Congestionamento

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Max não via a hora de chegar logo em casa. Mesmo que aquela não fosse realmente a sua casa. Ele queria era tomar um banho e deitar numa cama de verdade por algumas horas. Precisava degustar de alguma normalidade depois dos eventos sombrios que protagonizara naquela semana, ainda que tal normalidade não fosse, necessariamente, a sua. Depois de algumas horas de sono, procuraria algum advogado que coubesse no seu restrito orçamento. Acho que a moto vai ficar pra depois, pensou desanimado.

Seu pai, agora sóbrio e aparentemente mudado, organizou um almoço de boas vindas para que conhecesse a sua nova namorada, mas o jovem não tinha muita fome desde que acordou do coma. Só pensava em seu destino próximo e não tinha nem mais forças para chorar de tristeza por tudo o que perdera em poucos dias. Uma dor de cabeça pulsátil não lhe abandonava nem que usasse uma dúzia de analgésicos. Tinha certeza que era uma cefaléia tensional, causada pelo estresse que vinha vivendo. Acabaria em alguns dias. Assim que soubesse a sua pena.

Apesar do mundo desmoronando em sua cabeça, e de todos os eventos fisicamente esgotantes pelos quais passou, Max não se sentia cansado de maneira alguma. Pelo contrário, sentia que era capaz de fazer coisas impressionantes, como aquele salto que dera pela janela do hospital, enquanto perseguia a assassina russa. Percebia que o mundo estava mais lento. Mais fácil. Suas ideias agora eram mais claras e seu corpo estava pronto. Era o seu humor que não estava muito bem.

Durante o engarrafamento em que estavam presos a quase meia hora, Álvaro e Jesus tentaram, em vários momentos, puxar assunto, mas o jovem não estava interessado em conversas. Por fim, todos decidiram ficar calados e esperar que a concessionária que administrava a Ponte resolvesse o que quer que houvesse acontecido. Permaneceu de cabeça baixa, pensando e repensando tudo o que vivera até ali. Era difícil entender certas coisas. Porque atacaram o INOP? Ele já havia repassado tudo diversas vezes: A mulher entrou no prédio, subiu pelo fosso do elevador até o décimo andar, matou o supervisor de segurança, desligou câmeras e programou a quarentena, depois foi para o nono andar, abriu o laboratório 9 e matou as duas meninas. Ela provavelmente não esperava que estivessem ali. O Inspetor Newton lhe disse que, segundo a Tonra corp, nada foi roubado do laboratório 9. Era isso que não fazia sentido. Porque alguém iria naquele laboratório específico apenas para matar duas cientistas? Essa era uma das questões. Lembrou também que a mulher desceu até o oitavo andar para infectar o soro de 3 pacientes. Porque não foi diretamente na farmácia e infectou todo o Soro do hospital? Porque não jogou simplesmente no refrigerante do McDonald's? Seria um atentado catastrófico. A não ser que quisessem que fosse controlado. Começava a entender o motivo da espiã ter acionado a quarentena, mas ainda faltavam muitas peças neste quebra cabeças. Fechou os olhos e pôde ver, novamente, todo aquele terror no corredor do sexto andar. As criaturas vindo e pulando. Tentando morder qualquer coisa viva. Não dava pra esquecer daqueles olhos vermelhos e nem toda aquela raiva sem sentido.

Foi resgatado dos seus pensamentos assim que Jesus cutucou as suas costas com certa pressa. Desanimado, Max olhou pra trás:

— Que foi cara?

— O que é aquilo? — apontou para o para-brisa do carro. Seus olhos estavam muito mais esbugalhados que o normal.

Não demorou para reconhecer o que se aproximava pelo corredor entre os carros. Ele havia acabado de pensar naqueles olhos. Estava acontecendo novamente. Uma multidão de pessoas tentava voltar para os carros, desesperadas, mas muitas caíam e eram pisoteadas por quem vinha de trás. Enquanto isso, uma horda de criaturas bizarras atacava os retardatários como se estes fossem gazelas num documentário do Discovery Channel. Quebravam os vidros dos carros e puxavam suas vítimas pra fora com a facilidade de quem esvazia uma mochila. Isso tudo acontecia a menos de 100 metros de onde o gol preto estava parado.

O coração do jovem quase saltou quando olhou através da janela a sua direita e viu que Camila estava lá. De pé, com uma expressão de medo e um leve, e neurótico, sorriso no rosto. Como isso é possível? Meneava a cabeça em total incompreensão enquanto o seu cérebro calculava tudo o que deveria fazer nos próximos segundos.

— Fiquem... dentro... do carro — Max falou calmamente, com o ar de quem sabia exatamente o que estava fazendo, para seu pai e seu amigo, enquanto abria a porta.

— Eu queria conversar com você — Camila se justificou, mas o jovem não parecia sequer prestar atenção. Pegou-a pelo braço e a jogou para dentro do carro, fechando a porta logo em seguida. Serrou os olhos e suspirou fundo, tal como os atletas olímpicos faziam antes de suas performances.

Começou a caminhar. As pessoas que fugiam dos zumbis passavam por Max sem que ele perdesse o equilíbrio. Parou na frente do carro. Em sua mão direita, um pedaço de ferro retangular e comprido que arrancara da traseira de um caminhão ali perto. Parecia uma espada samurai. Estava focado no que devia fazer.

— Filho, volta pro carro — ouviu seu pai chamar a alguns metros atrás de sua cabeça.

— Fica aí — virou-se pra responder com voz de raiva, mas seu pai já estava com a sua pistola em punhos e apontando para algo à frente.

O primeiro tiro foi dado e um corpo de um homem negro e calças marrons caiu bem próximo de onde Max estava. Seu pai acabara de lhe salvar a vida. Mais uma criatura saltou em sua direção, mas desta vez Max desferiu um golpe potente que acertou seu tronco, jogando-a contra um ônibus há mais de 3 metros. Uma visão impressionante que não devia nada aos efeitos especiais dos filmes. Outros tiros eram dados e o jovem percebeu que seu pai não era o único por ali que portava uma arma. A medida em que os monstros iam se aproximando, o rapaz encaixava mais e mais golpes. Lutava com a leveza e a calma de um monge. Algo parecido com o sentimento de satisfação crescia dentro de si ao saber que estava sendo observado por Camila.

10... 20 zumbis abatidos e eles não paravam de surgir. Vinham por detrás dos veículos e pelos corredores que agora estavam repletos de cadáveres. Ainda escutava alguns tiros ao longe, mas as balas de Álvaro já haviam se esgotado. Não seria um grande problema para Max. Poderia ficar ali por horas sem cansar, mas algo mais nefasto estava reservado para aquela manhã. Ele não havia percebido o Caminhão Tanque há 20 metros de onde estavam. Distraído, entre um golpe e outro, o jovem sentiu a pressão e o calor extremo da explosão, à sua esquerda, lhe jogar pra longe. Bateu a cabeça em algum lugar e, no mesmo instante, um zumbido fino veio acompanhado da escuridão total.



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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora