Culpa

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Talvez a meia luz fraca da manhã, tivesse me feito abrir os olhos, despertando aos poucos.
O que me fez ver que eu estava praticamente encolhida contra Logan.
Pisquei, me afastando vagamente, tirando os braços dele do meu redor. Era provável que tivéssemos caído no sono da mesma forma que estávamos antes.
Senti vontade de me matar ao perceber que eu não queria me afastar mais, me obrigando, mesmo contrariada, a sentar, coçando os olhos com o sono.
Ele resmungou alguma coisa, escondendo o rosto com as mãos, como se quisesse se proteger um pouco da claridade fraca e irritando do dia entrando pelas frestas da janela.
Escondi um pequeno sorriso, balançando de leve a cabeça. Era bom, era bom algo ter, meio de tantas coisas ruins, algum abraço apertado, que de qualquer forma, não deixava você sair, como se quisesse ter certeza de que o carinho lhe faria bem.
Levantei, aos poucos, olhando para os lados, relutante, como se eu tivesse medo de que algum fantasma estivesse a espreita em algum canto do quarto.
Bem, meu medo não era totalmente infundado.
Eu podia enxergar melhor o quarto do rapaz. Não era tão bagunçado como eu pensei que era antes. Uma escrivaninha ao lado, com folhas empilhadas, um pote circular com lápis e canetas.
Um guarda roupa encostada na parede, que a julgar pelo tamanho, não guardava apenas as roupas de Logan, talvez da mãe dele também.
Voltei a me encolher um pouco, quando lembrei que o pai dele poderia estar ali. O pai dele era um suicida, um maluco, resumindo.
Era engraçado como eu era empurrada justamente para as pessoas que tinham algum tipo de problema. Mas não dizem que nada é por acaso?
- Você fica muito estranha quando acorda e fica ai, no meio do meu quarto, olhando para as coisas - Ouvi uma voz sonolenta balbuciar, me virando com um sorriso, vendo Logan, deitado me olhando, dando um pequeno sorriso para mim.
- Sua casa é estranha. Não tem como eu não ser também quando estou nela - Devolvi. Ele cruzou os braços, com um meio sorriso, se sentando.
- Você está bem? - Perguntou. Assenti, vendo ele se levantar também, coçando a nuca de leve.
- Bem... Então acho que agora você vai voltar para casa da Lolla, não é? - Sorriu um pouco, erguendo os olhos para mim. Eu pensei por alguns instantes, com a expressão vazia. Não tinha pensado em voltar, na verdade, não até agora.
- Sim - Dei de ombros. Ele provavelmente tinha algo para fazer, ou alguém iria ali, alguém que ele não gostaria que me visse junto com ele. Talvez nossa velha amiga Carol.
Concordou, indo até a porta, abrindo, olhando pelo corredor, provavelmente para o começo da escada, como quisesse se certificar de que não havia mais nenhuma mulher maluca ali.
- Desculpe por ontem - Falou, desviando os olhos do lugar vagarosamente - É engraçado. Sempre que estou com você, alguma coisa parece impedir, parece me deixar afastado de você. Já percebeu? - Ergueu uma sobrancelha, apoiando uma mão na parede.
Eu sacudi a cabeça. Não. Ele soltou o ar pelo nariz, com um sorriso raso, voltando a cabeça para o chão.
- Você e outra chata que não deixa eu me aproximar de você direito - Resmungou, me fazendo abrir um pequeno sorriso.
- Bem, vejamos uma coisa... Pelo que eu sei, você é preso à uma garota - Ergueu as mãos - O que já dificulta qualquer coisa - Ri.
Fez uma careta.
- Eu sei - Saiu da porta, deixando a mão que estava na parede, ir para dentro do bolso do casaco azul escuro, com a toca indo levemente mais para o lado. Sua íris azul me fitou, curvando os lábios de leve para o lado. Por algum motivo, seu olhar fez meu rosto ficar quente aos poucos. Droga, eu estava ficando vermelha.
Quebrei o contato visual, me endireitando de leve.
- Então, você provavelmente vai no baile, junto com a Arya e o Luke, a Lolla não irá por causa da casa. - Deduziu.
Encolhi os ombros.
- Eu já te conheço a praticamente um ano e só agora posso ter a chance de perguntar se você quer dançar comigo em uma festa - Abriu um pequeno sorriso.
Eu o olhei, balançando de leve a cabeça.
- Você vai com a Carol.
- Mas não é por isso que eu preciso ficar preso nela a noite toda, não é?
- Ela vai me odiar ainda mais. - Franzi a testa. Ele riu.
- Ela odeia todo mundo, Sam - Ergueu um ombro - Vai me deixar sozinho por causa dela? - Perguntou, com um meio sorriso.
Eu queria saber, afinal, por que ele estava preso à ela? Eu sabia que era algo do passado, dos pais dos dois, mas eu não conseguia entender direito. Algo a mais tinha nisso, para ele praticamente ser prometido à ela.
Piscou, como se soubesse o que eu estava pensando.
- Eu posso te explicar algum dia - Murmurou.
Mas ainda era cedo.
Concordei.
- Bem, eu te vejo... Na escola, então - Sorri.
- Ah, é? E vai dançar comigo pelo menos uma vez, não é? - Sorriu. Eu ergui uma sobrancelha, cruzando os braços contra o peito.
- Veremos, senhor Logan - Tombei a cabeça de leve para o lado - A dança acaba no exato momento que a Carol gritar seu nome. - Disse, em travessura. Ele claramente se segurava para não rir.
- Isso não seria algo puxado para o ciúme da parte de vocês duas, senhorita Samantha? - Perguntou, ainda tentando não rir. Eu tentava fazer o mesmo.
- Não, eu apenas não quero dividir o que está dançando comigo. - Consegui segurar a risada. Ele também.
- Então vamos combinar que eu não danço com ninguém, e você também não, além de mim. - Falou. Ergui as mãos.
Droga, eu estava rindo.
Ele também começou a rir.
Balancei a cabeça,
- Ótimo, combinado assim - Ele concordou, e saiu de perto da porta, me dando passagem.
Ergui os olhos levemente desconfiados para ele, mas andei até lá, e teria saído se ele não tivesse puxado minha mão de volta, me virando de novo e dando um beijo na minha testa.
Não o repeli, franzindo o cenho. Ele riu.
- Tudo bem, eu não vou dar um beijo de verdade em você, do jeito que você é, capaz de me dar um tapa na cara - Falou, rindo.
Admito que ri também, balançando a cabeça, fechando a mão em seu braço e me colocando nas pontas dos pés, acertando um leve selinho em seus lábios, me afastando em seguida. Ele me seguiu com os olhos, com um leve sorriso.
- Até - Cantarolei, dando as costas e descendo as escadas, praticamente esquecendo que a casa dele era assombrada, e que na noite passada, tinha uma mulher ali.
Eu não podia dizer que não estava com medo. Porque na verdade, eu estava sim, com muito medo.
As coisas pareciam acontecer sem muito nexo. Mas era rápidas, como se ansiassem para dar sua cartada final.
Suspirei, abrindo a porta e saindo. Uma leve luz pálida do sol, batia no chão da calçada cinzenta. Ergui meus olhos que pararam em frente à casa de Alyce.
Ela estava ali. Eu sabia que estava.
Prendi a respiração, fechando a porta atrás de mim, olhando para os lados. Ninguém surgindo das sombras, ninguém com um sorriso maldoso e com planos diabólicos nos olhos. Tudo estava ainda, estranhamente, normal. Pelo menos até agora.
Me virei, tomando caminho da casa de Lolla. Era um pouco longe, e a ideia de ter que passar pela escola e ver seus enfeites depressivos ali, me deixava meu entusiasmo mais baixo do que deveria ser.
**
- E ai, começou o incêndio. - Lolla explicou para Arya, cruzando os braços. A garota de cabelos cinzas balançou a cabeça.
- Mas não foi culpa da Sam. - Defendeu - Ela nem ao menos teve tempo de pensar em desligar alguma coisa, aposto.
- Mas era puro bom senso! Apenas tirar da tomada!
- Ela poderia ter sido eletrocutada de qualquer jeito! - Insistiu. Lolla cerrou os punhos.
- Não, era só desligar rápido! Agora minha casa está queimada, como a dela estava antes - Apontou para o nada. Arya parou.
- Isso é idiota, Lolla. Foi um acidente. - Trincou os dentes.
- Bem, acho que ela não gostou quando a casa dela pegou fogo.
- Ninguém aqui morreu, não foi?
- Mas podia!
- Só tinha ela dentro dessa porra!
- Não importa! - A morena devolveu. Arya abriu a boca, balançando a cabeça, se virando com impaciência, se afastando da casa, que ainda se podia ver um rastro de fumaça negra pelo céu. Mas era fraco.
Com repulsa dali, saiu andando com ignorância, sem prestar atenção, batendo de frente com Sam, que parou na mesma hora, voltando um passo, se virando para frente, vendo a outra.
- Sam - Arya chiou, a olhando - Você está bem, maluca? - Perguntou.
- Estou. Por que?
- Ah, nada, só porque você escapou de um incêndio ontem, só por isso. - Fez cara de tédio - É melhor você voltar pra lá agora - Puxou ela pela mão.
- Por que?
- A Lolla resolveu dar a louca - Disse - Ta dizendo que foi sua culpa - Bufou. Sam sentiu seu estômago revirar, voltando os olhos para a rua da casa, vendo a fumaça.
- Mas esquece. Não foi culpa sua, e você sabe disso. - Falou. - Vem, vamos pra minha casa. Depois vemos o que fazer com Lolla e sua casa enferrujada - Bufou, mas depois, suavizou o semblante - Temos um baile para nos divertir um pouco. - Sorriu.
Samantha não sabia porque, mas não queria muito ir.
Iria voltar?
Será?

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora