Sombras do mundo velho

16.7K 1.3K 214
                                    

Para começo de conversa, ficar perdida em um lugar que mais parecia um lugar de trituração, era assustador e nojento, do que apenas assustador.
Ok, eu não estava completamente perdida. Vamos, eu andava vários corredores escuros, com lâmpadas que eu tentava acender, mas tudo que faziam, era apenas piscar ou falhar, cegando meus olhos.
Virei uma nova entrada, na esperança de ver a chave jogada no chão. Nada. Era apenas uma cela escura, os portões de ferro apodrecidos e enferrujados.
Bati o pé de frustração. Poxa, não parecia tão grande por fora...
Eu ia me virar, quando eu ouvi um tipo de ferro raspando no chão. Gelei. Tinha a impressão de que alguém abria a porta de alguma cela.
Com um grunhido de medo, me virei lentamente para o corredor de celas a meia luz.
Todos os portões estavam trancados tirando o que eu tinha acabado de abrir. Com a respiração acelerada, me virei para o lado, dura de medo, e sai apressadamente pela passagem mal aberta do lugar.

¶Narrador¶
O que Sam não vira, é que a chave estava simplesmente jogada na última cela do corredor, onde os cacos salpicavam o chão preto.
Mas é claro que a garota não iria se permitir ir até o fim do corredor. Julgava poder morrer antes disso.
A garota não sabia também, mas talvez, saísse bem tarde dali.

¶Logan¶

- Dá um tempo, apenas. - Ela pediu, arrumando os cabelos castanhos. Franzi os lábios.
- A culpa é minha, eu sei - Respondi, enfiando as mãos nos bolsos - Eu só queria me redimir, mas seria um pouco difícil, já que eu fui burro o bastante para confiar na Caroline. - Dei de ombros e suspirei.
Lolla sorriu e deu um tapa no meu ombro.
- Vocês dois são tão trouxas, tanto juntos quanto separados. Tenho certeza que ela vai voltar a ser sua amiga. - Riu. Fiz uma careta.
- Você sabe muito bem que não quero só isso, mas parece que cada vez mais, eu pioro as... - Parei, interrompido por uma tosse - Coisas... - Completei, tossindo de novo.
A garota me encarou.
- E esse problema de saúde, hen? Quando vai parar?
- Não sei. Eu simplesmente fui obrigado a me drogar. Irônico, não? Droguei a mim mesmo. - Resmunguei.

- Não foi sua culpa também. De toda a história, você é o menos culpado.

- Não é isso que minha consciência diz.

- Sua consciência serve para te condenar. Não está na hora de parar de dar crédito para essa condenação, e tentar esquecer o que aconteceu?

- Esquecer? Ah, claro. Como se fosse muito fácil esquecer eu estuprando uma criança, ou eu ameaçando bater na minha mãe, ou...

- Tá, tá! Não precisa mais falar, entendi. - Ela disse, cruzando os braços e trincando os dentes, pregando os olhos no chão.

Deixei os braços caírem ao redor do corpo. Era sempre assim. Eu ficava irritado, e afastava quem queria me ajudar. E quem mais iria querer? Minha mãe, no hospital. A Sam, não quer nem ouvir meu nome. Não conheço Arya nem Doug direito. Luke e Lolla são os únicos que talvez queiram me ajudar.

- Desculpe. - Sussurrei - Eu fico descontando minha raiva em outras pessoas. Desculpe - Repeti. Lolla ergueu os olhos lentamente para mim, como se achasse impossível eu ter me desculpado, e ter dado a razão a ela.
Hesitou um pouco em responder.

- Olha, Logan... Você precisa conciliar as idéias, cara - Riu. Eu abri um sorriso relutante aos poucos. - Vamos, não é tão ruim viver, não é? Ou será que, ficar possuído por um demônio, tirou sua vontade de respirar?

- Não é nem isso... - Ri - É que agora está tudo estranho. Tudo mesmo. Parece que nada é como antes. Muita coisa mudou. Meu aniversário passou, e eu não lembro de quase nada do que aconteceu nele. Mas lembro que estavam falando dele no dia seguinte. Então é estranho. Você fez, mas não lembra de quase nada do que fez. Esteve inconsciente.

- Eu sei. Bem, no seu aniversário... É, aconteceu uma coisa sim. - Falou baixinho. Virei para ela.

- Tipo o que?

- Ah... Hã... Você lembra de uma Vitória?

- Não. - Bufei.

- Bom, não sei se era Vitória, não lembro o nome dela direito - A garota palpitou. - O que interessa, é que vocês andavam juntos para lá e para cá. Quer dizer, vocês não, ela e o fantasma que estava em você. No dia do seu aniversário, essa garota morreu. - Terminou, olhando para o céu, bem quando uma borboleta pousou em sua cabeça.

Mas eu não estava prestando atenção no inseto, para sorrir.

- O que?! - Perguntei, arregalando os olhos. Lolla ergueu as mãos e balançou a cabeça.

- Eu sabia que você ia agir assim. Mas olha, já passou. - Ela espantou a borboleta. - Não precisa se sentir culpado agora. Oras, não é sua culpa - Sorriu um pouco.

Suspirei, e olhei para lençol cinzento que se entendia sobre a cidade, denunciando o começo da noite e o fim da tarde.

Assenti lentamente, e puxei minha mochila, balbuciando um "Tchau, vou visitar minha mãe", e me distanciando, ouvindo a garota se despedir alegremente.

¶Sombras do mundo velho¶

Fogo.
Tenho que por fogo ali.
Me pediram para eu por fogo ali.
Eu vou por fogo ali.
Olhei pela a janela, abrindo uma fresta de cortina e examinando a casa da frente.
Eu ia incendiar aquela casa. Iria matar aquelas pessoas. Com sorte, tudo sairia de acordo como me foi mandado.
Fechei a cara, saindo da janela e cerrando meus dedos em volta dos fósforos que eu tinha em minhas mãos.
A sala escura era minha guardiã. Por mais que eu gostasse daquela criança... Por mais que eu tenha a segurado no colo quando ela nasceu, eu ainda tinha minhas ambições e meus desejos de melhorar minha vida e minha familia. Era dinheiro que estava envolvido ali.
"Você vai destruir uma familia para cuidar da sua..." - Eu ouvi aquela voz de novo.
Rosnei. Sim, eu ia. Eu ia matar e ia fazer pessoas e criança chorarem, mas se esse for o preço de uma vida melhor, eu não vou medir complicações.
Me debrucei sobre a janela de novo. A garota saia da casa para a escola. Atrasada, de fato.
Rapidamente, agarrei a máquina fotográfica e tirei a última foto dela.
A imprimi sobre a máquina, e examinei a foto. A mãe dela olhava pela vidraça da janela, eu sei. Ela estava com medo. Ela sabia.
Bufei e fiz um circulo em vermelho sobre a casa.
Hoje eu causaria um incêndio.


Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora