, especialmente com Murilo, nessas condições, era algo que eu mal conseguia conceber.
A última coisa que eu queria era me prender ainda mais a essa vida que eu não escolhi, a esse homem que, apesar de todas as tentativas de se mostrar diferente, era perigoso e tinha um controle sufocante sobre mim.
– Você já sabe o que eu acho disso. – Respondi, tentando manter minha voz firme. – Não pode estar nem considerando uma coisa dessas, Murilo.
Ele me olhou por um longo momento, os olhos estreitos, avaliando minha resposta. Eu sabia que ele odiava quando eu o contrariava, mas isso era algo em que eu não podia ceder.
– Quem sabe, né? O destino é imprevisível. – Ele disse, com um meio sorriso que me deixou ainda mais desconfortável.
– Camisinha e anticoncepcional não são. – Retruquei rapidamente, tentando encerrar o assunto antes que ele tomasse um rumo ainda pior. – Se a gente continuar se prevenindo, fica tudo certo.
A expressão dele mudou imediatamente. Vi uma sombra de desagrado passar pelo rosto de Murilo, e meu estômago se revirou.
Ele não podia sequer estar cogitando isso.
Murilo se aproximou de mim, devagar, como um predador rondando sua presa. Pude sentir o calor do corpo dele, o cheiro familiar do perfume misturado ao cigarro que ele fumava às vezes. Fechei os olhos por um momento, tentando controlar a ansiedade que começava a me sufocar.
– E se um dia isso falhar, hein, Safira? – Ele sussurrou, a voz carregada de um tom ameaçador. – O que você vai fazer?
Abri os olhos e o encarei, sentindo a pressão de seu olhar sobre mim.
– Não vai falhar. – Respondi, tentando manter a confiança na voz. – E se falhar... Bom, a gente vai ter que lidar com isso quando acontecer. Mas eu espero que você não esteja contando com isso, Murilo.
Ele riu, uma risada baixa e cheia de cinismo, enquanto se afastava um pouco, ainda me observando de perto. Era como se ele estivesse saboreando minha resistência, como se gostasse daquilo.
– Não tô contando com nada, só tô dizendo que a gente não controla tudo. Às vezes, as coisas acontecem, e não dá pra fazer nada.
– Eu sei que a gente não controla tudo, Murilo. – Respondi, tentando manter a calma. – Mas eu faço o que posso pra evitar certas coisas. E eu espero que você respeite isso. Pelo menos isso.
Ele estreitou os olhos, avaliando minhas palavras, e por um momento, o silêncio entre nós pareceu pesar como uma ameaça invisível. Eu podia sentir a tensão no ar, como se ele estivesse decidindo se ia continuar com o jogo ou se ia me dar um pouco de paz.
– Respeitar? – Ele murmurou, como se provasse a palavra na boca. – Tá achando o que? Que eu por acaso vou furar a camisinha só pra te engravidar, é isso?
Não respondi.
– Você acha que eu sou esse tipo de cara, Safira? – Ele continuou, o tom de voz agora baixo, quase um sussurro, mas carregado de uma seriedade perturbadora. – Que eu iria forçar uma situação dessas, só pra te prender mais ainda aqui comigo?
Ele levantou a mão, tocando meu rosto de leve, seus dedos passando pela minha pele.
Meu corpo inteiro se retesou, e eu me obriguei a manter a compostura, a não demonstrar o medo que ameaçava me consumir.
– Porque, se é isso que você pensa... – Ele inclinou a cabeça, observando cada pequena reação minha. – Talvez você esteja subestimando o que eu sou capaz de fazer. Ou talvez... – Ele sorriu. – Talvez você esteja começando a me conhecer melhor do que eu imaginava.
– E você seria capaz disso? – Perguntei, com a voz mais firme do que me sentia. – Isso não é um jogo, é a nossa vida. A minha vida.
– Sua vida? – Ele repetiu, com um sorriso frio. – Você fala como se tivesse controle dela, mas você sabe que não tem. Por que insiste nisso, hein?
Ele deu um passo para trás, cruzando os braços enquanto me observava, mas eu não disse nada.
– Bom, Safira, vamos ver quanto tempo você consegue manter esse controle. Porque, como eu já disse, a gente não controla tudo. E talvez você tenha que lidar com algumas surpresas.
– Murilo... – Comecei, mas antes que pudesse formular uma frase completa, ele me interrompeu.
– Tô só brincando. – Ele riu, mas o som da sua risada não trouxe alívio algum, apenas mais incerteza. – Você leva tudo a sério demais, sabia? – Ele balançou a cabeça.
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Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]
RomanceSafira cresceu na favela e nunca teve uma vida fácil. Ela fazia de tudo para ignorar aquela parte tão violenta do que era morar ali. Com a morte recente dos pais, Safira se vê sem rumo na vida. Do outro lado, Murilo, também conhecido com Marreta, er...