Camila olhava ansiosa para aquela calçada, tal como uma criança esperando um pedaço de bolo numa festa infantil. Esticava o pescoço, atenta, a cada vez que via uma silhueta saindo do prédio. Não é ele. Era impossível esconder a sua tristeza a cada frustração que sofria dentro daquele táxi imundo.
— A senhora tem certeza que é aqui? — o taxista gordo, de pele rosada e cheiro azedo, perguntou pela milésima vez. Era, provavelmente, impaciência, mas enquanto o taxímetro estivesse ligado, não poderia reclamar. Já marcava quase 60 reais.
— Claro que tenho — respondeu ríspida.
Teve de mentir muito bem por aquela informação, mas tinha certeza de que seu pai não desconfiara de suas intenções. Disse que só queria detalhes sobre a prisão daquele delinquentezinho que estudava com ela, e que era um absurdo ter de conviver com aquele tipo de gente. Doeu profundamente falar aquelas coisas, mas era o único jeito de conseguir tirar algo de Ricardo Conteu, o Deputado Federal, e seu progenitor (nas horas vagas), sem levantar suspeitas. Passou quase trinta minutos escutando sobre como a segurança pública melhoraria e que não deixaria qualquer pessoa ter acesso à universidade quando fosse governador. Definitivamente, não votarei nesse cara. Pensou enquanto sorria e assentia com a cabeça a cada afirmação preconceituosa que saía da boca daquele homem.
Pegou um táxi na manhã seguinte e pediu para que o motorista a levasse até a carceragem da Polícia Federal, na praça Mauá, bem no miolo da região comercial do Rio de Janeiro. Ele olhou com certa desconfiança, mas não comentou o pedido inusitado. Devia estar cansado de levar meninas para pegar seus parceiros na prisão. Camila sabia, segundo as informações do pai, que Max sairia as 9 horas. O plano em sua cabeça seria esperar por ele do lado de fora e levá-lo pra algum lugar onde pudessem conversar. Tinha de pedir desculpas pela sua ausência naquele período difícil. Não o visitara no hospital e nem na carceragem. Ele entenderia. Tinha que entender. Não podia ser vista visitando alguém que estava sendo acusado por aquelas atrocidades que vira na televisão. Seu pai a mataria se soubesse que estavam juntos. Ainda estamos juntos? Suspirou fundo, querendo que aquele sentimento fosse embora.
Os pensamentos estavam tão longe que a garota quase não percebeu um velho carro preto estacionando exatamente na frente do prédio que vigiava, bloqueando parcialmente a sua visão da porta principal.
— Droga — deixou escapar.
— A Senhora quer que eu chegue mais perto?
Antes que pudesse responder, seu coração pareceu se contrair em dor. A garganta não funcionava mais. Era ele. Ela podia ver seu amado saindo do prédio e sendo abraçado por outra pessoa que não era ela. Era Jesus, seu colega de classe, junto a um outro homem, mais velho, com uns quarenta e poucos anos de idade. Conversaram rapidamente e então entraram naquela lata velha. Camila não sabia o que fazer. Seu plano foi completamente por água abaixo. O carro preto arrancou e já se afastava da calçada.
— Segue aquele carro — falou fracamente, quase sussurrando.
— A senhora falou alguma coisa? — o motorista perguntou sem nem olhar pra trás.
— O carro preto — apontou, avidamente, o indicador pra frente como se quisesse mostrar algo que o homem não estava vendo.
— A Senhora quer que eu siga o carro preto?
— Éeeeeeeee — respondeu num suspiro aliviado. Sentia-se fraca. Nunca foi tão difícil falar algumas palavras.
O Gol antigo, apelidado de batedeira pelos entendedores de carros, fez algumas curvas e passou por ruas paralelas para evitar o trânsito que já começava a se formar as 10 da manhã. O taxista seguiu de longe, como se já tivesse feito, diversas outras vezes, aquele tipo de coisa.
— Ô moça — o gordo ao volante olhou pelo retrovisor — acho que ele vai pegar a Ponte Rio-Niterói hein.
— Não tem problema — Camila respondeu — pode seguir. — estava se segurando para não chorar ali mesmo.
— Vou ter que cobrar uma taxinha extra.
— O senhor será bem pago pelo seu serviço. — Respondeu mais alto do que pretendia. Não estava se controlando. Pôde ver o homem sorrindo através do reflexo no espelho. Fica bem. Repetia mentalmente.
O táxi subiu a ponte e seguia tranquilamente há 80 quilômetros por hora, por cerca de 10 minutos, até que um engarrafamento fez com que tudo parasse no vão central. O motorista, espertamente, tomou o cuidado de ficar a alguns metros do outro carro.
— Será algum acidente? — o homem esticava o pescoço na intenção de averiguar melhor a situação — A essa hora não costuma ter trânsito nesse sentido.
— Deve ser alguma obra — Camila respondeu sem interesse. Seus olhos estavam fixos no carro preto. Sua garganta estava seca e o coração palpitava de tanta ansiedade.
Esperaram por 20 minutos, mas a via continuava engarrafada. Não andaram nem um centímetro desde que pararam. As pessoas já começavam a sair de seus carros e caminhar pelo corredor para ver o que estava acontecendo.
Camila não aguentava mais aquele sentimento dentro dela. Pensou em ir até Max para conversar com ele e pedir desculpas ali mesmo. Talvez a dor no peito melhorasse. Precisava acabar logo com isso. Precisava de um perdão. Ou até mesmo de um desprezo total para que a sua vida seguisse, mas não dava pra esperar nem mais um segundo. Abriu a porta do táxi e caminhou em direção ao carro preto. O peito ardia e a respiração ficava mais ofegante a medida que se aproximava do veículo. 5... 4... 3 metros a separavam do seu destino. O coração pulava desritmado, como se quisesse saltar pela boca. 2... 1 metro. Parou em frente a janela sem fazer nada e viu Max de cabeça baixa sentado no banco do carona. Foi Jesus quem cutucou a cabeça do amigo, para lhe chamar a atenção. Ele me viu. Camila sorriu. Mas Max não olhou para ela. Jesus não lhe chamou a atenção pela sua presença. Ambos olhavam para frente com uma expressão de terror que obrigou a estudante a virar o pescoço em direção ao que todos estavam apontando. Meu Deus. Algo estava vindo. Algo estava se aproximando.
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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite Interminável
Science FictionDo outro lado do mundo, uma doença que transforma seres humanos em canibais ferozes percorre um sangrento caminho ao encontro do jovem Maximiliano, um brilhante estudante de medicina, que tenta sobreviver no limite da lei. Seria ele capaz de conter...