O Covil

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Antes de se mudar para o apartamento, Max morava com sua tia Amélia, e seus 17 gatos, numa casa de 3 cômodos na comunidade do Salgueiro em São Gonçalo, há cerca de 40 km de distância da faculdade. Gastava muito tempo e dinheiro, da sua gentil tia, para se deslocar de ônibus. Pensou, mais de uma vez, em abandonar o curso. Passou o primeiro ano faltando o máximo de aulas que podia, para economizar na passagem. Levava sua marmita com as sobras da janta do dia anterior e se não tivesse essa opção, passava fome ou comia um salgado na pastelaria chinesa. Era tudo muito apertado, mas ele sabia que aquela era a sua única chance de mudar de vida.

Enxergou uma oportunidade quando, numa sexta feira, ainda no primeiro semestre, o professor de bioquímica, Jair Pardal, um idoso alto e elegante, sempre de terno italiano e com um bafo de whisky inconfundível, distribuiu um artigo científico em inglês para cada aluno e pediu um resumo crítico com 1000 palavras para a semana seguinte. Mais da metade da turma se desesperou, mas não Max, ele sempre foi bom em línguas. Só de escutar uma música ou assistir a um filme legendado, adquiria uma certa fluência. Seria uma tarefa banal. Acho que consigo traduzir mais 3. Naquele mesmo dia ofereceu seus serviços no Orkut da turma e pegou 13 artigos para traduzir. Terminou em 3 dias. Ininterruptos. Concentração também era seu ponto forte.

O dinheiro que começou a entrar serviu para garantir uma certa independência financeira, visto que outros trabalhos foram surgindo ao longo daquele ano. Em um bom mês, tirava 300 reais. Tirava mais 300 com os bicos que pegava, aos sábados, como ajudante do seu Manel, pedreiro e vizinho da sua tia. Suficiente para não precisar mais faltar as aulas e se alimentar com alguma dignidade nos dias em que lhe faltasse a marmita. Melhorou suas notas e começou a se sentir parte do cotidiano acadêmico.

Em um certo intervalo, no almoço, teve a chance de observar melhor a sua turma da faculdade. Os nichos padrões dos filmes americanos. As patricinhas, com seus cabelos lisos dourados, dentes perfeitos e carros importados. Os Playboys, donos de veículos esportivos e de corpos malhados, sempre usando as melhores roupas do momento. Os atletas, viciados em disputas intercolegiais e gritos de guerra. Os Nerds, que se subdividiam em duas categorias: Imbecis, que só falavam ou pensavam em coisas da faculdade, e Gueeks, que só falavam ou pensavam em quadrinhos, séries e filmes de heróis.

Preciso de alguém pra fazer dupla no laboratório de histologia. Max não se encaixava em nenhum grupo. Era o único pobre e pé-rapado dali, apesar de a universidade ser pública. Usava roupas antigas que adquiriu em bazares ou ganhara de alguém. Não se interessava por cultura pop e nem tinha um perfil atlético, mesmo tendo boas habilidades na capoeira. O único aluno que parecia se encaixar em seu jeito, ou melhor, não se encaixar naqueles esteriótipos, era o que chamavam de Jesus. Branquelo magro e alto, com umas roupas coloridas sem grife e cabelo loiro escuro vergonhosamente grande e cacheado. Ostentava olhos verdes bem claros e arregalados, como se estivesse sempre curioso. Estava mais deslocado depois da confusão em que se metera na semana anterior. Algo sobre um acesso de raiva após a eliminação do Brasil da copa. Espancou, até quase matar, um aluno que usava camisa da França no dia do jogo. O rapaz não prestou queixa, mas parece que ficou bem machucado.

Após o incidente, Jesus sempre almoçava sozinho, sentado no canto da escada que dava acesso ao CCS (Centro de Ciências da Saúde), um prédio de 3 andares, onde se encontravam os laboratórios da UFRJ. Diversos quiosques com cadeiras e mesas sempre cheias formavam um corredor que antecedia a entrada. Preferia ficar afastado. Max se viu curioso com o rapaz que fitava o horizonte há 20 minutos e forçou uma aproximação:

- Está mais chapado que o normal hein - murmurou enquanto sentava no degrau ao lado.

- Trocaram meus remédios, mas esse não me causa mais constipação. Fico mais excitado que o normal, mas isso não chega a ser ruim - respondeu inocentemente. Max gostou. Ele está realmente chapado. Segurou o riso:

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora