Não durma

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As vozes estavam abafadas. Eu não ouvia direito, mas estava acordado. Alguns pontos de meu corpo doíam, mas minhas costas parecia ganhar a competição de dor.
Eu estava deitado em algo confortável. As vozes vinham de diferentes lugares dos meus lados. Me senti seguro.
"Ele acordou?" - Consegui ouvir, mesmo que eu parecia estar preso em um lugar fechado e vazio, e ouvisse coisas com eco.
"Não sei. Veja se ele está bem. Não podemos simplesmente leva-lo para o médico assim. O que vamos dizer? Que ele foi atacado por fantasmas?" - Ouvi a voz masculina de alguém. Eu não o conhecia, por certo.
Médico.
Luke. Em minha cabeça, eu tinha me levantando rápido, olhando ao redor, o procurando para ver se estava bem. Mas na realidade eu simplesmente balbuciei algumas palavras sem nexo, balançando a cabeça minimamente.
Senti uma mão quente em meu braço. Só agora eu percebia que meus olhos ainda se mantinham fechados.
Os abri como podia, vendo Sam à minha frente, me olhando em expressão preocupada.
Pisquei algumas vezes.
- Onde está... Luke? - Perguntei, fracamente, em pequenas esperanças. Ela não respondeu, e então eu já sabia a resposta.
Olhei para minhas mãos. Ok, estavam normais. Meio caminho andado.
- O que aconteceu comigo? - Insisti.
- Você foi lançado por uma janela. - Ela respondeu, me fuzilando com os olhos. Franzi os lábios, confuso.
- Quem você pensa que é para me preocupar assim?! O que estava pensando, que era um super herói? - Perguntou, baixo, mas com a voz impaciente.
- Uh... - Ela não me deixou falar, se inclinando, grudando os lábios dela nos meus, me fazendo parar, correspondendo depois de alguns segundos.
- Por que você sempre me beija quando eu não estou esperando que faça isso? - Perguntei, quando ela afastou o rosto de mim.
- Porque você é mais idiota nessas horas - Ela devolveu - Você está bem? - Mudou de assunto.
- Agora? Estou muito melhor - Arqueei as sobrancelhas, ouvindo o pequeno riso dela.
Tentei sentar aos poucos, com a mesma tentando me ajudar como podia.
- Está tudo bem. Obrigado. - Falei, dando um pequeno sorriso, que logo morreu.
- Você caiu quase de cara no chão. Sorte que se parou um pouco a queda com os braços, e caiu em cima da grama do parquinho. Se não, você estaria nocauteado. - Ela falou, me olhando. Olhei para meus cotovelos, os vendo um pouco arranhados, com marcas de terra. Ergui os ombros.
- Acostumado a cair com Skate - Falei, sorrindo. Ela suspirou. Alguém chorava em um cômodo da casa que estávamos. Me permiti olhar pelo lugar. Era um quarto pequeno. A luz estava apagada, mas vinha um pouco da sala para dentro. Eu estava sentado em uma cama. Não havia coisas que me cobrisse.
- Onde estamos? - Perguntei.
- Na casa de Phillipe. - Ela respondeu. Fiz uma careta.
- Quem é esse?
- Eu - Um cara ruivo se colocou na frente de porta, com feição de tédio - De nada por ajudar, aliás. - Não respondi, me virando para Sam, que sorriu um pouco.
- Esse é um... Ahn... amigo - Ela parecia não saber o que ele era, como se o conhecesse a pouco tempo - Phillipe, esse é Logan, Logan, Phillipe. - Apresentou. Nenhum de nós dois fizemos algum gesto de cumprimento.
- Quem está chorando? Arya? - Perguntei, baixo, mudando de assunto. Ela concordou, com Phillipe saindo da frente da porta.
Puxei o ar, balançando a cabeça.
- Temos que sair daqui. E quem está na escola? Você está bem? Eu nem tive tempo de saber - Fui falando, enquanto ela levantava a mão, me pedindo de continuar.
- Cale a boca, uma coisa de cada vez! - Falou, me fazendo parar, olhando para a cara dela. Era verdade, ela deveria estar estressada com tudo que estava acontecendo. Eu podia colaborar em vez de a entupir de perguntas.
- As pessoas ainda estão na escola. Faz pouco tempo que viemos pra cá. - Ela respondeu, mais calma - Eu estou bem, mas... Nem todos estão - Fez um movimento em círculo com o dedo no ar, me fazendo ouvir o choro de Arya. Suspirei, abaixando a cabeça.
- Eu tentei ajudar ele! Mas... Eu não consegui fazer nada! - Disse. Eu a vi balançando a cabeça, em afirmação, como se entendesse.
- De qualquer forma, Logan, não foi sua culpa. - Disse, suavemente. Eu pisquei. - Não podemos ficar lá para ver o que aconteceu a ele. Mas é claro que havia sido morto - Ela continuou, baixo, apenas para mim, apoiando a cabeça na mão. - Arya começou a chorar, é óbvio.
- Lee o matou com o machado - Sussurrei. Minha voz saiu rouca, mas era justificável. Sam se retraiu, me olhando, como se estivesse horrorizada com aquilo. Não era novidade, qualquer um ficaria. Eu procurava tirar da cabeça as últimas cenas que vi antes de acordar ali.
- Lee acertou o machado no meio da cabeça dele. E me forçou a ver tudo, me enforcava, e não me deixava fazer nada. - Engoli em seco, erguendo as mãos - Eu não podia competir com um fantasma.
- Mas... isso é estranho, os fantasmas estão ficando mais fortes. - Ela disse, se endireitando na cadeira - Eles conseguem nos tocar, tem uma força sobre humana... Por que? - Perguntou, como se eu pudesse saber a resposta.
- Eu não sei! - Devolvi - Só... - Deixei os ombros caírem - Não sei. Como você conseguiu escapar de lá de cima? - Ergui os olhos para ela, vendo ela fazer um gesto cansado com a mão.
- Longa história - Respondeu. E então parou, como se lembrasse de algo, arregalando os olhos. - Agatha...! - Se levantou. Eu franzi o cenho.
- A Agatha ficou lá! Ela estava possuída por aquele demônio e... E parecia morta, mas eu não sei mais! Preciso voltar! O Pianista ficou lá, e... Ah, meu deus - Passou de calma para inquieta, dando voltas no quarto.
- Do que você tá falando? Pianista? O que ele tem a ver? - Perguntei. Pra mim, ele era quase uma lenda de alunos querendo fazer graça na escola. Nunca o tinha visto.
- É! - A ouvi - O Pianista me protegeu, mas ele é só um bebê, contra um demônio, meu Deus, preciso voltar! - Ela repetiu. Eu balancei a cabeça, freneticamente, quase que ficando zonzo, não estando totalmente recuperado.
- Sam, por favor, você não é maluca, então não volte pra lá. Se você for, eu vou junto! - Falei.
- Se você quiser, Samantha, eu vou com você. Te ajudo. - Phillipe entrou no quarto, vestindo um casaco. Fiz nova careta.
- Vem cá, de onde você surge? - Chiei, com ambos parando e olhando para minha cara. Ele franziu a testa.
- Do que você esta reclamando? Fui eu quem te ajudou, ok? Você está na minha casa, sem mim você ainda estaria com a cara metida no chão daquele parque - Falou. Eu bufei, frustrado. Era verdade, afinal. Eu estava na casa dele.
Me calei, olhando para baixo, com a cara fechada. Eu sabia muito bem que Sam percebia meu ciúme, mesmo que não tivesse o mínimo motivo. Deve ser por isso que ela ignorou.
- Então você vai. Obrigada - Eu a vi dizendo para ele, que afirmou com a cabeça.
- Mas... O que você vai fazer lá?
- A Agatha! - Alguém respondeu. Mas não foi Sam.
Todos pararam. Era uma voz feminina, que vinha do canto do...
Sam se virou. Eu e Phillipe paramos. Nós não parecíamos tão acostumados com isso como Sam.
- Taylor - Ela disse, olhando a fantasma, que a examinava. Aquilo pareceu ser uma certa deixa para eu a examinar também. O vestido estava sujo. A barra um pouco desfiada, como se tivesse sido puxada para trás, enquanto o tecido estava enroscado em algo. A bota suja de terra dos lados. Os cabelos um tanto bagunçados e o jeito inquieto. Mas ainda estava linda.
- Eu sei. E... vou ajudar ela, tentarei. Prometo. - Ela disse. Taylor desviou os olhos, saindo do canto da parede, dizendo:
- Eu não sei se já é tarde. Mas por favor, não a deixe morrer. - Ergueu os olhos para ela e Phillipe. Eu me senti um retardado inútil que tinha sido lançado de uma janela e não podia fazer nada.
Sam concordou, mesmo que eu visse que estava confusa. Talvez ela pensasse o mesmo que eu. Por que Taylor se preocupava tanto assim?
- Eu estou indo. E volto rápido, garanto. Cuide da Arya para mim, por favor - Ela disse, se afastando da fantasma e passando as mãos pelos cabelos, em tom levemente cansado. Depois se virou para mim, se aproximando meio relutante.
- Você vai voltar? - Perguntei, erguendo uma sobrancelha. Ela sorriu um pouco, e assentiu.
- Vou. E volto com a Agatha. - Respondeu, fazendo um carinho em minha cabeça. Eu queria beija-la de novo, mas talvez eu já estaria pedindo de mais. Então me permiti a apenas sorrir. Ela fez o mesmo, se virando e fazendo um sinal com a cabeça para Phillipe, que entendeu, a seguindo.
Arya parava de chorar aos poucos. Pelo menos eu não a ouvia mais. Apenas soluçava.
Olhei de relance para Taylor, tentando não me sentir desconfortável. Ela não me dava medo. Me trazia um sentimento de segurança. Então permaneci onde estava.

**

Era uma tarde ensolarada. A casa que lhes tinha sido "emprestada" era bonita. A parede era verde, com as janelinhas pintadas de marrom. Alguns vasos ficavam nos parapeitos das mesmas. Um quintal proveitoso estava ao redor da casa.
As pessoas que viviam ali, não precisavam de muito. Por tanto, ali era pequeno. Fora reformada apenas para eles. A família era pobre, por isso se recorreram aos amigos para os ajudar. Estes, não viram problema, concordando e tornando possível sua moradia naquela casinha. Com o tempo, tudo iria se resolver.
Mas a história começou a mudar.
O filho do casal veio em hora errada. Já não tinham dinheiro para se sustentarem, como sustentariam um bebê?!
Nos primeiros dias, o deixavam com a vizinha. Ela cuidava bem do pequeno, e confiavam cegamente na mulher.
Com razão, ela era uma pessoa muito boa. Mas com o passar dos dias, começou a cobrar pelo tempo que ficava com a criança.
Não havia saída, o destino havia traçado a vida da família. Eles estavam tentando recuperar o dinheiro. Já tinham que pagar muita coisa.
E a criança no meio daquilo tudo, iria apenas atrapalhar.
- Eu amo você, meu filho - A mãe dizia, sim, dizia todos os dias. O pai não. Não queria se apegar à criança. Teriam que da-la à adoção.
A mãe não queria. O pai exigia. Iriam acabar no buraco por causa daquele menino.
O casamento de ambos também quase foi ao fim.
Mas uma solene mulher de sorriso doce e encantador, batera na porta da casinha.
Seus problemas estavam resolvidos, todos eles, afinal. A mulher ofereceu uma grande quantia de dinheiro por aquele menino.
Ho, pobre criança, pobre. Durma bem, meu anjinho - A mamãe costumava dizer. E sorria.
Será que agora seu se sente mal por ter sido tão frio?

**
A casinha de boneca estava rabiscada de lápis de cor. Tinha mofo, sua madeira estava podre. A cor já não se era mais reconhecida. Uma familia de bonecos muito sofridos vivia ali.
Ho, havia tudo, havia um berço. Mas o boneco bebê estava jogado no chão. A caminha ao seu lado, vazia.
Na cozinha, o fogão estava tombado para o lado. Os bonecos largados no meio dela, e uma faquinha caída ali. Havia ocorrido um assassino.
O resto da casinha estava revirado. A tinta da caneta vermelha virou sangue pelo chão de madeira podre.
Alguma criança muito ruim brincava ali.
- Isabela, você não dormiu ainda? - A voz de Márcia ecoou ali. A garotinha que brincava de morte, parou, se voltando para trás.
- Não, vovó - Respondeu - Não sinto sono. - Completou. A mulher de idade já avançada parou na porta, a olhando.
- Meu amor, você tem que dormir. - Insistiu. Isabela sorriu, balançando a cabeça.
- Desculpe, vovó. Monstros estão em todos os lugares agora. E não posso fechar os olhos.

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora