Ascensão

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 — Isso tudo é ridículo — Carolina resmungou assim que entramos no estar.

Verificamos os pacientes do andar e vimos que estavam bem. Eram apenas 2, por isso Caio deve ter subido ao oitavo para adiantar as coisas. Coloquei um carrinho de limpeza na porta da escadaria para travar a maçaneta, já que não tinha tranca. Por mais estranho que parecesse, o hospital parecia ter entrado em uma espécie de quarentena, sei lá. As janelas que davam pro exterior estavam cobertas por uma proteção de aço, que não estava ali antes, que não nos deixava mais ver o exterior do prédio.

— por mais que seja ridículo, precisamos ficar calmos e quietos até o socorro chegar — falei enquanto checava o telefone fixo, ainda mudo. Celulares sem área —droga.

A sala estava vazia quando sentamos no sofá. Olívio também teria saído? Vasculhei o cômodo com os olhos antes de perguntar a Carol:

— Onde está o Olívio?

— O coitado deve estar no banheiro — respondeu sem animação — parece que no meio dessa história toda o cara ainda pegou uma gastroenterite. Tá vomitando e evacuando há um tempão.

Olhei para o relógio e vi que já eram 00:49. Um barulho alto de gases sendo liberados veio do banheiro, precedido de um gemido de alívio. Eu não cheguei a sentir nenhum cheiro, mas Carol fez cara de nojo e tapou as narinas. Mais duas rajadas puderam ser escutadas, antes do silêncio. Carol ficava me encarando como se eu tivesse que fazer algo naquele momento. Mas na minha cabeça não vinha nada. Apenas o instinto de sobrevivência mandando ficar ali até tudo aquilo passar.

Foi ela quem quebrou a tensão:

— Você tem certeza do que viu?— meneou a cabeça negativamente — pode ser alguma doença e aquelas pessoas precisam da nossa ajuda — Levantou-se empolgada — as vezes a mulher correu atrás de você pra que a ajudasse e você pensou que estava te atacando.

— olha menina — falei com firmeza — eu sei quando alguém me ataca e quando pede ajuda. Aquela menina, a Pietra, não conseguia nem respirar sozinha e agora está correndo igual a um velocista. Não sou o melhor médico do mundo, mas acho que não existe uma doença no planeta capaz de fazer esse tipo de milagre.

Carol se calou e por alguns instantes só era possível ouvir os sons de gemidos que vinham do banheiro. Percebi o cheiro do qual Carol se protegia tanto. Um fedor horroroso tomou conta do lugar. Que nojento.

— Você está bem? — perguntei pela porta, tentando não inalar aquele gás mortal — precisa de alguma coisa?

— Não — gemeu mais do que falou — foi essa porra dessa pizza. Cheia de óleo. Tenho mais é que cagar pra botar pra fora.

Eu concordava com ele, em parte. Aquela pizza ali da Central era muito gordurosa mesmo. Pensando bem, passado o susto, ele também não estava se sentindo muito confortável depois de ter comido aquela gororoba. Nada que se comparasse ao estado de Olívio, mas certamente teria de usar o banheiro em alguma hora, se restasse algum banheiro depois do gordo sair.

— Se não é uma doença — recomeçou Carol, deitada no sofá, sem nem olhar pra mim — o que causaria essas alterações nas pessoas?

— Uma histeria coletiva, talvez? — arrisquei — mas não explicaria a Pietra correndo daquela forma.

— Será que alguém por engano trocou a medicação a ponto de criar alucinações? A adrenalina faz o indivíduo pirar. Alguém muito drogado poderia fazer um esforço sobre-humano por alguns instantes.

Pela primeira vez eu estava concordando com a teoria da Carol. Uma droga poderosa mal administrada poderia fazer um efeito daqueles. Eu deveria ter pensado naquilo antes: Testosterona, Cocaína e uma série de Dopings poderiam causar algo semelhante. Eu traduzi um artigo de um rapaz da educação física que falava justamente disso: Efeitos de relaxamento extremo, perda de consciência e até canibalismo. Meu Deus, eu tinha batido na Carla e ela só precisava da minha ajuda. Será que ela estava bem?

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora