Após a mudança repentina para o Covil, Max começou a ter mais tempo para se dedicar à vida acadêmica. Suas notas melhoraram exponencialmente em relação ao primeiro semestre. Tinha mais tempo para estudar, visto que agora morava ha apenas duas quadras da UFRJ, além de ter os livros, quase intocados, e as anotações milagrosas do Jesus para consultar. Suas finanças também melhoraram. Pagava as contas e a comida. Contratou um plano mensal para o celular. Sobrava até para um chopp de vez em quando.
Traduzia cerca de 5 artigos ou textos por semana. Já não eram apenas científicos ou em inglês. Andava lendo filosofia e baboseiras históricas. Ganhou um bom espaço nos cursos de humanas após ter saído com uma menina do Serviço Social que lhe indicou para uns trabalhos em francês. Demorou quase 3 dias para parar de consultar o dicionário, mas até que gostou dos textos. Aliás, Jesus o levou para algumas reuniões com o pessoal alternativo que ele costumava andar. Quase sempre ficava calado no sofá enquanto observava as conversas cheias de histórias engraçadas sobre lugares legais. Ele mesmo não tinha muito o que contar, mas não ligava. Nunca esteve tão tranquilo na vida. Quase dava pra esquecer o abandono da mãe, o pai que lhe surrava e o cheiro de urina de gato no sofá da sua tia maluca.
A dupla com Jesus rendeu um 10 em histologia e um ótimo terceiro semestre. Não só isso. Seu raciocínio rápido e capacidade de aprendizado começaram a chamar atenção dos doscentes. Ao final do período, o Professor Jair, de bioquímica, mais conhecido como Pardal, lhe ofereceu uma vaga de iniciação científica em seu laboratório de Pesquisas patológicas. Era uma oportunidade única. Posição geralmente ocupada por alunos do sexto ano, bem mais experientes. Max aceitou prontamente. Os 400 reais da bolsa permitiriam que o rapaz parasse de trabalhar como ajudante de pedreiro aos finais de semana.
Na primeira segunda feira de julho, inicio das férias dos alunos, Pardal esperava pensativo enquanto bebia um whisky, triste, em sua sala do laboratório, que ficava no subsolo do CCS. As oito da manha ainda não havia ninguém nas bancadas. O Branco dos azulejos e a ausência de janelas trazia certa frieza ao local, mas ele até gostava. Tinha dormido ali mesmo, aliás, fazia semanas que não saia do campus. Pra quê? O trânsito do Rio estava sempre caótico e em seu apartamento em Copacabana não havia ninguém esperando.
Devo estar alucinando. Pensou ao ouvir a campainha da porta principal. Seus alunos costumavam chegar as 9. E todos tinham a senha de acesso. O professor checou a câmera externa pelo computador de sua mesa e sorriu. Isso será interessante.
O jovem Maximiliano entrou por aquela porta como se estivesse em um parque de diversões. O laboratório era amplo, 300 metros quadrados, com cerca de 6 bancadas de mármore branco com uns 3 metros cada, dispostas paralelamente. Podia identificar toda espécie de aparelhos ali. Leu em algum artigo que traduziu sobre aquela marca de PCR e também sobre aquele espectrofotômetro. Das outras máquinas ali dispostas ele sequer imaginava a função. As prateleiras superorganizadas exibiam reagentes diversos. Era um mundo novo e estava ansioso para começar a explorar.
— Quando me ofereceram um laboratório eu pensei em algo menor.
Max soltou um gritinho constrangedor e assustado ao ouvir a voz do homem por detrás de sua cabeça:
— Professor. Não te vi chegando.
— Eu também fiquei bobo ao entrar aqui pela primeira vez. A maioria destes aparelhos eu só havia lido sobre a existência — deu um pequeno sorriso e se virou para Max lentamente — ou visto em filmes — sussurrou em seu ouvido. Ambos riram, apesar de não ter tido muita graça.
Max sentiu o cheiro de bebida que vinha do orientador, mas não ligou:
— Já li vários trabalhos do senhor. Fiquei impressionado com a sua linha de inibição de proteases de criptococos com antirretrovirais já aprovados pela ANVISA. Eu nem imaginava que desse pra usar esses medicamentos em outras doenças. — Max estava visivelmente eufórico enquanto o professor apenas sorria. Será que falei demais?
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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite Interminável
Science FictionDo outro lado do mundo, uma doença que transforma seres humanos em canibais ferozes percorre um sangrento caminho ao encontro do jovem Maximiliano, um brilhante estudante de medicina, que tenta sobreviver no limite da lei. Seria ele capaz de conter...