Uma Noite Normal

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 Assim que Max chegou ao sexto andar, onde ficava o estar médico, percebeu um estranho silêncio no corredor que se apresentou assim que a porta do elevador se abriu. Duas portas duplas vermelhas, destas que abrem para os dois lados, quebravam a monotonia da imensa parede branca e lisa a sua direita, uma perto de onde estava e outra no final do corredor. Um grande número 7, do que parecia um vidro ou acrílico vermelho, na parede, identificava a enfermaria. A outra porta certamente teria um 8, imaginou o rapaz. Caminhou até meio do corredor prestando atenção no grande espelho que se estendia por toda a parede esquerda até onde surgia um novo caminho transversal. Uma placa indicava que o estar médico, local onde os plantonistas repousavam quando não havia uma emergência, era por ali. Não viu nenhum enfermeiro, médico ou paciente por todo aquele trajeto até a porta de madeira com os dizeres: ESTAR II

O hospital estava vazio. Os médicos da rotina liberaram grande parte dos pacientes menos graves para que pudessem passar o feriado prolongado com suas famílias. Só ficaram os pacientes mais críticos ou que dependessem de algum suporte especial, como oxigênio ou hemodiálise. O corpo de funcionários também foi bem reduzido. Uma espécie de esquema geral, e ilegal, de folgas. Dos 6 médicos que geralmente davam plantão, apenas 4 estavam lá. 3 mais eu—pensou Max enquanto carolina, uma das médicas daquela noite, lhe explicava como as coisas funcionavam ali. O restante do pessoal era: 1 enfermeira, 5 técnicos de enfermagem, 1 fisioterapeuta, além dos 2 maqueiros, 1 técnico em radiologia e técnico de laboratório.

— se precisarmos, podemos chamar os especialistas de sobreaviso — completou a jovem de olhos castanhos e pele morena com marcas de acne. — tem cardiologista, neurologista, nefro, ortopedista e Cirurgião geral. O radiologista nos atende online, se tivermos dúvida em algum exame de imagem. — a menina parou pra pensar se estava esquecendo de alguma coisa — acho que é só isso. Qual é o seu nome mesmo?

— Paulo — Max mentiu para não ter de inventar algo sobre o carimbo que carregava — estou cobrindo o João hoje.

— Beleza. O joão costuma ficar com o sétimo andar. Geralmente passamos uma visita, vendo se os pacientes estão bem ou se vão precisar de algum ajuste nas medicações e depois ficamos aqui no estar. A enfermagem nos chama caso ocorra alguma urgência.

Max deixou seus pertences em cima de uma das camas vazias da sala dos médicos, que era ampla e dividida em dois ambientes: um quarto com 4 beliches de madeira, devidamente arrumadas e com roupas de cama brancas com o logotipo do hospital, e uma salinha de estar com mesa, copa, sofás pretos e televisão. Uma grande vidraça na parede dava visão de quem chegava do elevador, era um espelho falso. Cumprimentou um senhor de idade careca e bem gordo chamado Olívio, que estava lendo calmamente uma revista Veja enquanto comia um sanduíche de mortadela no sofá, e também conheceu o Caio, um rapaz negro de cabelo black e óculos fundo de garrafa, o quarto membro da equipe médica daquela noite.

— vamos pedir uma pizza— o gordo falou ainda de boca cheia — quer entrar no rateio?

Max lembrou que estava com muita fome. Tirou uma nota de 20 reais e entregou para o gordo:

— se der mais você me avisa.

Checou as horas antes de apertar o botão do elevador: eram quase 20 horas. A porta abriu e Max viu o primeiro ser vivo do hospital naquela noite, uma mulher branca e ruiva, cabelos longos, de uns 45 anos bem conservados, calça cinza, blusa bege e jaleco branco por cima da roupa. Devia ser médica, pois só os médicos usavam jaleco branco naquele lugar. Todos os outros funcionários usavam roupões, cada um com uma cor específica para a sua função. A mulher o encarou com uma cara assustada, mas depois se acalmou e sorriu. Max Percebeu uma mancha preta comprida, linear e pontilhada na barra de sua calça. Os olhos eram verdes, mas se tratava de lentes de contato. Via os olhos de jesus todos os dias, sabia o que era um verde natural. Pode ser que estivesse usando peruca, agora que olhou bem.

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora