Chapter 32

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A casa estava completamente silenciosa. Eu descia as escadas devagar, tomando cuidado para não fazer barulho; afinal, todo mundo já devia estar dormindo. Na cozinha, comecei a preparar meu mingau de chocolate — algo que sempre fazia quando queria me acalmar. Vestia um shorts de moletom cinza e uma regata preta, com meias brancas, e sentia ainda o calor do banho recente nos meus cabelos úmidos. Era como se o ritual noturno, entre o chocolate quente e o silêncio, fosse capaz de aliviar um pouco os pensamentos que vinham me rondando.

Enquanto mexia o mingau na panela, me pegava, inevitavelmente, pensando em Nicholas. Sua imagem se enfiava em cada espaço livre da minha mente, aparecendo sem permissão. Suspirei, um pouco frustrada. Por que ele simplesmente não saía da minha cabeça? Mesmo com essa distância que tentei impor, tudo em mim parecia ser atraído por ele.

"Será que ele percebeu que estou tentando me afastar?" me perguntei, enquanto o misturador fazia círculos preguiçosos no mingau espesso. Eu me lembrava do sorriso dele, da maneira como ele me olhava às vezes, como se quisesse entender algo que nem eu mesma conseguia explicar. Era impossível ignorar esses detalhes; eles me acompanhavam em cada instante.

Quando desliguei o fogo e passei o mingau para uma caneca, senti um peso diferente no peito. Tomei o primeiro gole, deixando o sabor doce e quente do chocolate me envolver, tentando me convencer de que eu podia simplesmente ignorar tudo aquilo. Mas meu coração acelerava só de pensar nele, e um pensamento passou pela minha mente: E se eu contasse tudo o que sinto?

Suspirei novamente, espantando a ideia. Não. Isso só traria confusão, e o que eu mais queria agora era paz.

Enquanto tomava mais um gole e me deixava levar pelo silêncio, ouvi um som de passos no corredor. Fiquei paralisada, segurando a caneca e torcendo para que ninguém entrasse e visse a bagunça dos meus pensamentos estampada na minha cara.

Segurei a caneca firme e respirei fundo, tentando me recompor antes que alguém aparecesse. Com o som dos passos se aproximando, minha esperança de ficar sozinha se dissipava rapidamente. Quando ergui o olhar, lá estava ele — Nicholas, parado na entrada da cozinha, olhando para mim com uma expressão de leve surpresa, como se também não esperasse encontrar alguém ali.

— Você também não consegue dormir? — Ele perguntou, a voz baixa, quase em um sussurro.

Assenti, tentando parecer indiferente.

— Só fiquei com vontade de algo doce, sabe? — Respondi, dando de ombros e tomando um gole do mingau. — Achei que estava todo mundo dormindo.

Nicholas sorriu de leve, um sorriso que carregava uma pitada de curiosidade.

— Pelo visto, tivemos a mesma ideia — Disse, caminhando até o balcão e pegando uma maçã da fruteira. — Você estava pensando em alguma coisa enquanto preparava isso, não é? Estava com uma expressão bem concentrada.

Senti meu rosto esquentar. Ele tinha percebido.

— Acho que é o silêncio da noite — Murmurei, tentando desviar. — Às vezes faz a gente pensar demais.

Ele assentiu, olhando para a maçã em suas mãos, mas logo voltou a me encarar, os olhos intensos.

— Olha, Olivia, eu... eu percebi que você andou meio distante essa semana. — Nicholas hesitou, como se estivesse escolhendo as palavras. — Aconteceu alguma coisa? Fiz algo que te chateou?

Engoli em seco, meu coração batendo mais rápido. Queria dizer que não, que estava tudo bem, mas as palavras não saíam. Como explicar o que eu sentia sem abrir demais o que estava tentando esconder?

— Não... você não fez nada — Respondi, forçando um sorriso. — Acho que estou só... na minha. Não é nada, de verdade.

Mas ele continuava me olhando com uma preocupação que fazia meu estômago revirar. Antes que ele pudesse insistir mais, mudei de assunto, tentando soar casual:

— Quer um pouco? — Ofereci, levantando a caneca de mingau.

Ele sorriu, talvez entendendo que eu estava desviando do assunto, mas aceitou.

— Claro, por que não? — Ele pegou a caneca, deu um gole e arregalou os olhos, claramente impressionado. — Está incrível, como sempre. Como você faz para tudo que cozinha ficar assim... perfeito?

Sorri, me sentindo um pouco mais à vontade.

— Acho que é o toque do sono perdido — Brinquei, e ele riu, um som baixo que parecia preencher a cozinha silenciosa.

Por um instante, deixei o momento durar, aproveitando a companhia dele ali, sob a luz baixa e o clima tranquilo. Era o que eu queria para aquela noite — apenas um instante onde eu pudesse esquecer todas as dúvidas e o que meu coração tanto insistia em sentir.

Nicholas devolveu a caneca e cruzou os braços, apoiando-se no balcão enquanto me observava. Aquilo me deixava nervosa de um jeito que eu tentava esconder.

— Sabe, já são algumas noites em que acordo e vejo a luz da cozinha acesa — Ele disse, com um tom suave. — Você sempre prepara algo doce quando não consegue dormir?

Dei um sorriso, tentando disfarçar o nervosismo.

— Quase sempre — Respondi, dando de ombros. — Parece que ajuda, sabe? Além disso, é mais gostoso do que contar carneirinhos.

Ele riu, e aquele som reverberou pela cozinha, me fazendo sorrir junto. O riso dele era como um lembrete de que, por mais confusos que fossem meus sentimentos, eu ainda gostava de tê-lo por perto.

— Engraçado, eu sempre achava que você era do tipo que lia um livro ou fazia qualquer outra coisa menos... doce. — Nicholas riu de leve, e depois ficou em silêncio, parecendo procurar algo para dizer.

Me senti um pouco mais confortável e resolvi puxar outro assunto.

— E você? O que faz quando não consegue dormir? — perguntei, genuinamente curiosa.

Ele hesitou por um segundo antes de responder.

— Normalmente, eu coloco um filme antigo pra rodar. É meio nostálgico, sabe? Algo que eu fazia quando era criança. — Ele sorriu de canto, como se se lembrasse de uma época mais simples. — Minha mãe sempre aparecia no meio do filme e me mandava dormir, mas... depois que cresci, meio que virou um hábito.

Eu ri, imaginando aquela cena. Nicholas, pequeno, enrolado numa coberta enquanto assistia um filme qualquer na sala de casa.

— E você ainda assiste os mesmos filmes? — Perguntei.

— Às vezes — Ele disse, com um brilho nos olhos. — Acho que as melhores coisas são as que a gente nunca enjoa de ver. — Ele me olhou de um jeito meio intenso, e por um momento, o ar pareceu ficar um pouco mais pesado entre nós.

Desviei o olhar, mexendo na caneca para esconder o quanto aquele silêncio estava me afetando.

— Bom, espero que esse mingau faça você dormir melhor — Comentei, tentando soar casual.

Nicholas deu uma risada baixa.

— Aí é que está, Olivia. Eu nem sei mais se quero dormir ou continuar conversando. Tem sido... raro a gente conseguir um momento assim, sem ninguém por perto.

Seu comentário me pegou de surpresa, e, por um instante, meu coração acelerou. Mas balancei a cabeça, tentando me focar no momento presente e esquecer todos os meus sentimentos confusos.

— Acho que eu precisava disso também — Admiti, e sorri para ele.

Aquele era o tipo de noite que eu sabia que guardaria na memória por um bom tempo, uma pequena pausa entre a confusão dos sentimentos e a certeza de que, por mais que eu tentasse me afastar, Nicholas sempre acabava voltando a preencher meus pensamentos.

Além do laço de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora