Chapter 9

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Já era tarde da noite, passava das duas da madrugada. Eu estava afastada, observando de longe todos rindo e se divertindo. Era bom ver nossa família assim, unida, do jeito que sempre foi. A família do tio Thomas também era uma graça simpáticos e acolhedores. Cumprimentei alguns deles com abraços rápidos, mas agora todos estavam tão misturados que parecia que se conheciam há anos.

Tomei mais um gole da taça de espumante. Céus, nem sabia mais quantas vezes havia enchido a taça, mas o sabor era viciante.

Enquanto tentava me esconder no meio da festa, ouvi a voz. Aquela voz inconfundível. Nicholas estava ali. Virei-me devagar e dei de cara com ele. Os cabelos mais bagunçados o faziam parecer ainda mais bonito.

— Se escondendo?

— Minha bateria social já acabou — Brinquei, olhando a festa de longe, tentando parecer casual. As pessoas ainda riam e conversavam animadamente.

— A deles parece que vai longe ainda — Ele respondeu, se aproximando e parando ao meu lado.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, apenas observando o ambiente. Aquele silêncio, no entanto, não duraria muito.

— Gastronomia, então? — Ele perguntou de repente, como se quisesse preencher o vazio.

Era meio óbvio, não era? Mas respondi de forma mecânica:

— Sim... e você, ator?

— Acho que isso era óbvio — Ele disse com um sorriso nostálgico. — Eu ainda nem acredito que consegui, é tudo tão surreal.

— Você nasceu para isso. Sempre adorou os teatros.

— Dá pra acreditar? Nós realmente seguimos nossos sonhos. É loucura, mas aconteceu.

Eu sorri, relembrando os tempos em que falávamos sobre nossos futuros. Agora, estávamos vivendo aquilo que planejávamos.

— E como estão as coisas em São Marcos?

— Ótimas — Respondi. — Gosto de lá, apesar de ter odiado a mudança no início. Mas o lugar é incrível.

— Que bom, Olivia... — Nicholas fez uma pausa, e senti o peso em sua voz quando ele continuou: — Fico feliz por você. Mesmo depois de você ter sumido da minha vida do nada, me deixando pra trás, me fazendo pensar o que eu tinha feito de errado. Eu tentei, tentei entrar em contato como um louco, mas você simplesmente desapareceu.

O tom dele era amargo, ressentido.

— Nós crescemos, Nicholas. Tomamos caminhos diferentes — Disse, evitando olhar diretamente para ele.

— Isso não justifica o fato de você ter sumido por todos esses anos — Ele rebateu. — Todo esse tempo, Olivia.

— Nicholas, por favor... não quero falar sobre isso — Tentei encerrar o assunto, virando-me para sair, mas senti sua mão gentilmente bloqueando minha passagem.

Encarei seus olhos. Havia algo ali... uma necessidade de respostas.

— Vamos falar sobre isso, Olivia. Você me deve isso.

— Já disse tudo o que tinha que dizer. Seguimos rumos diferentes. Eu me mudei, você amadureceu... estava na faculdade, enquanto eu ainda estava no colégio. Nossas vidas se distanciaram. Não éramos mais as crianças que brincavam juntas. Nós crescemos. Tínhamos responsabilidades.

— E por isso você jogou fora nossa amizade? — Ele soava magoado, a voz levemente trêmula. — Você era minha melhor amiga, minha confidente, minha prima. A pessoa com quem eu podia contar pra tudo.

Aquela última palavra ficou suspensa no ar, e senti o peso de sua frustração. Eu também sentia falta do que tínhamos, mas como explicar? Como justificar?

— O que você quer que eu diga? — perguntei, a voz carregada de frustração. — Já falei tudo o que tinha que falar, expus todos os meus motivos.

Ele balançou a cabeça, claramente insatisfeito.

— Isso não parece verdadeiro, Olivia. Não parece realmente um motivo. Até onde eu me lembro, continuamos conversando por um ano depois da sua mudança.

— Se você não acredita que seja esse o real motivo, eu já não sei mais o que te dizer, não tenho mais como justificar tudo.

— Olha, você pode parar de falar comigo por quantos anos quiser — ele disse, a frustração evidente na voz —, mas eu sei quando você está mentindo, quando está distante e quando está escondendo alguma coisa. Eu te conheço como ninguém, Olivia, e sei que você está me ocultando algo.

— Talvez, Nicholas, você tenha me desconhecido — Respondi, a firmeza em minha voz crescendo. — Você não imagina o quanto eu mudei.

Ele ficou em silêncio por um momento, a confusão estampada em seu rosto. Eu podia ver as perguntas se formando em sua mente, mas eu não estava pronta para respondê-las. O peso de tudo que eu guardava era esmagador, e deixá-lo ali parado, sem entender nada, parecia ser a única opção que me restava.

Aquela distância entre nós, que um dia parecia tão pequena, agora se tornava um abismo. O olhar dele, uma mistura de dor e desespero, fez meu coração apertar. Como poderíamos encontrar um caminho de volta?

— Olivia... — Ele começou, mas as palavras não saíram. Eu podia ver que ele estava tentando entender, mas não sabia por onde começar.

— Às vezes, a mudança é necessária, Nicholas — Continuei, minha voz quase um sussurro. — Para mim, e para você.

E assim, deixei-o ali, com as perguntas sem respostas, buscando entender a nova realidade que agora compartilhávamos.

Procuro meus pais entre os familiares e, assim que os localizo, sigo em direção a eles.

— Vou subir, esse salto está me matando. Preciso de uma cama e um bom banho. — Minha mãe assente, um sorriso compreensivo nos lábios.

— Só se despede dos teus tios e primos antes. — Ela diz, a voz suave, mas firme.

Assinto, sentindo um peso no peito. Na despedida, faço o possível para ser breve, uma mistura de culpa e alívio me acompanhando. A discussão com Nicholas ainda ecoa em minha mente, drenando qualquer resquício de vontade que eu tinha de socializar, mesmo o pouco que restava.

Subo as escadas apressada e vou direto ao meu quarto. Ao me aproximar da porta, noto quatro malas empilhadas na frente do quarto do Nicholas. Um suspiro pesado escapa dos meus lábios enquanto abro a porta do meu quarto.

Dentro, separo um pijama confortável e sigo em direção ao banheiro no fundo do corredor. Ao me despir e sentir a água quente escorrendo pelo meu corpo, deixo que a pressão do dia se dissolva. Mas, mesmo sob o jato relaxante, a cena da conversa com Nicholas insiste em retornar à minha mente, em um ciclo incessante de lembranças e emoções.

Depois de um banho revigorante, escovo os dentes com um movimento automático, tentando afastar a confusão mental. Volto ao quarto, arrumo a cama rapidamente e apago as luzes. Coloco meu celular ao lado da escrivaninha, o brilho da tela apagado como meus pensamentos, e desligo o abajur. Fecho os olhos, exausta, desejando que o sono me envolva e me afaste desse turbilhão de sentimentos.

Além do laço de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora