SAFIRA
Quando vi o Murilo parado ali na frente da casa da dona Marta, um milhão de pensamentos passaram pela minha cabeça de uma só vez. Será que ele tinha vindo brigar? Será que ia me forçar a voltar pra casa, do jeito que ele sempre fazia quando não conseguia o que queria? Suspirei, tentando afastar esses pensamentos, mas eles insistiam em ficar.
Entrei no carro e coloquei o cinto, sentindo o olhar dele sobre mim o tempo todo. Murilo entrou logo em seguida, e por alguns segundos ficamos em silêncio, apenas o som do motor sendo ligado quebrando o clima tenso que se instalou entre nós.
– O que você veio fazer aqui? – Perguntei, tentando manter minha voz firme, mesmo que por dentro estivesse uma bagunça de emoções. Ele não deveria estar ali. Não depois do que aconteceu.
Murilo deu de ombros, como se aquilo não fosse nada demais. Como se ele aparecer no meu trabalho fosse a coisa mais normal do mundo.
– Não posso vir buscar minha mulher? – Ele respondeu, tentando soar casual.
"Minha mulher".
Como ele ainda podia pensar assim? Depois de tudo o que aconteceu?
Me forcei a respirar fundo e manter a calma.
– A gente já conversou sobre isso, Murilo. – Respondi, encarando ele com seriedade. – Você tinha aceitado a minha decisão. Eu falei que não queria mais isso, que não dava mais, lembra disso, né?
Ele suspirou, e por um momento eu quase acreditei que ele estava realmente arrependido. Quase. Mas eu conhecia o Murilo. Sabia como ele funcionava. Ele podia parecer arrependido agora, mas bastava uma coisa não sair como ele queria, e toda aquela fachada caía.
– Eu quero tentar, Safira. – Ele disse, e havia um tom de sinceridade na sua voz que eu não esperava.
Mas eu não podia simplesmente acreditar nele assim. Já tinha caído nessa armadilha antes.
– Tentar o quê, Murilo? – Perguntei, sem conseguir esconder a incredulidade na minha voz. – Só o fato de você ter vindo atrás de mim no trabalho já mostra que você não mudou nada. Que você continua sendo o mesmo Murilo possessivo de sempre.
Ele passou a mão pelos cabelos, um gesto que ele fazia quando estava nervoso, tentando encontrar as palavras certas.
– Eu só não queria que você voltasse de ônibus pra casa. – Ele respondeu, um pouco mais baixo. – Achei que você ia gostar de não precisar pegar ônibus.
Ri sem humor, balançando a cabeça. Eu não conseguia acreditar que ele realmente esperava que eu fosse cair nessa.
– Não acredito que tenha sido só por isso. – Retruquei, meus olhos fixos nos dele, desafiando ele a me convencer do contrário. – Eu não acredito mesmo.
Ele suspirou novamente, mais profundo dessa vez.
– É verdade, tá bom? – Ele insistiu. – Eu sei que errei. Sei que fui um idiota. Mas eu não quero mais ser assim. Não com você, branquinha.
A última palavra saiu quase como um sussurro, e eu senti uma mistura de emoções ao ouvi-la.
"Branquinha."
Ele sempre me chamava assim quando estava tentando ser carinhoso e por mais que eu não quisesse admitir, eu gostava demais.
Olhei para ele, tentando ver alguma mudança, alguma coisa que mostrasse que ele realmente estava falando a verdade. Mas era difícil. Difícil acreditar que alguém como o Murilo pudesse mudar tão rápido.
– Eu vou até deixar de ir na casa da minha mãe, só pra você ficar lá até decidir ir embora, do jeito que você queria. – Ele continuou, tentando me convencer. – Você sabe que eu sou doido por você, Safira. Mas se ficar longe de você é o que precisa pra te provar que eu mudei, então eu vou fazer isso.
O longe dele era há uns ruas de distância na casa da dona Odete? Que por acaso era a mãe dele e minha sogra... ou ex-sogra.
Olhei pra ele por um longo momento, tentando decidir o que fazer. Eu sabia que não podia confiar nele completamente, mas também sabia que, nesse momento, eu não tinha muitas opções. Eu não queria voltar pra casa, mas também não tinha pra onde ir.
– Eu não vou ficar por muito tempo. – Avisei, deixando claro que aquilo era temporário. Eu não estava voltando pra ele, não estava me reconciliando. Estava apenas aceitando uma solução temporária, até conseguir me estabelecer de novo.
– Não precisa. – Ele respondeu, tentando manter a voz neutra. – Você não vai nem precisar olhar pra minha cara se não quiser. Eu fico na nossa casa, e você fica lá na casa da minha mãe.
As palavras dele soaram tão convincentes que, por um momento, quase quis acreditar que aquilo era possível. Que a gente podia ficar assim, separados, mas ao mesmo tempo perto, sem que ele tentasse me forçar a voltar pra ele.
– Eu preciso de tempo. – Falei, sentindo a necessidade de deixar isso bem claro. – Eu preciso pensar, e eu preciso ver que você realmente vai ser diferente dessa vez e que você vai ficar na sua casa, Murilo.
Ele assentiu, parecendo mais sério do que nunca.
– Eu prometo. – Disse ele, com uma intensidade que me fez tremer por dentro.
Eu queria acreditar nele. Queria muito. Mas, ao mesmo tempo, sabia que confiar demais nele poderia ser o meu maior erro. Então, respirei fundo e decidi que ia dar esse tempo pra ele – e pra mim também.
– Tá bom. – Respondi, finalmente. – Mas você tá prometendo que não vai ficar em cima de mim, Murilo. Que vai me dar o espaço que eu preciso.
Ele assentiu novamente, sem hesitar dessa vez.
– Eu prometo, Safira. – Ele repetiu, e dessa vez parecia realmente acreditar no que estava dizendo. – Eu só quero que você fique bem.
Murilo estendeu a mão para mim, hesitante, como se tivesse medo de que eu a rejeitasse.
Eu não toquei a mão dele, mas também não recuei. Apenas observei, endurecendo. Ele parecia perceber isso, porque logo recolheu a mão, como se tivesse perdido a coragem.
Era estranho ver ele assim, tão diferente da imagem que eu tinha dele. Mas outra parte, talvez a mais cautelosa, me dizia para não baixar a guarda. Murilo já tinha prometido tantas coisas antes, e nem todas haviam sido cumpridas.
Eu sabia que as coisas entre nós dois estavam longe de serem resolvidas. Sabia que o Murilo ainda tinha muito a provar. Mas, por enquanto, esse era o melhor que eu podia fazer.
Enquanto ele dirigia em silêncio, eu olhei pela janela, observando as ruas passarem.
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Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]
RomanceSafira cresceu na favela e nunca teve uma vida fácil. Ela fazia de tudo para ignorar aquela parte tão violenta do que era morar ali. Com a morte recente dos pais, Safira se vê sem rumo na vida. Do outro lado, Murilo, também conhecido com Marreta, er...