Apenas uma criança

21.6K 1.7K 946
                                    

 Encarei Lolla, que leu do meu lado, estranhando.

 - Credo Sam, que horror - Ela reclamou, se afastando e esfregando os braços, como se sentisse frio de uma hora para a outra. Concordei, fazendo uma careta.

 - Porque exatamente, você pegou isso? - Arya perguntou, apontando para o papel, como se aquilo fosse uma espécie de bicho nojento e asqueroso.

 Dei de ombros, e voltei a encarar as letras mal feitas e podres pelo tempo.

 - Na verdade, eu não sei muito bem. Simplesmente li, e... Achei interessante - Falei, assustada com minhas palavras sem nexo - Queria saber mais sobre esse garoto. Ele parecia sofrer. - Justifiquei, dobrando o objeto e guardando novamente.

 - De fato, mas não precisava raptar a ocorrência do mini defunto - Arya disse, e perguntou: - Qual o nome da cria mesmo? - Sorri um pouco.

 - Júnior Wernick. Conhece? - Brinquei. Arya fez careta.

 - Claro, é nosso vizinho, tá ligada? - E gesticulou com a mão. Ri alto, e balancei a cabeça, Lolla fez o mesmo, chamando com a mão para entrarmos na casa.

 ¨Alyce¨

As fotos estavam espalhadas pela mesa. Eu não ia desistir assim, tão fácil. Aquela menina iria seguir a maldição que meu chefe impôs nela, nem que seja última coisa que eu faça na vida.

 Puxei uma das fotos com o polegar, e a examinei. A garota Samantha aos sete anos, era erguida pelo pai, e ria, olhando o mesmo com um brilho de felicidade no olhar. Aquele brilho nojento de vida. Aquele brilho repugnante de felicidade.

 Com uma careta, olhei para outra. Sam estava deitada na cama, agora talvez com uns quatro anos, e a mãe a olhava, sorridente, exibindo um livro nas mãos. A criança sorria sonolenta, mas parecia querer ouvir o resto da história. O jeito desleixado que a foto pareceu ser tirada, dava a entender que quem tivesse tirado, estava deitado.

 Em uma outra foto, ela sorria para a câmera. As mãos na cintura, olhava solenemente para a frente, os dentes exibidos por toda a boca, o vestido lilás pendia suavemente pelos seus joelhos. Uma bota marrom descia pelo seu joelho. Atrás de si, a praia. O mar sereno, refletia um por do sol tranquilizante e calmo. Sam com seus onze ou doze anos.

 Agora, no resto das fotos, as que o guarda havia tirado. A garota caminhava pela rua, distraída, a bolsa da escola nas costas. Um circulo vermelho estava sob sua mão. Onde ela levava uma chave. A chave de sua antiga casa, com seus pais.

 Em outra foto, dentro da escola, a garota conversava e ria com seus amigos, bem humorada, e parecia trocar números de telefone com eles. Era perfeitamente visível esse número. Foi no dia que recebi essa imagem, que liguei para a casa dela. E comecei ameaças. Poderia ser melhor, eles não precisavam ter sido queimados vivos. Eles poderiam ter apenas entregado a garota, e fim de assunto. Mas não. Preferiram o jeito mais difícil. Eu não brinco em serviço, fiz o que prometi. Matei eles. Ou melhor... Eu não. Meus fiéis mataram. Até parece que eu iria sujar minhas mãos com aqueles vermes.

 Nada melhor. Alguém de alta confiança da garota, matar os pais dela, ela nunca vai desconfiar, a não ser que seja um Sherlock Holmes.

 Suspirei, e puxei a foto que a garota conversava alegremente com seus vizinhos, Jorge e Márcia. Essa já era mais recente.

 Soltei um riso irônico. Ela pensava que eu tinha desistido de ir atrás dela. Mas apenas desisti de assustar ela. Claro, com aqueles idiotas do lado dela... Era meio impossível. Mas eu não parei. Ninguém vai me parar. Ainda vou dar minha carta na mangá, todos estão do meu lado, ela está sozinha. Simplesmente sozinha. Os pais, presos naquela escola.

 Apertei meus dedos entre a arma. Encarei a parede, onde havia uma parte sem desenhos e fotos. A parte de minha irmã.

 Vou ganhar fácil essa batalha. Tenho metade dos fantasmas do meu lado, metade das pessoas de confiança da Sam do meu lado, e metade das pessoas que trabalham naquela maldita escola. Todos trabalham para mim, e não me canso de ser do mal. O mal é melhor.

 O mal vence com a inteligência, coisa que não me falta.

 - Você é muito confiante - Ouvi uma voz atrás de mim. Revirei os olhos, e e virei para ver Taylor, jogada na poltrona dela.

 Rosnei.

 - Você devia estar no inferno, nojenta - Ela deu um sorriso debochado, e balançou a perna que estava apoiada no braço do sofá.

 - Então somos duas, Alyce - Ela devolveu. Seu ar inocente e bonzinho, me irritava. Fechei a cara, e respondi:

 - Se eu pudesse te matar mais uma vez... - Rodei a arma na minha mão. Taylor apenas sorriu bondosamente.

 - Acontece que não pode. E mesmo se pudesse, não ia fazer muita diferença, vendo que mesmo morta, fico no teu pé, sem largar - Respondeu, o sorriso de uma ponta a outra da face.

 - Eu odeio você. Mesmo com você no meu pé, consegui matar várias famílias e as mandarem para onde me foi ordenado. Agora não será diferente - Sorri - Você viu, eu mandei aquele guarda jogar aquela trouxa da Samantha na adoção. Mandei tirar fotos da vida dela, e consegui a chave de sua casa. Mandei vigiar suas ações com seus amigos, e consegui o número de sua casa. - Parei e alisei a arma, erguendo os olhos a Taylor - Mandei matarem os pais dela, e mataram. E tudo isso, sem levantar suspeitas. Ninguém viu, ninguém sabe. É apenas um acidente. Ho, coitada da órfã Sam. Perde os pais em um incêndio de acidente - Gargalhei, enquanto Taylor me fitava com a cabeça apoiada nas mãos - Tudo que eu quis, eu consegui. Matar VOCÊ, eu consegui. E ninguém nunca veio até mim. Nunca passei pela polícia, sou totalmente limpa - Sorri.

 Taylor franziu a testa.

 - Limpa na matéria, ou no espírito, Alyce? - Ela me olhou. Revirei os olhos.

 - Não preciso ser limpa no espírito. O demônio não é limpo. Ele manda eu não ser. Não serei. - Gesticulei com a arma na mão.

 - Não se esqueça que Sam está muito bem acompanhada espiritualmente - Ela disse, imitando meu sorriso. Fiz um muxoxo.

 - Pode estar, mas o mal é mais forte. - Taylor apertou os olhos para mim.

 - Você não tem chances contra o Júnior, você sabe - Ela sussurrou. Me virei para a mesa, recarregando a arma.

 - Ele e só uma criança de oito anos. Não é ameaça. Se fosse, eu não conseguiria ter matado ele. - Retruquei, e limpei minhas digitais da arma e das fotos.

 - Apenas uma criança, que tirou Lee do corpo de Logan, apenas com a força de seu p0ensamento. Não precisou de mais nada. Não precisou fazer ritual nenhum. Acha que uma criança assim, não é ameaça para você? - Ela perguntou.

 Me virei violentamente, e gritei:

 - EU NÃO TENHO MEDO DELE. - Trinquei os dentes. Taylor não fez nada, apenas ficou na mesma posição.

 - É APENAS UMA CRIANÇA COM ESSA LEI DE BONDADE E AMOR - Berrei, a voz com nojo. A outra ergueu a mão, me interrompendo.

 - Uma criança presa entre o bem e o mal, nutrindo a inocência de ser criança, e o ódio de ter sido assassinado. Ele é mal, já fez coisas más para atrapalhar o mal. Mas também fez coisas boas. Ele vai te parar. Ninguém é invencível, e a pior atitude da sua vida, foi ter matado uma criança tão pura quanto ele - Disse isso, e sumiu, deixando uma energia podre de amor e carinho no ar.


Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora