Round

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 O hospital Evandro Chagas é uma das grandes referências em epidemiologia e infectologia no Brasil e no mundo. É responsável pelo atendimento de mais de dez mil doentes por mês, de todas as partes do país. Fica localizado no perigoso bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, dentro dos domínios da Fundação Osvaldo Cruz, que é, sem dúvidas, um dos maiores, e mais confiáveis, centro de pesquisas infectológicas da atualidade. Doutor Carlos, médico e pesquisador, era o chefe da microbiologia há mais de 20 anos e sempre se gabou de nunca ter errado um diagnóstico sequer na vida.

— Este paciente aqui tem múltiplas lesões pelo corpo, a pior na região temporal direita, e foi encontrado com vida, após o incidente de ontem no INOP — apontou, pelo lado de fora do vidro, para o jovem entubado no leito de CTI do isolamento — Os exames preliminares apontam uma insuficiência hepática de origem indeterminada, que vem piorando nas últimas horas. Teve duas paradas cardíacas no caminho pra cá e, desde então, vem sobrevivendo por respiração mecânica e doses altas de noradrenalina pra manter seu coração batendo. Os rins começaram a falhar e provavelmente precisaremos fazer uma hemodiálise também. Os testes deram negativo para hepatites virais, toxoplasmose e a maioria das doenças conhecidas.

Uma das residentes que assistia a aula prática levantou a mão direita para fazer uma pergunta. O professor fez uma pausa e confirmou com a cabeça para autorizar o questionamento.

— Professor, se o paciente negativou todos os testes porque ainda está no isolamento? Não poderia ir para um leito normal de CTI?

— Muito boa a sua pergunta — meneou a cabeça em afirmação — O problema é que estamos lidando com uma doença desconhecida. Enquanto não descobrirmos uma forma eficaz de diagnosticar ou descartar, esse paciente deve continuar em isolamento total.

— É verdade que ele matou mais de 50 zumbis? — um interno jovem, ainda com espinhas no rosto, perguntou animadamente. Um burburinho baixo tomou conta da sala de observação. Todo mundo estava curioso com o caso que viram nas manchetes de todos os canais de televisão. Não era a toa que todos os 6 residentes se prontificaram a estar no hospital num domingo de feriado.

— Infelizmente eu não posso dar informações sobre o caso policial — o professor interrompeu o falatório — mas com relação ao quadro médico, alguém poderia me informar o porque da piora do hematoma cerebral?

Um silêncio se instaurou na pequena saleta.

— Ninguém quer falar? — sorriu irônico — alguém? — meneou a cabeça em negação — Vocês são péssimos.

O homem baixo, de jaleco encardido e cabelos por pentear, continuou caminhando, sendo seguido de perto por seus alunos, para o outro quarto de isolamento, que ficava exatamente ao lado do que o rapaz moribundo ocupava. A sala de observação era exatamente igual a anterior, sem janelas e com um vidro que servia como uma espécie de bolha para que os pacientes fossem vistos sem que os profissionais precisassem estar no mesmo ambiente que eles.

— Aqui temos o espécime capturado vivo — apontou para a criatura acorrentada a cama. Era um homem negro, alto e de cabelos afro, tipo blackpower. Os olhos com escleras vermelhas e sangue escorrendo. Todos os residentes ficaram com uma expressão de pavor nos seus rostos. Carlos sorriu — O professor Franklin está analisando as amostras no laboratório dele, lá na UFRJ, mas já podemos adiantar que ele sofre de uma forma superavançada de neurotoxoplasmose. A transmissão é pela mordida, mas parece que não sente necessidade de se alimentar. A tomografia mostra calcificações difusas em todo cérebro e hiperplasia da região frontal. As taxas sanguíneas são impressionantes. Células de defesa foram aumentadas em 50 vezes, atingindo níveis que seriam incompatíveis com a vida. A taxa de regeneração celular é praticamente a de um embrião. Isso sem falar na força desses caras.

— Então ele não está morto? — alguém perguntou sem que o Professor chegasse a identificar.

— Morto? — riu, balançando a cabeça — Esse cara está mais vivo que todos nós juntos. Tudo nele funciona mais e melhor que em nós. Precisamos descobrir toda informação possível, e impossível, se quisermos ter alguma chance numa epidemia contra essas coisas.

A última frase caiu como uma bomba sobre o grupo. Todos sabiam que uma epidemia poderia significar o fim da raça humana.

 Todos sabiam que uma epidemia poderia significar o fim da raça humana

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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora