Grandes problemas?

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°Sam

Eu andava do lado de Phillipe apressadamente, em silêncio. Algo mudou no tempo, começava uma chuva fina. O rapaz do meu lado não pareceu ligar, com a blusa que estava. Mas eu, com o vestido já rasgado na barra, não podia muito bem me safar do frio que se formava.
- Hey, o que aconteceu lá dentro, realmente? - Eu o ouvi perguntar. Eu não respondi de imediato, continuando a andar. Não tinha tempo para conversas esclarecedoras.
- Você acredita em fantasmas? - Devolvi com outra pergunta, sem o olhar. Ele deu de ombros.
- Mais ou menos. Nunca vi um, por que? - Falou, por fim. Eu suspirei, cruzando os braços e atravessando a rua, vendo os pingos de chuva molharem o chão negro à minha frente.
- Porque eles existem. - Devolvi - E isso tudo, foi feito por eles. - Expliquei. Ele relutou um pouco.
- Você ta de brincadeira, né? Quer dizer então que... O seu amigo lá foi lançado com aquela força, por um fantasma?! Como?! - Eu parei, bufando, me virando para ele.
- Eu não sei como! Alguma coisa ou alguém está os tornando mais fortes, exatamente para fazer coisa pior do que apenas jogar alguém por uma janela! - Minha voz soava irritadiça, fazendo ele parar também, me olhando e piscando por alguns segundos.
Revirei os olhos, me voltando para frente. Qualquer um ficaria irritado ou nervoso na minha situação.
Ouvi os passos dele voltarem a me seguir.
- E onde estão seus pais? - Eu notava o sotaque americano em sua voz, tentando falar em português. Eu conseguia entender, de qualquer forma.
Oras, que intolerância. Ninguém antes havia feito aquela pergunta, todos já sabiam. Eu nunca tive medo de responder. Por que agora me doía a voz?
O vi desviar os olhos, como se arrependesse de ter feito tal pergunta. Eu deixei os ombros caírem, balançando a cabeça de leve em seguida.
- Eu sou órfã. - Respondi. Seria tortura dizer que eles estavam mortos. Por favor, já tinha muita morte ao meu redor. Aquela palavra parecia presente todos os dias. De todos, não importa.
Ele segurou um pouco a resposta que provavelmente queria dar. Aquele irritante "Oh! Sinto muito!"
Então percebi que ele apenas se limitou em concordar com a cabeça. Parecia escolher as palavras, mas sabia que tudo que dissesse naquele momento sobre aquele assunto, me faria me distanciar ainda mais.
- Bem, então... um dia poderemos conversar melhor. - Sorriu um pouco - Um dia que não estamos indo salvar a pátria em uma escola assombrada. Ou um dia sem coisas ruins. - Falou. Eu suspirei, erguendo os olhos, apertando mais o passo.
- Talvez esse dia nunca chegue. - Devolvi. - Coisas ruins sempre estão aqui. Todos os dias. - Arrumei de leve a barra do vestido, voltando a cruzar os braços em seguida. Ele não respondeu.
Eu já via a escola mais à frente. Não era longe da casa de Phillipe, talvez fosse por isso que levamos o Logan para lá. Era o lugar mais próximo. E sinceramente, ve-lo daquele jeito estava me deixando ainda mais nervosa do que antes.
- O que vamos fazer aqui? Estava cheio de fantasmas algum tempo antes... e se tiver ainda? - Ele quebrou o quase silêncio que era preenchido com o barulho fino da chuva sobre o chão.
Eu deixei escapar um riso de deboche.
- Sempre haverá fantasmas, Phillipe. Não importa onde. Não importa quando. Fantasmas da sua cabeça. Sua sombra. Sua mente. Fantasmas de todo o tipo. Sempre. Vão. Estar. Lá. E vão te lembrar o tempo todo de como você é um inútil, vão te lembrar o tempo todo de como você não consegue levar uma vida normal. Vão rir de você, e você vai ae sentir um lixo - Não parei de falar enquanto andava, com os olhos pregados na escola - E então você vai procurar alguma luz. Mas as únicas luzes que tinha... seu próprio fantasma apagou. - Apertei as mãos em meus braços. Não ouvi respostas, novamente. Apenas seus passos relutantes me seguindo. Eu sentia seu olhar em mim, como se, de alguma forma, quisesse saber de onde saía tanto rancor de tudo. Mas é claro, aquele motivo estava enterrado à palmos do solo. Ninguém saberia. Eu não tocaria no assunto. Se um dia eu tivesse que tocar, talvez eu não pudesse mais esconder meus olhos tristonhos e cansados. 
- Por que agora está parecendo uma simples noite normal? - Eu o ouvi perguntar, com voz confusa. Era verdade, a rua estava deserta.
Paramos vagamente em frente a escola. A porta da frente agora estava aberta.
O corredor à frente da porta deixava à mostra o terror ali. Havia rastros de sangue pelo chão, como se alguém muito ferido tivesse tentado sair.
Ao longo do corredor, corpos em meio ao sangue. A luz ainda piscava nos corredores e nas janelas. E então não havia fantasmas. E então estava tudo parado. Tudo morto. Devorado pelas sombras.
- Normal? - Perguntei, baixinho. Phillipe se voltou para mim vagamente.
- Quando vim aqui, havia gritos. Altos e apavorados. Agora está tudo silencioso - Deu de ombros.
- Morto. - Corrigi, em um sopro.
As casas ao redor da escola estavam fechadas à sete chaves. A maioria abandonada. As janelas tampadas com madeiras e as portas meio caídas para os lados. Apenas algumas realmente pareciam estar habitadas, mas estas eram maiores e reformadas, provavelmente dificultaria qualquer audição de grito de socorro.
Ele pareceu que ia falar algo, mas parou e se retraiu rapidamente, me puxando para trás, atrás do muro da curva da rua, me fazendo franzir o cenho, tentando me soltar. Ele não deixou, e no momento que eu ia protestar, um carro de polícia irrompeu do outro lado.
Me deixei ser puxada ainda mais. Phillipe deixou eu apenas ficar olhando minimamente pelo lado do muro, vendo os policiais saindo da viatura e batendo a porta em seguida. Um segurava uma prancheta. A arma de cada um permanecia na cintura dos mesmos. Falavam coisas que eu não entendia muito bem, pela distância e pela má habilidade de entender o que eles falavam em inglês, sendo algo rápido.
Seguiram para as escadas da escola, cautelosamente. Phillipe foi me soltando aos poucos, mas não movi. Eu sabia o porque de ele ter me puxado. A polícia provavelmente nos associaria ao caso, e nos colocaria como testemunha. E o que menos preciso na minha vida agora, é ser testemunha de um massacre.
Me afastei alguns passos a mais. Algum vizinho deve ter escutado, então. E chamou a polícia, mesmo que anonimamente.
Vi os policiais sumirem pela escola. Dois deles ficaram ali fora, enquanto nova viatura chegava. Suas sirenes de alerta rodavam aquela luz vermelha irritante, que quase me era traumático.
E onde estaria Agatha?! Pianista? Os fantasmas bons? Estavam bem? Saíram dali?
O corpo de Luke ainda permanecia lá dentro.
Engoli em seco, fazendo leve careta com a visão e as dúvidas. Nossos amigos estavam sendo diminuídos. Parte deles foram mutilados em uma escola, e pelo que eu podia entender, agora o mal rondava a cidade.
Apertei os lábios, me virando para Phillipe.
- Vamos embora. - Falei, baixo. Ele concordou, mesmo que relutante, me seguindo.
**
°Narrador

Polícias iam cercando a escola na noite que evoluía. As horas passavam, os corpos eram tirados aos poucos. Nem todos estavam reconhecíveis.
Os homens conversavam enquanto faziam o trabalho. Parecia natural, mais uma noite com cadáveres. Mas bem... em uma escola? Aquilo não era algo que eles viam todos os dias. Por certo, iriam apenas dizer "minhas condolências", para os pobres casais, pais ou responsáveis dos alunos mortos ali.
Eles não sabiam de fato se algum estudante saiu vivo. Eram muitos corpos, muitos pedaços de corpos, por todos os lugares. Algumas portas estavam destruídas, como se algo tivesse batidos nas mesmas.
De acordo com detetives e perícias também chamados no local, pareciam golpes de machado.
Quem quer que tivesse aprontado aquela algazarra, trabalhava muito bem. Pois não havia mais nenhum vestígio humano, alguma prova contra alguém que pudesse ter feito um massacre em uma escola.
Lógico, queridos polícias. Não são humanos. São demônios.
Mas é lógico, que com tantas pessoas céticas em relação a isso, não chegariam a esta conclusão.
Ah, Alyce, Alyce. Cheia de planos. A mais esperta das servas. O orgulho de sua mãe.

Imagine se as paredes pudessem falar... Quantas história elas não teriam para contar?

**
A chuva fina ainda continuava. A mulher com luvas brancas manchadas de sangue, subia as escadas da casa de Lolla. Mas sabia que Sam não estava ali.
Todos na casa, pareciam dormir tranquilamente. O cheiro de queimado ainda rondava ligeiramente a casa, causado pelo incêndio feito pelos raios.
Mas fora domado, felizmente.
Alyce sorriu, lambendo um dos dedos sujos de sangue, como se fosse o resto de uma refeição. A casa estava às escuras. Lee pairava atrás da mulher, com um sorriso largo e cheio de dentes podres. O machado permanecia em sua mão.
Ambos haviam entrado ali facilmente sem ninguém ouvir. É fácil quando se trabalha com o demônio. Nada é realmente um limite.
- Vejamos... - A mulher disse, com um meio sorriso nos lábios vermelhos pelo sangue. Ela tateou os dedos cobertos pela luva na primeira porta. Depois balançou a cabeça. Não, não era aquele o quarto de Lolla.
Continuou com passos leves, como assassinos prestes a matarem. Era quase a mesma coisa, afinal.
Parou no fim do corredor. A porta estava fechada, mas não trancada. Alyce sorriu, abrindo a maçaneta vagamente, entrando no quarto sem cortesias. Estendeu a mão para Lee, que lhe deu o machado, ostentando o sorriso cruel e doente nos lábios.
Lolla dormia em sua cam, quase que tranquilamente. Acontece que no meio daquilo, ninguém poderia estar tranquilo.
Com um puxão violento, a garota foi tirada da cama, arregalando os olhos com o jeito bruto de acordar, olhando para os lados, tentando raciocinar, se virando e vendo Alyce, sorrindo para a mesma com os olhos ensandecidos, erguendo o machado aos poucos, levando a outra mão aos lábios, os tapando com o dedo indicador, como se a mandasse ficar em total silêncio, ela tinha uma coisa que a poderia matar na hora, se quisesse. Automaticamente fez Lolla engolir o grito de horror que queria dar, se virando totalmente e tropeçando na cama, com os lábios entre abertos.
- Bom dia, Helena! - A mulher alargou o sorriso, e em uma fração de segundos, virou a parte do cabo do machado contra a cabeça da menina, antes que esta pudesse gritar, a fazendo cair no chão, já desacordada. Não a iria matar. Se Alyce quisesse a matar, teria somente enterrado a lâmina do machado em sua cabeça.
Não... Lolla só seria mais uma de suas parceiras.
De um jeito mais divertido.

**
°Sam

- Bem, se chamaram a polícia, eles vão vir atrás de nós. - Logan disse, erguendo os ombros - Se tiver algum jeito de eles saberem, vão ver que somos alunos, vão tentar falar com a gente.
- Mas é obrigatório - Arya resmungou, baixo, do sofá, de cabeça baixa.
Suspirei, ainda inquieta. Por que eu tinha a impressão de algo mais grave estava acontecendo agora?

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora