O homem alto e acima do peso, vestindo um macacão cinza, puído e bem sujo de graxa, percorreu, quase em velocidade de trote, o pátio aberto de concreto batido com fileiras de Ônibus amarelos, distribuídos pelos mil metros quadrados de terreno. Já estava naquele serviço há mais de 3 horas e não suportaria passar nem mais um segundo naquele lugar. Os veículos da Viação Águia eram sujos e alguns tinham até ratos passeando por entre os bancos. Era impressionante o fato de terem refrigeração. Na verdade, só os tinham devido a uma lei estadual que obrigou todas as empresas a instalarem o equipamento em suas linhas intermunicipais. Jorge era funcionário da KiGelado, uma empresa que fazia manutenção e instalação de ar condicionados para as principais viações da cidade do rio de janeiro. Naquela noite a sua missão era especial.
— Você tem certeza de que precisa fazer isso agora? — o segurança da garagem lhe perguntou assim que se identificou, lá pela meia-noite, na guarita principal.
— É rapidinho. Parece que esquecemos de tirar os resíduos o duto do condensador — mentiu com firmeza — vai sobreaquecer e pode dar merda. Imagina se essa porra explodir e teu chefe tiver que trocar tudo?
Agora que o serviço havia terminado, ele só queria voltar pra casa e ver a sua filhinha bem. Ligou assim que entrou no carro:
— Eu terminei — falou assim que a outra linha atendeu — Ela tá bem?
— Ela já tá na cama meu camarada — a voz grossa com sotaque carioca carregado falou do outro lado da linha — Dormindo feito um anjinho. Viu como não foi difícil? — Gritou num tom de deboche — Instalou o dispositivo em todos os ônibus né?
— Nos 12 que tinham ar-condicionado — Jorge respondeu rapidamente, pra ter chance de se justificar — A viação só colocou ar nas linhas intermunicipais.
— Isso já deve servir. — fez uma pequena pausa — caso contrário a sua filha pode acabar sofrendo algum... acidente. — A última palavra soou pavorosa.
— Pelo amor de Deus — o técnico em refrigeração começou a chorar, mas a ligação já havia terminado.
Jon Jon se levantou da cadeira ao lado da cama onde a pequena Ester, filha do homem que acabara de chantagear, dormia calmamente, sem sequer imaginar o perigo pelo que passava. Caminhou para fora da humilde casa, ainda sem pintura, e entrou na porta de trás de um elegante carro preto que já o esperava com o motor ligado. O motorista não deu um pio. Arrancou dali como quem já soubesse o destino.
O traficante pegou um dos três iphones de última geração que estavam largados no banco de couro branco e ligou para o primeiro número da agenda. Caiu na caixa postal, como sempre:
— O serviço está feito. — falou após o bipe — espero que você não esqueça do que combinamos. — desligou.
Outro dos iphones começou a tocar. Era um número desconhecido.
— Eu nunca esquecer do que eu combina — a voz feminina com sotaque gringo falou assim que Jon Jon atendeu — sua carregamento de Azazis chegará logo.
— Ótimo — o homem respondeu com um sorriso no rosto, mas logo ficou sério — e o que era aquilo que eu coloquei nos ônibus?
— Você saberá em breve meu amiga — a ligação caiu.
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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite Interminável
Science FictionDo outro lado do mundo, uma doença que transforma seres humanos em canibais ferozes percorre um sangrento caminho ao encontro do jovem Maximiliano, um brilhante estudante de medicina, que tenta sobreviver no limite da lei. Seria ele capaz de conter...