Capítulo Seis

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O Eleanore era um menu de três pratos que Giovanna Marchesi servia no restaurante da vinícola.

Dois dias depois de ler a carta de Mason, fui até lá sem saber exatamente o que esperar. Em quinze anos de amizade, ele nunca tinha falado muito sobre Port Townsend, a não ser alguns breves comentários sobre a casa, a sala de música com o piano virado para a vista do mar, e a tranquilidade, não sabia nada sobre o que ele fazia efetivamente quando estava aqui.

Já tinha visitado duas vinícolas antes daquela, em dias praticamente iguais a aquele. Claros, limpos, sem uma nuvem no céu. Em todas as vezes, Stormi e seus amigos me levaram para um tour da propriedade, que normalmente acabavam em muitas e muitas garrafas de vinhos e uma baita dor de cabeça no dia seguinte.

Aquele dia, no entanto, era diferente.

No segundo que passei pelas portas da vinícola, Giovanna, a proprietária de setenta e poucos anos que Mason mencionou na carta, me reconheceu. E demorou um minuto inteiro até que ela soltasse do abraço apertado que me deu.

Ela era pequena, mal batia no meu ombro, mas era dura, forte — bem mais forte do que eu era naquele momento. E nos segurou ali, em pé, até recuar por um momento e sussurrar no meu ouvido, com o sotaque italiano tocando cada palavra:

-Há quanto tempo...

-Seis meses. - Respondi, antes que ela precisasse terminar.

Giovanna assentiu, meio fraco, como se estivesse em uma batalha interna consigo mesma para assimilar.

-Como você sabia? - Perguntei.

-Quem você era?

Assenti.

-Ele me mostrava fotos suas toda vez que vinha. Da última vez que veio, prometeu que traria você junto. Ele deveria ter vindo em Abril. É quando sempre vem.

Com lágrimas nos olhos e o coração apertado, consegui sorrir.

-Sinto muito por ele não ter conseguido cumprir a promessa. - Foi a única coisa que disse, porque, sinceramente, não sabia se tinha muito mais o que dizer.

-Ah mas ele cumpriu. - Giovanna disse com um sorriso. - Você está aqui, não está?

Assenti.

-Queria que ele estivesse também.

-E ele está. Mason está em cada cantinho dessa vinícola.

Foi quando ela me mostrou a pedra de que Mason escorregou e abriu a testa quando tinha nove anos. A árvore em que ele costumava subir. As plantações e a bacia em que ele costumava pisar nas uvas para fazer vinho. O banco que ele costumava usar para subir na cozinha quando não tinha altura o suficiente para alcançar a pia e ajudar Giovanna a cozinhar.

Tinham fotos dele espalhadas por toda a casa principal, onde Giovanna morava. Algumas com Jace, outras com Charlotte e Bennett, mas a maior parte delas sozinho. Dava para acompanhar todo o seu crescimento ali. Nas primeiras fotos, ele não devia ter mais que seis ou sete anos. As últimas, de acordo com Giovanna, foram tiradas em Abril do ano passado.

-Eu não tive filhos. - Ela comentou. - E quando o meu marido, Piero, morreu, quase vinte anos atrás, Mason fez de si o mais próximo de um neto que eu poderia ter. Ele passava algumas tardes aqui depois da escola, e vários dias durante o verão. E, mesmo depois, quando eles se mudaram para Nova York, não passou uma semana em que ele não tenha me ligado, nem um mês de Abril que não tenha aparecido aqui. - Giovanna segurou um porta retratos, com uma das fotos mais recentes e a colocou junto ao peito. - Eu sempre soube que seria temporário. Que um dia ele iria embora e não voltaria mais. Essa é a razão pela qual eu tenho todas essas fotos.

-Obrigada por me mostra-las.

-Obrigada por me dar um motivo para olha-las novamente. Ver você aqui me lembra dele.

-Nem sempre é fácil lembrar. - Disse.

-Pode ser solitário, mas nunca é triste. Ele foi uma história muito bonita. Não tem nada de ruim sobre isso. Não deixe ninguém te convencer do contrário.

Saímos da casa nem falar mais uma palavra, voltamos ao restaurante — onde o menu Eleanore estava cuidadosamente embalado em uma cesta de piquenique — e fomos até uma mesa de madeira, afastada do restaurante, no final da plantação de uvas.

Giovanna tirou da cesta todos os meus pratos italianos favoritos: burrata e foccacia para a entrada, risoto de limão siciliano e salmão como prato principal, e tiramissu de sobremesa, tudo acompanhado de um White Zinfandel rosé e duas taças de vidro.

Comemos em silêncio, respirando o ar puro, ouvindo o som dos pássaros cantando à distância. Então, quando tudo já tinha sido colocado de volta na cesta, virei para Giovanna e disse:

-Ele nunca me falou...

-Sobre mim? - Ela completou e eu assenti. - Ele também não falou para Charlotte e Bennett, ou para Jace. Não depois que eles foram para Nova York.

-Por quê?

Ela deu de ombros.

-Todas as vezes em que veio aqui, ele chegou... Quebrado. Acho que essa é a palavra mais adequada. Ele foi o menino mais forte que eu já conheci, mas às vezes era pesado demais pra suportar, entende? E aqui era o lugar que ele podia sentir tudo isso, e poderia se consertar de novo.

-Ele falava sobre mim? - Perguntei, e isso rendeu um sorriso de ponta a ponta em seus lábios.

-O tempo todo. - Ela disse. - Ele realmente te amava.

Suspirei.

-Ele mentiu. Sobre a doença, sobre Jace... Sobre tudo.

Ela assentiu.

-É, mentiu. Ele queria te proteger. E, de certa forma, acho que queria se proteger também. Você, assim como Port Townsend e essa vinícola, eram o que faziam dele forte. O que lhe dava motivos para continuar lutando. - Giovanna estendeu a mão e apertou a minha. - Foi uma luta muito difícil. Talvez nada disso justifique o que você deve estar sentindo agora, mas espero que seja um começo. Em algum momento, você vai precisar seguir em frente com a sua vida, Eleanor, e não vai conseguir fazer isso se não perdoa-lo.

Quando Mason morreu, todo mundo me disse que eu precisava continuar vivendo, seguir em frente e essa coisa toda. Ninguém nunca disse como. E por muito tempo, pensei que Port Townsend fosse a resposta, que fosse uma pausa, um tempo para melhorar, deixar que tudo o que aconteceu cicatrizasse em mim. Ainda assim, aqui estava eu, seis meses depois, nem um pouco melhor do que estava no dia em que deixei Nova York.

Foi só então que percebi que não importava o quanto tempo eu passasse aqui, o quanto me escondesse de tudo o que deixei para trás, ou o quanto me esforçasse para não me sufocar com as lembranças dele, e da falta que eu sentia.

No final, Stormi e Giovanna estavam certas.

Não da pra fugir para sempre.

Seguir em frente exige perdão.

Então eu fui embora.

Três dias depois, Stormi e eu entramos em um avião sem olhar para trás. E pela primeira vez em muito tempo, ir embora não pareceu uma fuga, mas um novo começo.

Era bom e aterrorizante, o sentimento agridoce de voltar para casa, mas deixar um lugar que, sob todos os aspectos, pareceu uma casa também.

E era o que eu precisava agora. 

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