À porta da morte

15.5K 1.3K 124
                                    

Com a boca aberta, permaneci a encarar sua suave expressão.
- Eu... Você vai me... - Ela riu alto uma deliciosa gargalhada.
- Eu não vou te matar, se é isso que quer saber. - Balançou a cabeça, flutuando para um outro lado - Apenas queria que você passasse a tentar parar de se matar. - Ela deu de ombros, fazendo cara de tédio.
- Eu não estou tentando me matar.
- Ah, você está sim. Só não vê. Cada vez mais, está adentrando o fogo, Sam. Vai acabar como seus pais? Ninguém quer isso pra você.
- Não se faça de boazinha. Eu conheço sua história. Bem... Parte dela. Também não sei o que é verdade e o que é mentira, mas com certeza você era cúmplice da sua irmã, Alyce. - Rosnei.
A fantasma apenas deu um sorriso irônico.
- Eu disse. - Eu permaneci confusa.
Então em uma fração de segundos, quando pisquei, ela já havia sumido.
Senti meu coração disparar. Olhei para os lados. Agora eu estava sozinha. Pelo menos era o que parecia.
Me recompondo, ergui meus olhos para os quadros novamente. Os rostos tristonhos me encaravam.
Fiz uma careta.
Girei para o fim do corredor, saindo por lá.
Droga, droga, droga. Onde estava aquela foto? E agora, onde era a saída daquele presídio?
Com chave ou não, eu ia voltar. Não queria morrer do nada, sem ninguém do meu lado.
Seria mais confortável se alguém estivesse me vendo e servisse como testemunha da minha morte.

Suspirei, e caminhei, retomando os outros corredores, logo depois encontrando a escadinha do andar de baixo, em forma de caracol.
Cautelosamente, desci, segurando firme no corrimão.
Finalmente cheguei ao andar de baixo, bem mais claro e menor.
Quase dei um grito de alívio. Sai, passando pelos quadros dos policiais de bigodes enormes.
Aquilo mais parecia um reformatório misturado com galeria de fotos.
Sai pela porta de vidro estilhaçado, tomando cuidado para não me cortar, pisando em chão de cimento a mostra, pontilhado por cacos.
Fui até minha mochila, e a peguei, olhando para o mundo, cansada. Que legal, agora eu tinha que voltar. Ao menos que eu quisesse ficar ali e morar com instrumentos de tortura.
Fui até o buraquinho que me dava visão da rua, e olhei por ele. Bom, ninguém estava passando por ali, não fazia mal nenhum alguém fazer o que eu estava prestes a tentar.
Aflita, joguei minha mochila pelo muro, do qual ouvi seu baque do outro lado.
"Ok." - Pensei. Girei, olhando para cima, na esperança de ver alguma forma de escapar.
Merda. Não tinha muiros buracos naquela parte do muro.

Eu nunca pensei que ia me ver fazendo isso. Mas já que era preciso, não tinha escolha.
De mau jeito, perambulei pelo lado de fora, a procura de qualquer pedra do tamanho da minha mão.
Quando a finalmente achei, peguei a mesma, indo até a santa parede.
Respirei fundo, e bati a pedra na parede, logo depois outra vez, e mais outra.
Continuei assim até a parede estar toda esburacada, eu tendo o cuidado de ver quem passava pela frente.
Quando enfim consegui, eu, cansada, encarei minha obra, linda, que se algum policial visse, com certeza iria me mandar para uma delegacia, não era nem um reformatório.
Tomando impulso, comecei a subir, tentando ver onde eu colocava o pé, para não cair. Aquela aula de escalação estava assustadora.
Cheguei no ponto alto do muro, onde não tinha buracos, devido a minha altura e não conseguir alcançar com a pedra.
Trinquei os dentes, me esticando para segurar no ponto mais alto. Quando consegui, segurei firme no local, e tomei impulso até ficar em cima do puro, sentada.
Olhei para baixo, e praguejei. Tinha que descer mais tudo aquilo. Droga.
Eu ia começar a descer, quando vi o garoto ruivo daquela hora, me olhando fixamente por trás de uma árvore.
Franzi a testa e fiz cara de tédio.
- O que diabos você quer? - Perguntei, minha voz estridente soando pelo alto.
O garoto se aproximou lentamente.
- Queria... Pedir desculpas. - Falou, relutante. - Quer ajuda?
- Não. - Respondi imediatamente, me virando e descendo pelos buracos do outro lado. O ruivo continuou a me encarar.
Assim que pulei no chão, próximo a minha mochila, a puxei com o pé, logo a colocando no ombro e seguindo, impaciente.
Ouvi passos atrás de mim, e percebi que o ruivo me seguia.
Prendendo a respiração de raiva, me virei para ele e exclamei:
- Será que você pode ir para sua turminha e me deixar em paz?! Ou será que quer me fazer entrar naquela coisa de novo?! - Ele não respondeu. Ficou me encarando, como se tentasse entender o que eu tinha dito.
Depois assentiu e respondeu:
- Não, queria me desculpar. Só isso.
- Desculpas não vai trazer a única foto dos meus pais de volta, idiota. - Retruquei, fechando a cara.
Ele demorou mais um pouco, como se estivesse traduzindo novamente.
- Eu sei. Foi minha culpa também, desculpe. Quer que eu entre lá e procure?
- Não. Quero que me deixe em paz e vá perseguir aquele seu bando. - Ele riu um pouco. Depois ergueu a mão.
- Meu nome é Philippe. Prazer. - Fiquei encarando a cara dele, como se ele fosse um idiota que precisasse morrer. Mas sou educada, afinal.
- Prazer. - Respondi, sem interesse, vendo a mão estendida dele, e o cumprimentando.
Ele sorriu.
- Tem certeza que não quer ajuda?
- Plena.
- Hm... Ok. Eu preciso ir, também.
- Vai jogar mais chaves por janelas? - Ironizei. Ele riu alto e respondeu:
- Se a pessoa estiver com chave, quem sabe? - E se virou para trás. Eu mostrei a língua para ele, me virando para o outro lado.
Tomei o trajeto da casa de Lolla, ainda de cara amarrada. Mas minha expressão e meu humor mudaram quando vi Márcia e Jorge, saindo de um mercado, que me cumprimentaram alegremente.
Sorridente, voltei para casa de Lolla, sentindo que alguém ainda estava do meu lado.

~Narrador~

Será que havia mesmo, mais alguém do lado dela? E se houvesse, o que dois senhores poderiam fazer para ajudar?
A garota simplesmente não conseguia ver, a verdade dançando uma dança macabra e fria junto com a morte, de mãos dadas, bem na sua frente.
É impossível ser feliz para sempre. É impossível ser feliz por um dia inteiro. Mas é possivel mais de milhões de pessoas serem levadas pela morte.
Não estaria Sam, indo pelo mesmo caminho?

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora