Eu estava deitada na minha cama. Sonhando ou delirando com qualquer coisa que envolvesse colares e bolos, mas parecia algo mais barulhento.
Acho que estava mais próximo de ser um delírio, pois quando acordei não estava me sentindo muito bem.Mas quando acordei de verdade, percebi porque acordei tão pertubada.
A barulheira, o zumbido de gritaria era real e insuportável. A porta do meu quarto estava escancarada e os gritos finos de Beatrice e da minha mãe ecoavam pelo corredor, assim como os gritos roucos, grossos e bêbados do meu pai.
Eu estava tonta de sono, mas mesmo assim cambaleei até a porta. Ouvi, mais ou menos, coisas como "me deixa em paz" e "você está se destruindo". Coisas típicas, que estou acostumada á ouvir sempre nessas discussões.
Beatrice estava perto da porta do nosso quarto. Toda descabelada e vermelha, lágrimas grossas escorriam pelo seu rosto marcado por desespero. Acho que ela nem percebia que estava gritando e soluçando.
Eu a puxei para trás, carinhosamente, e emergi no corredor. Os meus pais estavam perto da porta do quarto deles. A minha mãe apontava o dedo na cara do meu pai, quase tocando-lhe o nariz, e então, nesse exato instante, ele ergueu o punho e desceu-lhe no rosto com tamanha brutalidade que me chocou.
Eu berrei quase que automaticamente por Harry. Em algum lugar na minha cabeça, eu me lembrava de que ele estava ali. De que não estava completamente desamparada nessa situação.
Corri para os meus pais quando vi a minha mãe cair no chão e o meu pai erguer o punho novamente. Gritei e gritei pelo Harry.
E quando ele apareceu no corredor apenas de calças de moletom, o meu pai tentava golpear mais uma vez, e eu tentava ajudar a minha mãe á se levantar. Sem entrar na frente do meu pai, não sei o que faria se isso acontecesse. Talvez o odiaria para sempre.
Eu não ouvia nada á não ser gritos, o meu próprio choro e os soluços altos de Beatrice. E era o inferno para mim.
Harry chegou por trás do meu pai e o prendeu. Segurou, com dificuldade, dois braços descontrolados atrás das costas e o afastou dali para a escada dizendo coisas como "ela é sua esposa".
Foi com dificuldade que ele conseguiu acalmar a fera e a gritaria cessou. Eu estava aliviada por Harry ter sido forte o bastante para conseguir afastá-lo.Me agachei ao lado da minha mãe, assim como Beatrice, e a ajudei a levantar.
A lateral do seu rosto estava vermelha, e o seu olho direito estava inchando assustadoramente rápido. Eu não tinha dúvidas de que ia ser um hematoma no dia seguinte.
Beatrice chorava copiosamente em cima da minha mãe, enquanto esta acariciava os seus cabelos loiros, mesmo que, provavelmente, não conseguisse enxergar direito de um olho. Ambos os olhos castanhos da minha pobre mãe estavam cheios de lágrimas.
Isto doeu mais que tudo.Eu tinha certeza de que, assim como eu, Beatrice também sentiu uma dor profunda e aguda por ver a nossa mãe nesse estado. A dor da incapacidade de fazer algo por alguém que se ama, a dor da incapacidade de fazer algo pela pessoa que mais se ama no mundo.
- Pode achar uma pomada e lencinhos, por favor, querida? - a minha mãe pediu e eu apenas assenti e sai correndo para o banheiro á procura das coisas.
As minhas mãos tremiam e eu não consegui sequer abrir as gavetas. Pousei as mãos na pia e abaixei a cabeça, respirei fundo, tentando focar.
Não tem mais Lucas ou Alice para fazer isso, eu sou a responsável agora. E estou apavorada.
Sequei as lágrimas que dificultavam a minha visão e encontrei lencinhos higiênicos, pomada e curativos.
Levei tudo para o quarto dos meus pais, onde a minha mãe estava sentada com Beatrice na beira da sua cama.
- Está tudo bem. Calma. - minha mãe disse para ela, mas Beatrice não parava de soluçar.
Era triste ver a alegre Beatrice naquele estado. Beatrice que sempre foi a mais forte de nós, por ser a mais nova e consequentemente a que menos entendia a seriedade do problema. Agora ela é inteligente demais para se proteger da horrível realidade:
Meu pai é um covarde.
Minha mãe é tratada como nenhuma mulher deveria ser tratada.
- Aqui mãe. - mostrei-lhe os curativos.
Cuidei da minha mãe como via Alice fazer quando eu era pequena o suficiente para estar como Beatrice, enganchada em um dos lados da minha mãe, chorando como um bebê.
Tentei me manter firme e forte. No entanto algumas lágrimas escapavam enquanto eu aplicava-lhe pomada e prensava curativos no rosto ferido da minha mãe. Ela não tentou me consolar, nós duas sabemos que não adianta.
Quando acabei meu rosto estava seco. Estava orgulhosa de mim por isso, não havia me desesperado tanto. Tinha feito o que era para ser feito.
Mas me sentia pior do que nunca por dentro. Sentia que não tinha qualquer controle sobre mim, sobre meus sentimentos e sobre a situação.
As pessoas com quem mais me importo no mundo estão machucadas e chorando, e eu não posso fazer nada á não ser me sentir igualmente destruída.
Quando saí do quarto me encostei a porta por um momento, respirei fundo e fiz um favor a mim mesma, permiti que algumas lágrimas rolassem.
***
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Prisoners - h.s
FanfictionEm um mundo onde todos vivem oprimidos por padrões, pessoas diferentes se sentem erradas. Em um mundo onde você precisa ser igual a todo mundo para ser aceito, existem pessoas como Liz Gray; oprimida por suas próprias inseguranças, vivendo nas sombr...