Eletricidade

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°Narrador

"Você não sabe o que temos sido" - A voz sussurrava, friamente ao redor de Júnior. O pequeno bebê Pianista não estava machucado. Mas estava fraco. Lutar contra um demônio, ainda mais o mesmo que o matou, quando vivo, decididamente não era algo fácil de se fazer.
O fantasma não se retraiu ao ouvir a voz de Alyce o rondando. Ambos estavam no porão da casa da mulher. Lolla estava presa, com a boca tampada, em cima de uma maca. As mãos fortemente presas ali, igualmente os pés. Ela não conseguia falar nada, então apenas murmurava coisas contra o que apertava sua boca, deixando uma lágrima escorrer de um de seus olhos.
- Júnior, meu querido Pianista - Alyce disse, encostando o quadril no balcão, remexendo em agulhas, frascos de veneno, mordaças, facas, fotos e cadernos, pegando novas luvas e as pondo - Você sabe que não pode fazer nada em relação à ela, não é? - Perguntou, sorrindo. O fantasma no canto não respondeu, fraco. Mal conseguia se mexer.
- Você me surpreendeu, criança - Alyce disse, se virando para ele, girando uma faca entre os dedos - Eu pensei que você era muito mais fraco. Como conseguiu se livrar de um demônio? - Perguntou, sorrindo, erguendo uma sobrancelha - Ainda mais aquele, que te perseguiu por uma casa trancada e as escuras, até sua morte, não? - Júnior abaixou mais a cabeça, parando de planar à centímetros do chão, deixando o espírito cair no mesmo, se encolhendo ali.
Alyce soltou uma gargalhada, inclinando o corpo para a frente com a mesma. Aquilo pareceu prejudicar o pequeno fantasma, que levou as mãozinhas à cabeça, apertando ali.
Lolla grunhiu, dando um tranco totalmente inútil contra as coisas que a prendia. Mas ela não conseguiu sair nem um centímetro da maca enferrujada.
- Oh. Querida. - A mulher suspirou, dando um sorriso entediado e se aproximando dela vagamente, parando à sua frente, apoiando as mãos minimamente em cima da maca. - Quase me esqueci de você ai - Sorriu, arqueando as sobrancelhas e passeando a língua pelos dentes. Lolla a olhou com terror. A luz do porão era mínima, e só pegava praticamente apenas um lado do lugar. De forma que Alyce ficasse fantasmagórica à visão da menina, a assustando ainda mais.
- Me desculpe se demorei - Falou, sorrindo insamente, arreganhando os dentes. As sombras pareciam brincar de um lado para o outro pelas paredes. Lee estava ali. Só não estava visível. Mas os observava das sombras, cuidando para que o pequeno Pianista permanecesse ali, encolhido.
Alyce ergueu os ombros, levando a mão à cima da cabeça da menina, puxando algo como um capacete.
Júnior gelou, olhando a cena.
Uma terapia de eletrochoque.
Fariam uma terapia de eletrochoque em Lolla.
A menina também deve ter percebido, porque tentou se debater novamente, em grunhidos inúteis, gritando e berrando de pânico dentro de si.
Uma terapia de eletrochoque era usado para mudar o comportando ou a sanidade de alguém, dependendo da dose da terapia. Houve casos que os cérebros das vítimas foram simplesmente fritados. E Lolla sabia daquilo. Era aquilo que Alyce faria?! A iria fazer como sua escrava, distorcendo sua sanidade?
Encaixou o capacete na cabeça dela. Por dentro ela urrava e berrava. Não, não!!! Ela era uma adolescente! Tinha a vida inteira, por que iriam lhe destruir assim?
Alyce se voltou para Pianista, como se ouvisse seus pensamentos. E então levou o dedo indicador contra os lábios, fazendo sinal. Silêncio. Absoluto.

**

- Meus pais. - Arya disse, com voz fraca, depois de tanto chorar, erguendo de leve o celular, como se não tivesse forças nem de o carregar. - Eles... estão me ligando. Provavelmente vão me mandar voltar - Fungou. Sam se levantou, indo até ela.
- Eles devem estar preocupados. Já é fim da madrugada - Suspirou, se endireitando - Eu vou com você. Até porque... Acho que a Lolla guarda ressentimentos da casa queimada - Ergueu os ombros. Arya a olhou, com os olhinhos se inundando novamente, fazendo Samantha balançar a cabeça freneticamente, mesmo que não fosse adiantar muito.
- Hey - Logan tentou se mover com mais facilidade, embora ainda estivesse em pequeno repouso. Teimoso, se levantou aos poucos, fazendo leve careta com a dor em pequenas partes do corpo, mas eram suportáveis, afinal. - Eu também tenho que ir. - Falou, suspirando - Não fui ver minha mãe, e ela deve estar se perguntando onde estou. - Falou. Sam o olhou por alguns segundos, dando um pequeno sorriso depois.
- Sua mãe pode esperar. Ela está bem no hospital, pelo menos. - A garota disse. Logan a olhou como se duvidasse.
- Ultimamente nenhum lugar está seguro, Sam - Falou, em suspiro. Ela concordou vagamente com a cabeça.
- Mas... já está muito tarde. É melhor você voltar pra sua casa. E dormir, tranquilo. Descanse, cara - Falou, dando um leve soquinho em seu peito quando ele chegou mais perto.
- Eu ia passar a madrugada com ela. Se a festa tivesse acabado no horário certo - Ergueu a sobrancelha. - Mas pelo visto... Ela nem ao menos começou. - Balançou a cabeça. Arya puxou o ar, olhando de Sam para Logan, fazendo um sinal para eles os seguir. Não se despediu de Phillipe. Não tinha cabeça para aquilo. Sam foi a única que lhe agradeceu e disse pelo menos um "Até". Logan estava enciumado de mais para pensar em falar com ele. Sabia que era idiotice, no meio daquilo tudo ele ficar com ciúme. Mas não podia evitar.

Saíram dali. Arya procurava parar de chorar, mas era impossível desviar os pensamentos de Luke. Algo não se encaixava. Algo estava certo. E ao mesmo tempo, não.
Algo que só os mortos iram contar.

**
O volume da eletricidade explodiu ali.
Alyce observava a garota urrar e tentar se debater enquanto a carga de altíssimo grau elétrico passava por seu cérebro, descendo pelo corpo.
A mulher escancarou os dentes em um sorriso largo e totalmente insano. Tirou a mão da alavanca que puxava, se voltando para frente, fazendo pequenas anotações, cantarolando em cima do enorme barulho de eletricidade, junto com os grunhidos cada vez mais agitados de Lolla.
Pianista se encolhia ali, olhando com a face assombrada para a cena. Não podia sair, estava preso novamente, daquela vez no porão da casa de Alyce. Mas seria fácil sair daquela vez, embora botaria em prática o plano de escapar depois.
Ele era um fantasma. Já vira assombrações e coisas horríveis ao seu redor. Mas ainda assim... Aquilo era horrível de se ver. Era algo do qual você apenas queria fechar os olhos e fingir que nada estava acontecendo. Mas não dava certo.
- Hum. - Alyce suspirou, retomando à alavanca, voltando a endireitar a mesma - Já chega. - Sorriu, olhando alguns papéis. - Sim, sim... Tempo certinho - Riu - Dessa vez deu certo, minha querida Lolla. Tempo suficiente para não fritar seu cérebro, e nem para virar uma maníaca inútil depois. Tempo certo para servir à mim. - Falou, tirando o capacete da cabeça dela, com cuidado, o afastando.
Lolla piscou, parada, com os olhos vidrados no teto. Alyce sorriu docemente, se inclinando próximo ao ouvido da garota.
- Vamos, Helena. Levante-se. - Sussurrou.

Tem alguém aí? - Volume 2Onde histórias criam vida. Descubra agora