Capítulo 35

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Capítulo trinta e cinco: Verdades Ocultas
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Narrador personagem: Gabriel Duarte (GD)
~ Complexo do Alemão, segundos-feira, 19:40

Verena entrou na salinha com aquele jeito que ela sempre tem, a postura ereta, o queixo levantado, como se estivesse pronta para me desafiar a qualquer momento. Ninguém naquela favela se atrevia a me olhar como ela olhava, com um misto de desprezo e raiva contida. Mas Verena era diferente. Ela sabia das coisas, sabia como eu funcionava, mas o que ela não entendia é que eu também sabia dela.

Fabinho fechou a porta, nos deixando a sós. Não havia necessidade de falar muito. A tensão que ela trazia com ela já era suficiente para encher a sala. Verena sempre teve essa habilidade de transformar qualquer espaço num campo de batalha silencioso, sem que uma única palavra fosse dita. Eu a encarei, de pé, observando cada movimento, cada respiração.

Ela não se intimidava.

Verena: O que você quer?

Direta. Sem rodeios. Era sempre assim com ela agora. Não tinha paciência para meus joguinhos. O problema era que, com Verena, as coisas nunca eram simples. Ela queria respostas, mas não estava pronta para o que eu tinha para dizer. E, nesse momento, o que eu precisava dela era muito mais do que respostas. Precisava entender até onde ela estava disposta a ir.

GD: Conversar. Senta aí.

Ela hesitou, mas acabou sentando, de braços cruzados. Aquele olhar desafiador ainda no rosto, como se eu fosse o culpado de todas as merdas que tinham acontecido com ela. E talvez eu fosse. Pelo menos em parte.

Verena: Achei que não quisesse nem me ver aqui.

GD: E não quero.

Ela ergueu uma sobrancelha, surpresa com a minha honestidade. Não era segredo que nossas interações estavam cada vez mais tensas. O morro inteiro sabia. Mas havia algo que eu precisava entender antes que a situação saísse ainda mais do controle.

Verena: Então...

Ela estava impaciente. Já estava acostumada a ser vigiada, controlada, mas isso não significava que aceitava. Só que hoje, o que eu queria ia além do nosso drama habitual. Precisava cavar mais fundo.

GD: Eu quero saber tudo sobre o dia que seus avós foram assassinados.

A mudança no clima foi instantânea. Vi nos olhos dela que toquei numa ferida que ainda estava aberta, queimar ali na superfície. Ela endureceu a expressão, mas não rápido o suficiente para esconder o que sentia. A dor, a raiva, tudo isso ainda pulsava nela. Era o combustível que a mantinha de pé.

Verena: Tudo que eu tinha pra falar, já falei.

Ela mentia. Eu sabia disso. Sabia que havia mais ali. As palavras dela eram uma barreira, uma tentativa de me manter afastado. Mas eu não ia recuar agora.

GD: Você não vai sair daqui até me falar.

Ela me olhou com aquela fúria controlada, os olhos faiscando. Queria me intimidar, me fazer acreditar que não tinha medo, que estava no controle. Mas nós dois sabíamos que não era bem assim.

Verena: Não te devo nada. Não estou mais na sua casa.

GD: Mas está no meu morro.

Ela riu. Uma risada amarga, quase zombeteira. Sabia que eu tinha poder ali, que tudo o que acontecia naquele pedaço de terra passava por mim. Mas Verena, como sempre, gostava de testar os limites.

Verena: Seu?

Eu me aproximei, devagar, sem pressa. Cada passo que eu dava, via os músculos dela tensionarem um pouco mais. Ela sabia que eu estava falando sério, mas ainda assim, teimava.

GD: Não me faça perder a paciência.

Ela endureceu o olhar, mas eu senti que a armadura dela estava começando a rachar. Verena sempre foi difícil de lidar, mas eu sabia que, em algum momento, ela cederia. Todos cedem.

Verena: Eu não ia te falar, mas quero que saiba que eu sei que mandou o Breno ficar na minha cola.

Aí estava. O movimento que eu esperava. Ela soltou a informação como se fosse uma bomba, achando que ia me pegar de surpresa. Era esperta demais para não perceber que estava sendo vigiada.

Verena: GD, eu não sou a menina inocente que você conheceu.

Havia um tom de desafio na voz dela que me fez parar por um segundo. Não era só a Verena de sempre. Havia uma nova ferocidade ali. Ela não estava mais disposta a aceitar as coisas do jeito que eram. A dor dos avós mortos, a sensação de estar cercada de inimigos...

Verena: Não confio em você e não ache que eu não te ache suspeito, porque eu acho. Então, melhor não ficar de gracinha pro meu lado. Tiraram a única coisa que eu amava. Eu não vou me arrepender em matar alguém, caso seja preciso.

Eu sorri, mas não era um sorriso de alegria. Era o sorriso de quem sabe que está lidando com alguém imprevisível. Verena estava na beira do precipício, e eu sabia que, se empurrada, ela pularia sem hesitar. O problema era que eu também estava nesse mesmo limite. E, mais cedo ou mais tarde, algo teria que ceder.

Eu me aproximei ainda mais, parando a poucos centímetros dela. O silêncio entre nós pesava. Eu queria que ela entendesse que, por mais que ela soubesse, havia muito mais em jogo do que ela imaginava.

GD: Eu entendo que você me ache suspeito. E não vou te dizer que não tem motivo. Mas acredite, Verena, se eu quisesse que você soubesse a verdade, você já saberia.

Ela me encarou, os olhos queimando de perguntas não feitas, mas sabia que não ia me arrancar nada. Não sem que eu quisesse. Verena sempre pensou que estava jogando o mesmo jogo que eu, mas a verdade era que ela mal conhecia as regras.

GD: Só que aqui, no meu morro, no nosso mundo, quem fala demais sem saber a história toda... acaba caindo antes de entender o que aconteceu de verdade.

Ela se levantou, os punhos cerrados ao lado do corpo, como se estivesse segurando a vontade de me socar ali mesmo. Eu quase ri com o pensamento. Verena era assim: cheia de raiva e, ao mesmo tempo, tão frágil. Mas eu não podia subestimá-la. Não mais.

Verena: Não subestime o que eu sei, GD. Porque quando eu descobrir tudo, eu não vou hesitar.

Com isso, ela saiu da sala, batendo a porta. Eu fiquei ali, sozinho, encarando o espaço vazio que ela deixou. Verena estava mudada, mais perigosa, mais determinada. Eu sabia que o que ela descobrisse não seria bonito. E, de alguma forma, nós dois estávamos correndo para ver quem alcançaria a verdade primeiro.

A questão era: o que ela faria quando soubesse de tudo? E mais importante, o que eu estaria disposto a fazer para manter certos segredos enterrados?

Amor ou MoralOnde histórias criam vida. Descubra agora