Vestindo uma camisa amarela desbotada, e uma calça verde abacate, Naomi esperava por Cecília em um dos bancos da praça diante ao Ninho. Ainda estava um pouco em choque pelas coisas que acabou vendo no caminho até chegar ao local.
O peso de sua cota de malha não a incomodava mais, que mantinha escondida por debaixo de uma camisa preta fina, a faca continuava presa firme em sua cintura. A noite desceu no céu fazia poucas horas, mostrando um lado no mínimo peculiar da Cova para a jovem, que batia um dos pés na grama impaciente com a demora da outra.
A quantidade de pessoas na praça era muito menor do que fora no dia que chegou à cidade, o culpado provavelmente era o ataque mais recente. Não chegou a ver, e duvidava que ficaria chocada como Gabriel insistia, já viu coisas monstruosas em sua vida. Fez também.
Uma mulher baixa usando um sobretudo marrom veio em sua direção saindo de uma das ruas, uma touca escondia a cabeleira, que Naomi suspeitou ser loira. Cecília se sentou ao lado da outra.
— Por que está usando isso? — questionou Naomi olhando para frente.
— Diferente de você, as pessoas me conhecem, preciso manter a descrição. — Ajeitou uma mecha que escapou da touca. — Principalmente para onde vamos.
Naomi somente concordou, resolveu não falar que a companheira estava chamando a atenção mais do que um Corvo vestida daquele jeito.
— Gabriel iria adorar sua roupa!
— Por quê?
— Ele tem um estranho fascínio por sobretudos.
— Um homem de bom gosto, sabia que ia gostar dele.
— Falando nisso, onde está Mateus.
Cecília se inclina para trás do banco, e novamente a mesma mecha de cabelo loiro escapa da touca, mas desta vez ela não fez o menor esforço para escondê-la, a jovem somente fitava o céu noturno extremamente estrelado.
— Foi na frente — respondeu ainda fitando as estrelas. — Queria encontrar um jeito de entrar no bordel. O que foi?
Sem perceber, Naomi olhava para a outra com curiosidade. Reunindo coragem pergunta.
— É verdade a história que você falou antes?
— Qual?
— Que trabalhava na noite antes de virar um Corvo.
— Você é bem direta — respondeu Cecília, mas não ficou aborrecida, se ajeitando na cadeira. — Era puta sim.
— Então aquela sua amiga — compreendeu Naomi.
— Sim, trabalhávamos juntas, mas não era vida para mim não, achei melhor tentar ser um Corvo.
— Mas a idade mínima para ser um Corvo é dez anos — falou Naomi, entendo na hora que a vida de Cecília não foi nenhum pouco fácil, e somente piorou.
— Sim, tinha dez, a Sarah — Cecilia parou percebendo que falou o nome da amiga, mordendo os lábios continua. — Minha amiga, tentou também virar um Corvo, mas mudou de ideia um pouco antes de tentarmos ser recrutadas.
— Por quê? Não tem por que ter medo de ser um Corvo é uma vida dura e muitas vezes ingrata, mas tem piores.
— Ela tinha medo de ser assassina.
Naomi se calou no mesmo momento, não havia como argumentar com aquele fato. Analisou o que a outra disse, percebendo que a garota quis se tornar uma Corva por vontade própria, o que era pouco comum, em geral orfanatos dirigidos pelo Bunker forneciam as crianças que não foram adotadas ou com alguma aptidão para esse destino, tinha os casos igual ao de Gabriel também, que a família vendia um filho por necessidade de alimentar outro.
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Corvos
Science FictionA Terceira Guerra dos Antigos fez a humanidade perder toda a glória, obrigando os sobreviventes a se esconderem no Bunker. Setecentos anos passaram desde o acontecimento, e para manter a ordem o grupo armado Corvos foi criado.