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SAFIRA

O cheiro de comida caseira preenchia a cozinha. Era um raro momento em que estávamos todos juntos e dona Odete estava radiante, o sorriso em seu rosto era enorme e ela não parava de olhar para cada um de nós como se quisesse gravar aquela cena.

Eu estava sentada ao lado de Murilo, e à minha frente, Maíra, e dona Odete se ocupavam em distribuir os pratos com a refeição deliciosa que ela tinha preparado.

Ela fazia questão de servir cada um de nós. Eu já amava dona Odete como uma verdadeira mãe.

Murilo, como de costume, estava calado, concentrado no prato à sua frente. A ausência de conversa da parte dele já não me surpreendia, mas me incomodava que ele sempre parecia se isolar, mesmo em momentos como esse.

– Eu sinto tanta falta disso. – disse dona Odete, com um suspiro satisfeito enquanto passava a travessa de arroz para mim. – Todo mundo junto aqui, como uma família deveria ser. Não devia acontecer raramente assim, sabia?

Olhei para Murilo, esperando que ele dissesse algo que animasse a mãe, mas ele apenas deu de ombros, como se o que ela tinha dito não tivesse importância alguma.

– É só um almoço. – respondeu ele, pegando um pedaço de carne com o garfo e colocando no prato. – Não preciso de todo mundo junto pra ficar com a barriga cheia.

Eu sabia que dona Odete não deixaria passar aquela resposta com facilidade, e logo a voz dela, firme, mas cheia de carinho, se fez ouvir de novo:

– Meu filho, você é tão bruto às vezes. – disse ela, balançando a cabeça em desaprovação. – Não é só sobre comida, é sobre a nossa família, sobre estarmos juntos, compartilhando esses momentos. Vai muito além de encher a barriga.

Mordi o lábio, tentando me concentrar em cortar o pedaço de carne à minha frente, mas não pude evitar de olhar para Murilo de soslaio, tentando adivinhar como ele reagiria. Para minha surpresa, ele apenas encolheu os ombros de novo, como se realmente não se importasse.

Dona Odete não estava satisfeita com aquela atitude indiferente, e com um olhar cheio de significado, ela acrescentou:

– Quando você tiver filhos, vai entender o que eu tô dizendo.

Foi nesse momento que a surpresa me atingiu de forma tão inesperada que acabei me engasgando com a comida. O pedaço de carne parecia ter se alojado na minha garganta, e eu comecei a tossir, tentando respirar enquanto levava a mão à boca.

– Safira! – exclamou dona Odete, em um tom preocupado, mas que trazia uma pitada de diversão. – Tá tudo bem?

Murilo parou de comer e se virou para mim, os olhos estreitados. A mão dele pousou nas minhas costas, batendo devagar enquanto eu tentava me recompor. Eu senti o calor subir ao meu rosto, me deixando ainda mais constrangida. Depois de alguns segundos, finalmente consegui engolir o pedaço de carne, e a tosse começou a diminuir.

Dona Odete não conseguiu conter um risinho, e quando a olhei, havia uma expressão travessa no rosto dela.

– Não precisa ficar nervosa, filha, foi apenas um comentário. Não vejo a hora de ver você grávida, Safira. – disse ela, com um brilho nos olhos que me deixou ainda mais desconcertada. – Carregando meu neto. Vai ser a maior alegria da minha vida. Imagina se vier com esses seus olhos azuis?!

Meu coração disparou, e eu senti o olhar de Murilo queimar em mim. Era como se ele estivesse esperando minha reação, mas ao mesmo tempo, havia algo na forma como ele me olhava que me deixava ainda mais nervosa.

Que ele não estivesse cogitando essa loucura da mãe dele.

– Ah... – comecei, sem saber exatamente o que dizer. As palavras pareciam escapar de mim. – Ainda não pensamos nisso, dona Odete.

Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]Onde histórias criam vida. Descubra agora