Você morreu de que?

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Era noite.
Arya no colchão, terminava de dar suas últimas mensagens do dia para o namorado, depois de gritar comigo por uma hora, dizendo que sumir assim sem dizer nada, era muito cruel para um ser humano como ela.
Cansada, eu olhava para o teto, de cima do sofá. A meia luz branca do celular da garota, refletia na parede, mas assim que ela se virou para o lado e começou a dormir, o celular apagou.
O relógio marcava uma e treze da manhã. Lolla dormia no seu quarto, como sempre. O pai da garota não estava em casa, teve que viajar a trabalho, deixando a mãe sozinha.
Os pais de Arya chegariam no final dessa semana, ou seja, daqui a um dia.
O baile da escola seria na segunda que vem. E eu não estava entusiasmada com nada daquilo. Parecia tudo desanimado.
Cocei os olhos, e me indiretei no sofá. Seria possível que depois de tudo que aconteceu naquele dia, eu não conseguiria dormir?
Não, eu estava errada...
Aos poucos, meus olhos começaram a pesar cada vez mais, até que eu via tudo nublado...

***
Acordei com o sol entrando pela janela. Com um bocejo, me remexi pelo cobertor. Girei meus olhos pela sala, logo os voltando para o chão, a procura de Arya.
Gelei. Arya não estava no colchão. Havia sangue em seu lugar, e um cobertor revirado, dando a idéia de quem quer que estivesse ali, teria lutado antes de qualquer coisa.
Com os olhos arregalados e o coração disparado, meu pensamento denunciando o nome de Alyce, eu pulei, ficando sentanda no sofá, olhando para os lados da sala.
- Arya?! Lolla?! - Chamei. Minha voz medrosa e preocupada ecoando pela sala.
Não houve resposta.
Em seu lugar, uma risada fraca e grossa vindo do alto da escada.
Quase tendo um enfarte, ergui os olhos lentamente para cima. Dito e feito. Alyce me olhava com um sorriso travesso nos lábios. Uma arma em uma das mãos. Com a outra mão, ela ergueu o dedo indicador, o levando aos lábios, fazendo um sinal para eu ficar em silêncio.
Abri a boca, pronta para dar um grito enorme, mas ela levantou a arma e apontou para mim.
Então apertou o gatilho e...

Acordei molhada de suor no rosto. Ofegante, olhei para os lados. A sala estava calma e escura. Eu podia sentir meu coração bater aflito em meu peito devido ao pesadelo.
Bufei, passando as mãos pelos cabelos, e olhando para Arya. Ela ressonava tranquilamente no colchão. O relógio agora marcava duas e quinze da manhã.
Engoli em seco e me virei para o outro lado, para tentar dormir novamente.
Mas assim que cerrei os olhos, ouvi o barulho do telefone tocar no canto da sala, em cima do criado mudo. Franzi a testa, incrédula. Quem estava ligando naquela hora da madrugada?
Ergui uma sobrancelha e virei a cabeça. Arya permanecia do mesmo jeito, claramente não ouvindo o toque.
Suspirei e levantei, o barulho irritante continuando a ecoar pela sala.
Pisei no chão gelado descalça, e me apressei a chegar no telefone. Assim que o peguei, apertei o botão de atender, e disse:
- Hello?
Tuuuuuuuuuuuuuuu...
A linha estava como se ninguém estivesse ligando.
Intrigada, encarei o telefone. Marcava:
"Waiting"
Esperando eu digitar algum número para ligação.
Confusa, olhei para a garota no chão. Oras, o telefone estava tocando, eu tinha certeza.
Coloquei o objeto novamente na base, e voltei para o sofá.
Com os olhos pregados no escuro, fixei meu pensamento no meu pesadelo.
Pareceu tão real... tão... presente.
Suspirei e puxei a coberta para mais perto, me cobrindo até o pescoço.
Cerrei os olhos novamente.

Eu estava em uma casa. Escura e fria. Minha visão direcionada para um corredor vazio. Meu corpo se encontrava sentado no chão frio do local que parecia ser uma sala. Uma mesa de jantar no canto do lugar, uma televisão instalada na parede de madeira. Um relógio antigo fazia o "tic tac".
Uma foto estava posta em cima da estante. Um menino sorria para um cachorro que entrava no lago... mas... no lago havia um homem com roupas antigas, e uma faca que jazia em sua mão, quase apontada para o animal...
Com o coração apertado, eu do sonho, girei os olhos pelas paredes aliadas de musgo e bolor.
Então eu abaixei os olhos para mim mesma. Eu estava com um vestido branco com rendas azuis, que batiam no joelho. Minhas pernas em voltas de uma meia calça prata, seguia até uma botinha lilás que batia em meu tornozelo. Era fofo, se eu não estivesse em um ambiente tão... feio.
Minhas mãos estavam sobre luvinhas delicadas brancas, com detalhes dourados pelo redor.
Aos poucos, uma chuvinha fraca começou a se fazer ouvir lá fora, batendo levemente nas telhas.
Eu do sonho deu um pequeno sorriso, e levou a delicada mão até seu lado.
Mas assim que olhei onde minha pequena mão tocou, perdi a respiração.
Era o cachorro da foto. Ele sorria para mim com a língua de fora, como se estivesse cansado. Os pelos fofos agora secos de... sangue.
Eu não tirei minha mão dele. Apenas balancei fofamente minhas botinas, que bateram seu pequeno salto levemente no chão ladrilhado de azulejos brancos e pretos.
Então eu ouvi uma voz suave e fraca. Que vinha do corredor onde eu antes olhava.
O homem da foto, trazia uma garotinha pela mão. Eles conversam alegremente. Eu sabia quem era a garotinha. Aquela criança era Lucy, aquela fantasma que eu tinha conhecido no banheiro.
Eu continuei calma. Observei a garota sorrir e girar pela sala. Tinha aproximadamente seis anos. Tão pequena... e ao mesmo tempo tão ágil. Suas minúsculas mãos se mexiam rapidamente pelo ar, acompanhando a dança alegre que ela fazia. O homem a observava. Eu podia jurar, havia um brilho de malícia em seus olhos, ao olharem a menina.

- Papai, papai! Olha o que aprendi na última aula! - A criança exclamou, e de um espaço, indo para trás, logo dando impulso e fazendo uma perfeita estrelinha no ar, terminando com uma cambalhota e pisando perfeitamente no chão.
O pai sorriu e bateu palmas.
- Filha, quero te mostrar uma brincadeira. - Ele disse, parando de bater palmas.
A criança sorriu mais ainda com a palavra "brincadeira".
- Claro, papai! Vamos brincar de que? - Os olhos do homem brilharam. Ele estava vestido com um sobretudo preto, e uma bota preta de chuva.
Lucy estava com uma roupinha de ginasta, que parecia de frio. Preta com alguns detalhes brancos sobre os ombros e os joelhos.
- Já brincou com cordas, minha filha?
- Já, papai. Com minha irmã, já sim.
- Sua irmã não interessa. - Disse, a voz agora ríspida. Tirou uma corda de cima da estante.
Mas não era uma corda de pular.

- Gosta disso? - Perguntou, dando o objeto na mão da criança, a fazendo pular. Ela riu e pulou duas vezes, e respondeu:
- É legal. Obrigada, papai. - Sua voz suave e inocente abafava a chuva na telha.
O pai sorriu.
- Mas não é assim que se brinca, Lucy. - Disse, com um sorriso irônico.
Se aproximou da filha e pegou a corda da mão dela.
- Vou te ensinar uma nova brincadeira, garota. - Disse, e enrolou a corda no pescoço da criança.
Horrorizada, eu quis gritar para a menina, mas minhq voz não saia e minha expressão tranquila não mudava diante da cena.
O homem puxou uma sacola plástica, e disse:
- Olhe, essa sacola vai ser seu capacete, e essa corda será seu cinto. Depois, você vai estar em um lugar bem longe daqui. Vou te levar em um foguete, mas tem que apertar bem o cinto, ok? - A criança assentiu, sorridente, deixando o pai tão querido colocar a sacola sobre sua cabeça, depois apertar a corda sobre o pescoço dela, fazendo a sacola se formar na cabeça da garotinha.
-...Pa-pai... - A voz distante dela se fez ouvir - Pap... eu... Não... - Mas o homem só apertou mais a corda ao redor do pescoço dela.
- Vou apertar bem o cinto, ok? Assim você não cai do foguete. - Ele disse, rindo alto.
Não houve resposta, apenas sussurros e gritos fracos e abafados, acompanhados das mãozinhas da criança, gesticulando no ar, não conseguindo respirar.
Eu permaneci intacta durante a cena inteira. Mas meu coração acelerava cada vez mais.
Depois que o corpinho da garotinha tombou sem vida para trás, o "pai" soltou a corda.
- Ótimo. Agora aqueles policiais imbecis não poderam dizer que ela foi morta por um adulto. Afinal, não há minhas digitais no pescoço dela, e vai constar que ela apenas foi sufocada pela sacola. No fim, tudo será um infeliz acidente. Já que não poderiam provar o contrário. - O homem resmungou isso e gargalhou, arrancando a sacola da cabeça da criança.
O rosto roxo e os olhos saltados.
Só então, percebi que o homem olhava exatamente para mim.
Com o coração em falhadas, reconheci Jack.

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora