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Vitória Almeida

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Vitória Almeida

Minha respiração ainda se descompassa enquanto seguro minha casquinha, pensando no que aconteceu há pouco. Maju corre para o carro, quase derrubando a casquinha do sorvete, mesmo com nossos protestos. Ela volta a enfiar a colher e lamber tudo o que escorre, se sujando como nunca. Paro em frente ao carro, avisando-a que precisamos terminar nossas sobremesas antes de ir embora. Richard está equilibrando duas pelúcias sob o braço quando me encara ao me ver apoiar as costas na lataria.

O coala é meu e o urso enorme é da Maju e está quase caindo no chão, mas ele está ocupado demais com o sorvete de chocolate para se importar. Maju deita a cabeça no meu quadril e tomamos nossos sorvetes em silêncio. O sol está se pondo e Richard inverte o
boné, parecendo demais o garoto por quem me apaixonei. Opto por voltar o olhar pro sorvete, mas admirar Richard Ríos é uma tentação forte demais. Sei disso há cinco anos, porque mesmo quando o odiava, eu me pegava analisando sua cara nas fotos.

Sorrio e escuto Maju rir baixinho, provavelmente percebendo o mesmo que eu. Tem um bigode de chocolate em Richard.

— Tá sujo, papai! — ela diz, apontando.

— Onde? — Ele não limpa certo.

— Espera… — Involuntariamente me aproximo, roçando o polegar na
mancha marrom em sua pele e... Finalmente me dou conta do que fiz.

Richard trava, perto demais. Perto pra caralho. Meu olhar cai em sua boca, o seu escorrega lentamente por todo meu
rosto antes de cair sobre meus lábios. Nossas respirações ecoam, baixinho.
E eu só consigo pensar que poderia muito beijá-lo. Poderia mesmo.

— Precisamos ir — ele sussurra, parecendo odiar isso.

Por algum motivo, me vejo frustrada. Muito frustrada. Mesmo sabendo
que esse espaço pode ser o melhor. Principalmente porque o dia de hoje é
sobre Maju.

— Sim — murmuro. Viro e vejo ela com a boca completamente suja, boquiaberta, olhando para nós dois.

Richard também para e assiste o mesmo.
O sorvete da garota até caiu no chão.

— Florzinha ?

— Vocês iam se beijar!

— Ai… Meu… Deus — murmuro, descartando minha casquinha numa
lixeira.

Richard faz o mesmo e abre a porta do carro para mim, antes de cuidar da Maju.

— Pra dentro, gatinha!

Meu coração está em disparada. E ele não volta ao normal até que

estejamos em casa. Maju dormiu na volta pra casa. Richard a carregou para dentro e eu o deixei colocá-la na cama. Quando a vi admirando a criança, dormindo, desisti de acordá-la para tomar banho. Ela está muito exausta, e Richard parece paralisado demais. Tanto que quando opto por deixá-los sozinhos, ele nem percebe.

Encho um copo de água na cozinha, observando os ursinhos de pelúcia jogados no sofá.

— Vou te ajudar papai.

Escuto e travo. É a voz da Maju. Ela não estava dormindo? Me aproximo do quarto, perto da cozinha, sendo a mesma fofoqueira de sempre.

— Ajudar no que? — Richard pergunta.

— Para de se fazer de bobo, bocó. Você ama a mamãe. Vou ajudar você.

Espero que negue. Espero mesmo. Mas então ele diz:

— E por que acha que vai conseguir me ajudar?

— Porque ninguém conhece a mami como eu.

— E porque quer me ajudar?

— Porque a Laura, na minha escola, disse que os papais dela eram separados, mas voltaram, porque o pai dela falou que quando você olha pra alguém com os olhinhos brilhando, você não pode deixá-la ir. — Ela para por um momento. — Como que ela disse mesmo? “Onde tem amor, tem chances.”

— A Laura tem quatro anos?

— Seis. Mas o papai dela é poeta e escreveu isso.

Onde tem amor, tem chances. Isso reverbera na minha cabeça por tempo demais.

— Mami gosta de azul. As flores preferidas dela são girassóis, ela gosta de filmes românticos, e tomar banho de chuva como se fosse uma criança.

Escuto um bocejo.

— Eu sei disso tudo, gatinha.

— Sabe?

— Sei, agora dorme, ok? Boa noite, filha.

Escuto um beijo e meu coração esquenta, de um jeito bom.

— Boa noite, papai.

Me afasto, tensa. Richard sai do quarto e sorri para mim, apontando para a
porta.

— Acho melhor eu ir, certo?

De longe, segurando o copo de água como se minha vida dependesse disso, confirmo. Penso no que dizer, quando nenhum de nós se move por tempo demais. Mas o que ouvi no quarto e todas as horas do dia de hoje… Não consigo pensar direito. Ele caminha para a porta e eu odeio não saber o que dizer. Odeio que me sinto mal em vê-lo partir, mesmo tendo a certeza de que vai estar aqui no dia seguinte.

Me aproximo, abrindo a porta para ele. Richard sai, de cabeça baixa, mas se
vira para mim.

— Boa noite, linda.

— Espera… — O chamo quando desce os degraus. E ele me encara em expectativa e meu coração dispara. — Foi um dia especial pra mim também.

O sorriso lento que se alastra pelo seu rosto aquece tudo sob a minha
pele.

— Bom saber, Vitória, bom saber.

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