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MARRETA

Revirei o quarto pela terceira vez, jogando tudo no chão, sem o menor cuidado. Roupas, papéis, tudo era arremessado como se eu pudesse encontrar alguma pista escondida no meio daquela bagunça.  

Rafael estava do outro lado da kitnet, mexendo nas gavetas da cômoda. 

Eu continuei jogando as roupas no chão, sentindo a raiva aumentar a cada peça que caía aos meus pés. Era como se o William estivesse rindo da minha cara, sabendo que eu estava ali, destruindo o lugar onde ele morava, sem conseguir achar uma maldita pista que levasse até ele.

De repente, ouvi Rafael parar de mexer nas coisas. Olhei para ele, ainda com uma camiseta do William na mão.

– Que foi? – perguntei, impaciente.

Rafael estava segurando algo pequeno, mas não consegui ver o que era de onde eu estava. Ele olhou para mim e, sem dizer nada, caminhou até mim, estendendo o objeto. Peguei da mão dele e vi que era uma foto. Uma foto velha, desbotada pelo tempo.

Na imagem, éramos nós três. William, Rafael e eu, quando tínhamos uns quinze anos. Estávamos sorrindo, os braços jogados sobre os ombros uns dos outros, como se nada pudesse nos separar. Naquele momento, éramos amigos, parceiros de verdade.

– Ele nunca foi meu amigo de verdade. – murmurei, sentindo a raiva crescendo ainda mais dentro de mim. – E nem seu.

Peguei o isqueiro no bolso e, sem hesitar, acendi. A chama tremulou por um instante antes de eu aproximar da foto. Rafael observava em silêncio enquanto eu queimava a parte do William. O papel se enrugou, as bordas ficando pretas e se desfazendo em cinzas. Quando o rosto dele estava completamente destruído, joguei o que restava da foto no chão.

Rafael balançou a cabeça, triste. 

– Eu considerava demais ele, Marreta. – Rafael disse, quase como se falasse consigo mesmo. – Demais mesmo. Porra!

Olhei para ele, com deboche.

– Ele fazia questão de te lembrar todos os dias da Luciana e do cara que engravidou ela. – rosnei, a voz saindo mais grossa do que eu pretendia. – Que merda de consideração, Rafael. Manda a consideração pra casa do caralho, porra!

A expressão de Rafael mudou imediatamente. Ele fechou a cara.

– Você sabe que esse papo aí é proibido. – ele respondeu, a voz tensa.

– Então esquece o filho da puta. – respondi de imediato, minha voz carregada de desprezo. – Ele não era amigo de ninguém.

Rafael suspirou, e antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele respondeu com algo que me pegou de surpresa.

– Claro que não. Até porque ele queria que vocês fossem mais que amigos, né. Cara, nunca pensei que William gostava de dar o cu, nem que ele tinha essa tara doentia por você. O William sempre pareceu tão... macho. – olhou para o nada, perdido em pensamentos.

Dei um passo na direção dele, querendo acertar ele, mas Rafael ergueu as mãos em rendição, com um sorriso no rosto.

– Tá de sacanagem, Rafael? – rosnei, a voz saindo mais alta do que eu pretendia. – Por que você tá falando essa merda agora?

– Você que começou a jogar baixo. – respondeu. – Você acha que eu gosto de todo mundo me lembrando que eu fui corno? Eu... amava a Luciana e não quero ninguém me lembrando que ela me chutou e se mandou com outro cara.

Parei, ainda respirando pesado, os punhos cerrados. Queria bater em alguém, descontar toda essa raiva que estava me consumindo, mas sabia que não resolveria nada.

– Essa porra toda sobre o William que você tá dizendo fica só entre a gente, entendeu? – falei, com a voz baixa, mas cheia de ameaça. – Ninguém mais vai saber disso, nem na favela, nem fora dela. Eu nunca dei motivo pra esse filho da puta achar que eu queria alguma coisa. Ele inventou essa merda na cabeça dele, só isso.

– Eu tenho cara de fofoqueiro, Marreta?

Rafael voltou a vasculhar as gavetas. Ele sabia que eu estava falando sério. Eu só conseguia pensar na Safira, no que ele poderia estar fazendo com ela naquele momento.

Depois de um tempo revirando a kitnet, Rafael soltou um suspiro frustrado e balançou a cabeça.

– Não tem nada aqui que vai ajudar a gente. – ele disse, a voz carregada de decepção.

A raiva que eu vinha tentando controlar explodiu de uma vez. Gritei de raiva, o som ecoando pelas paredes apertadas da kitnet, e comecei a quebrar tudo que estava ao meu alcance. O espelho da cômoda foi o primeiro a estilhaçar sob o impacto do meu soco. Depois, joguei o abajur no chão, vendo ele se partir em pedaços. O barulho das coisas quebrando acalmava um pouco a raiva que borbulhava dentro de mim, mas não o suficiente.

Rafael observava em silêncio, sabendo que não adiantava tentar me parar. Ele sabia que, uma hora ou outra, eu ia parar, mas por enquanto, era melhor me deixar extravasar. Quando o quarto estava praticamente destruído, eu me virei para ele, ainda ofegante.

– Chama uns meninos pra tirar todo esse lixo daqui e queimar – eu ordenei, a voz baixa, mas firme. – Não quero nada desse merda no meu morro. O William não vai precisar de nada disso, porque logo logo vai tá no colo do capeta.

Ele ia saindo, mas chamei ele de novo e falei:

– E tira da cabeça essa porra de consideração por ele, porque aquele merda morreu no dia que traiu a gente. – falei, com os dentes cerrados. – E se ele tinha qualquer ideia errada na cabeça, isso foi culpa dele, não minha. Ele vai pagar por tudo isso, por toda a merda que fez. E no dia que isso acontecer, não quero ver essa expressão de pena na tua cara de novo, ouviu, porra? Ele não merece nada além de desprezo, e se você ainda sente alguma coisa por ele, então guarda pra você, porque eu não quero saber!

Rafael assentiu e saiu para chamar os meninos, enquanto eu ficava ali, no meio dos destroços. Tudo o que eu conseguia pensar era no William e no que ele poderia estar fazendo com a Safira. Minha mente estava um caos, e a única coisa que me mantinha de pé era a raiva, a vontade de acabar com aquele desgraçado de uma vez por todas.

Quando os meninos chegaram, eles começaram a tirar tudo do quarto, empilhando os móveis e as coisas quebradas do lado de fora. Eu assistia em silêncio, a raiva ainda queimando no meu peito.

Enquanto eles trabalhavam, me aproximei da janela quebrada, olhando para o céu cinzento lá fora. Minhas mãos ainda tremiam de raiva, e sabia que não ia conseguir descansar até que o William estivesse morto, mas só depois que sofresse bastante.

Meu celular tocou no bolso e olhei no visor vendo o número do Dante.

– Marreta? – a voz de Dante soou do outro lado da linha.

– E aí, tem alguma atualização? – perguntei, com o coração acelerado.

O silêncio que veio em seguida me deixou à beira da loucura.

– Achamos, cara! – ele disse finalmente, e ouvi alguns gritos de comemoração ao fundo.

Aquelas palavras deveriam me acalmar, mas a ansiedade só aumentou. Eu precisava ver elas, saber que estavam bem.

– Caralho! É isso aí, Dante! – disse, meio que agradecendo. – Onde elas tão, porra?! Me fala agora! – gritei, mal segurando o telefone.

Dante começou a explicar, mas eu já estava me mexendo, a única coisa na minha cabeça era chegar até elas. Nada mais importava.

– Tô indo agora! – desliguei o telefone sem esperar resposta.

Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]Onde histórias criam vida. Descubra agora