SAFIRA
O trajeto até o trabalho era curto, mas cada passo era um alívio, afastando-me temporariamente das tensões e incertezas que Murilo trazia à minha vida. Sentir o ar fresco da manhã e ver o sol nascer me dava uma sensação de liberdade, mesmo que momentânea.
Cheguei à casa de dona Marta e bati suavemente na porta. Ela rapidamente me recebeu com um sorriso caloroso.
— Bom dia, dona Marta! Como o Felipe está hoje? — perguntei, retribuindo o sorriso.
— Bom dia, Safira! Ele está ótimo, já acordou chamando por você. Vamos entrando, querida. — Dona Marta abriu caminho para mim, e entrei na sala acolhedora.
A cozinha de dona Marta era aconchegante, com o aroma de café fresco no ar e os raios de sol entrando pelas janelas, iluminando o ambiente. Felipe estava brincando no tapete colorido, totalmente imerso em suas próprias descobertas. Seus olhos azuis brilharam ao me ver entrar, e ele esticou os bracinhos em minha direção.
— Safi! — exclamou, usando seu apelido carinhoso para mim.
— Oi, meu príncipe! Que saudade é essa? — respondi, pegando ele no colo. Senti seu abraço apertado, o que me fez sorrir ainda mais.
Dona Marta saiu para continuar seus afazeres, confiante de que eu cuidaria bem de Felipe durante aquele período. Eu amava cuidar daquele garotinho.
— E então, Felipe, o que você gostaria de fazer hoje? — perguntei, vendo seus olhinhos brilharem com curiosidade.
Ele apontou para um conjunto de blocos coloridos empilhados num canto da sala. Sem hesitar, comecei a construir uma torre, enquanto ele observava atentamente. A cada peça que eu encaixava, Felipe batia palminhas animado.
— Mais alto, Safi! — pediu, gargalhando alto.
Segui suas instruções, empilhando os blocos com cuidado. Felipe aplaudiu com entusiasmo e, num movimento rápido, derrubou tudo com um único gesto, soltando uma gargalhada gostosa.
— Uau, Felipe! Você derrubou a torre com um superpoder? — perguntei, fingindo surpresa.
Ele assentiu, seus olhos brilhando de alegria. Passamos o restante da manhã alternando entre brincadeiras com blocos, onde construímos castelos e casinhas imaginárias, e sessões de leitura de seus livros favoritos.
Depois de brincar um pouco mais, fizemos um lanche leve e preparei seu mingau favorito. O cheiro doce do mingau encheu a cozinha, trazendo uma sensação de aconchego.
— Safira, vou comprar algumas coisas no mercado aqui perto. Cuida dele, está bem? — disse dona Marta, com um sorriso confiante.
— Pode deixar, dona Marta. Vou já dar a papinha dele. — respondi.
Felipe se sentou na cadeirinha de alimentação, animado com cada colherada.
— Você é incrível! — elogiei, fazendo cócegas em sua barriguinha. Ele gargalhou alto, enchendo a casa com sua risada melodiosa.
De repente, meu celular vibrou no bolso. Peguei o aparelho e vi o nome de Murilo na tela. Um nó se formou no meu estômago, e meu coração acelerou instantaneamente.
— Meu Deus. — suspirei baixinho, tentando manter a calma.
Felipe olhou para mim com curiosidade, seus olhinhos azuis brilhando, sem entender a tensão repentina no ar. Forcei um sorriso para ele.
— Vou atender rapidinho, tá? — falei, mais para mim mesma do que para Felipe, enquanto deslizava o dedo sobre a tela para aceitar a ligação.
— Alô? — minha voz saiu um pouco trêmula.
— Até que enfim. — A voz de Murilo soou do outro lado da linha, séria e firme como de costume. — Onde você tá?
Engoli em seco.
— Ah, no cursinho, Murilo. Eu disse que tinha aula hoje de manhã. — Menti, tentando manter a voz estável. — Não vi suas mensagens, nem peguei no celular.
— Ah, é? — Murilo cortou a tentativa de justificativa. — Eu te conheço bem até demais para saber quando você está mentindo, sabia disso?
Eu gelei.
Um silêncio tenso se seguiu do outro lado da linha. Senti um frio na barriga enquanto tentava esconder o tremor na minha voz. Murilo não era alguém que se deixava enganar facilmente, e eu sabia que ele estava avaliando cada palavra minha.
Ele podia sentir a mentira no tom da minha voz, eu sabia disso.
— Manda o endereço. Hoje eu vou te buscar. — A ordem veio de forma direta e incontestável.
Senti o peso das palavras, o tipo de comando que não admite resistência. Meu coração acelerou, e eu tentei manter a calma, mas a tensão em minha voz traiu meu nervosismo.
— Murilo, eu... — Comecei a argumentar, mas ele não me deixou terminar.
— Não me faz repetir. — Sua voz se tornou mais fria, quase ameaçadora.
Meu coração martelava dentro do peito. Sabia que era inútil tentar argumentar, ele era implacável quando queria algo, e naquele momento, ele queria me encontrar.
— Murilo, eu... não é necessário. Posso voltar sozinha mais tarde. — Tentei argumentar, mas minhas palavras morreram antes mesmo de serem completadas.
— Endereço, Safira. Agora. — Sua voz era firme, não havia espaço para discussão. — Se você não me passar agora, pode ter certeza de que vai ser pior para você.
Meu estômago se revirou com a ameaça implícita. Ele não estava apenas pedindo, estava exigindo.
Olhei para Felipe, alheio ao turbilhão que se passava ao meu redor. Engoli em seco novamente, me sentindo acuada.
— Murilo, olha, o professor está chamando a minha atenção por estar interrompendo a aula. Preciso desligar. — Minha voz trêmula tentava manter a compostura. — Eu vou mandar o endereço por mensagem, quando a aula acabar. Eu prometo.
Aquela era mais uma mentira.
Sem esperar por uma resposta, desliguei o telefone abruptamente, interrompendo qualquer chance dele insistir.
Meu corpo tremia levemente, e a preocupação com o que poderia acontecer se ele descobrisse a verdade martelava incessantemente em minha mente. Olhei ao redor, tentando recuperar a calma enquanto o silêncio do lado de lá da linha ecoava em meus ouvidos. O peso da mentira pesava em meu peito.
Felipe, com seu sorriso inocente, continuava brincando, alheio ao turbilhão de emoções que eu enfrentava.
— Eu estou ferrada. Totalmente ferrada. — murmurei para mim mesma.
Eu sabia que as repercussões daquela conversa com Murilo ainda estavam por vir. Ele não iria simplesmente aceitar as minhas desculpas. Felipe olhou para mim com seus grandes olhos azuis, curioso e inocente.
— Safi? — perguntou, sua vozinha doce cortando o silêncio tenso.
Forcei um sorriso para ele, lutando para manter as aparências.
— Tudo bem, meu amor. Só... um probleminha que vou resolver. Vamos continuar com o mingauzinho, tá bom? — sugeri, tentando afastar os pensamentos sombrios que me assombravam.
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Aprisionada pelo Dono do Morro [Série Donos do Morro #2]
RomanceSafira cresceu na favela e nunca teve uma vida fácil. Ela fazia de tudo para ignorar aquela parte tão violenta do que era morar ali. Com a morte recente dos pais, Safira se vê sem rumo na vida. Do outro lado, Murilo, também conhecido com Marreta, er...