Fuga

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O BurguerKing do aeroporto internacional do Galeão estava relativamente cheio, mas Nora não ligava. Esperou quase 30 minutos pra pegar o seu hambúrguer grelhado com cebolas fritas. Ela adorava aquele tipo de lanche americano e encarava qualquer fila pra se deliciar com aquele milagre gastronômico. Sentada sozinha na mesa do canto, a mercenária russa se lambuzava com o molho barbecue e já acumulava uma pequena pilha de papéis tolha a sua frente. 

    Não tinha o hábito de sair da dieta daquela forma, mas tinha que comemorar mais uma missão bem-sucedida. Um milhão de euros já haviam sido depositados em sua gorda conta na Suíça e ela poderia passar mais um longo período fora de campo. O fragmento estava guardado numa localização que revelaria ao contratante, assim que estivesse fora do país. A passagem para Cuba já estava comprada. Só saia um voo por semana, mas ela não tinha pressa nenhuma. Era incrível como a corrupção de um país socialista permitia acolher qualquer pessoa com dinheiro pra gastar. Lembrava a Mãe Rússia em seus tempos áureos. Nora era realmente boa no que fazia, mas já era tempo de se aposentar. Não queria passar a vida toda matando pessoas e roubando coisas. Chegou a hora de ter uma vida de verdade e aquela grana serviria pra ajudar a recomeçar. 

    — Novas informações sobre o incidente no Instituto Nacional de Oncologia e Pesquisa — Nora ouviu a televisão dizer, enquanto catucava os dentes. Achou melhor prestar atenção — A Polícia Federal divulgou a todos os veículos de comunicação uma foto do que dizem ser a principal suspeita do atentado terrorista. — parou de comer e se levantou para assistir a televisão mais de perto. Apesar de a lanchonete estar lotada, parecia que apenas ela estava prestando atenção no noticiário. Era a foto dela na televisão. Iam passando as variações de possíveis cabelos e até mesmo uma com barba e bigode. Mas como? Tenho certeza de que me escondi de todas as câmeras — Segundo ordens da Polícia Federal, todos os voos nacionais e internacionais estão cancelados até segunda ordem.

    Nora estava desesperada pela primeira vez na vida. Em mais de 30 anos de trabalho ela nunca havia sido exposta desta maneira. Sua identidade real era limpa e livre de acusações. Nenhuma agência do mundo tinha fotografias ou associava uma imagem sua a alguma das centenas de crimes que cometera. Seu voo sairia em meia hora, mas agora tinha certeza de que seria cancelado. Tenho que arrumar um jeito de sair deste país. Sabia que as fronteiras com os países do Mercosul eram frágeis. Resolveu sair pelo Acre. Viu pelo celular que o próximo ônibus era só pro dia seguinte. Mato Grosso do Sul. Resolveu sair, então, pela Bolívia. O próximo ônibus pra Ladário, cidade limite do Brasil com a antiga colônia espanhola, sairia da Rodoviária Novo-Rio em 40 minutos. Comprou a passagem online e saiu do aeroporto tentando não ser notada. O sol já dava os primeiros sinais de vida no céu do Rio de Janeiro.

    — Me leva pra Rodoviária Novo-Rio — pediu ao taxista branco e gordo, com correntes de ouro expostas no peito assim que chegou na saída do desembarque.

    — É Duzento real, senhora — O homem respondeu com um sotaque carioca carregado, enquanto abria a mala do carro antigo.

    — Te dou Quinhentos se você chegar em menos de 30 minutos.

    — Opa. — sorriu satisfeito — A senhora é quem manda.   

    O táxi percorreu as vias principais em poucos minutos. Era uma manhã de segunda de feriado e não tinham muitos carros na rua para engarrafar o trânsito. O motorista tentou puxar assunto algumas vezes, mas Nora estava concentrada no celular. Comprava a passagem do voo de Santa Cruz para Cuba. Viu também que poderia pegar uma trem de Porto Quijarro, no pantanal boliviano, para Santa Cruz. Ninguém a procuraria nesses meios. 

    Correu para pegar a passagem e ter tempo de comprar alguns lanches em uma das várias lojas da rodoviária. Não pretendia sair do ônibus em nenhuma das 60 horas de viagem. Demorou alguns minutos para perceber a mulher morena, de cabelos escovados e vestido azul-escuro, que a seguia desde que entrou no aeroporto. Eles foram rápidos. Driblou a multidão e entrou no banheiro masculino rapidamente.

    Quando a mulher de azul entrou no banheiro vazio, a primeira coisa que fez foi ligar as torneiras e trancar a porta. Queria alguma coisa que distraísse o som de seus passos. Abaixou para verificar se haviam pés por de baixo das portas dos sanitários e viu que estavam vazios. Não podia desistir. Sacou a sua arma e se posicionou a frente da primeira porta. Deu um chute para abri-la. Nada. Fez o mesmo na segunda e na terceira. Nada. Agora restava a última porta. Posicionou a 9 milímetros em direção a porta e chutou com toda a sua força. Também nada. Não restavam muitas opções naquele lugar. Apenas a lixeira verde era capaz de esconder uma pessoa. A assassina se aproximou com sua arma em punhos e abriu a tampa em um único movimento. Apenas lixo. Nem percebeu que Nora já havia saído do seu esconderijo, no vão formado pelo mármore dos lavatórios, e se aproximava dela. A mercenária havia permanecido ali, suspensa pela força de seus braços, na espera de uma desistência ou de uma oportunidade de atacar. Venceu a segunda opção. Caminhou com cuidado e cravou uma caneta esferográfica no pescoço da rival. Ela não teve chance de se defender. Em segundos já estava morta. 

    Nora vasculhou os bolsos da mulher e pegou o seu celular. Ao apertar o botão, surgiu uma tela que pedia um padrão de deslizamento de dedos. Antes que pudesse pegar o seu spray para descobrir a senha da inimiga, o aparelho recebeu uma ligação de um número restrito. A mercenária atendeu sem falar nada:

    — Já está feito? — Uma voz eletrônica perguntou em inglês.

    — Eu espero que vocês enviem agentes mais habilidosos da próxima vez — Nora respondeu na mesma língua.

    — Eu não esperava menos de você Agente Zakarov — replicou — mas saiba que não pararemos até que você morra.

    — Eu posso morrer se isso te agradar.

    — Você tem 48 horas. — fez uma pausa — E leve o garoto contigo.

    — Que garoto?

    — O que sobreviveu. Está melhorando e nós o queremos morto. Livre-se dele e de você mesma, e nós te deixaremos viver em paz na sua aposentadoria. — O telefone ficou mudo.

 — O telefone ficou mudo

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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora