Visita

28 21 2
                                    

Numa sala reservada, no segundo andar do Instituto Evandro Chagas, Newton, Lana, Franklin e Carlos conversavam em pé.

— Qual a real situação dele? — o investigador perguntou assim que a porta se fechou.

— Está melhorando num ritmo nunca visto. — Carlos respondeu.

— Eu fico com medo disso ter algo a ver com o MF102. — Doutor Franklin murmurou — Essa recuperação milagrosa tem que ser vigiada de perto.

— Mas os exames foram negativos né? — Newton argumentou.

— Sim. — respondeu Carlos — eu acho, inclusive, que podemos transferi-lo para um quarto comum. Já não respira por aparelhos, nem depende mais de noradrenalina.

— Eu não sei — Franklin meneou a cabeça em negação — podemos ter deixado algo passar. Eu não acredito em coincidências desse tipo. É claro que o senhor é o chefe — apontou pro homem de jaleco encardido — mas vamos deixá-lo no isolamento mais uns dias. Observar melhor essa história toda.

— OK — Carlos concordou — vou deixá-lo em quarentena por mais alguns dias, pelo respeito que tenho pelo senhor e seu trabalho, mas acho que concordamos que o garoto está saudável e muito diferente da criatura do outro quarto. Eu já liberei as visitas dos familiares.

— Deixarei um agente no hospital, por precaução — disse Newton — mais tarde vou colher o depoimento do irmão e do pai. Acho que ajudará no processo, caso o garoto acorde mesmo.

— O doutor disse que você está se recuperando rápido — Álvaro sorriu para o filho — disse até que nesse ritmo você pode acordar a qualquer momento. Eu to achando a tua pele mais corada mesmo. Menos amarelada. Você sempre me surpreende. Eu ia doar uma parte do meu fígado pra você, mas ele disse que não precisa mais. Que seu fígado está se recuperando rápido. Já colheram teu sangue umas 10 vezes. — deu uma gargalhada contida — Ninguém tá entendendo o que tá acontecendo. Ontem você estava praticamente morto e agora tá revivendo. Pedi pra Márcia, minha namorada, acender uma vela pra você lá na igreja da Penha. Deve estar lá. Todo mundo do quartel e da comunidade tá rezando por você meu filho. Eu tenho certeza de que você vai sair correndo dessa cama. — uma lágrima solitária escorreu do olho esquerdo — correndo.

O policial levantou da cadeira e abriu a cortina para deixar o sol da manhã entrar. Foi uma recomendação do Professor Carlos, agora que a função hepática estava melhorando. Ele explicou que o sol o ajudaria a recuperar a sua cor normal.

— Ah. Já ia esquecendo. Seu amigo, o Jesus, pediu pra vir te visitar. Eu coloquei lá na recepção que ele era teu irmão. Porque só podia entrar família. Ele disse que vocês eram muito amigos.

— Fala lek — Jesus cumprimentou o amigo desacordado, enquanto se sentava na beirada da cama. — Caramba cara. Você me deixou preocupadaço. Eu quase morri quando te vi arriado na televisão. Sério. Nunca mais como mel. Mandei uma mensagem pro teu velho. Eu sei que você não fala com ele e tal, mas eu não sabia o que fazer meu brother. Ele é policial e alguém de dentro tinha que te proteger. Neguinho tava falando na televisão que foi tu que fez o atentado. Te chamando de terrorista e o caralho. Não aguentei ver isso né. Te conheço pra caramba. Sei que é gente boa. Essa galera tinha que saber também. — deu uma risada — Teu pai colocou na recepção que agente era irmão. Porra — Falou com vontade — quem me dera ter um irmão como você. Um cara maneiro pra caraca, com o cérebro maior que o do Einstein — representou uma cabeça gigante, usando as mãos. — Se tu fosse meu irmão eu nunca ia deixar você fazer essas besteiras. Você ia aceitar o meu dinheiro e não estaria aqui. — meneou a cabeça em negativa — Eu deveria ter insistido mais. Sabia o que tava rolando e não fui capaz de te ajudar. Me desculpa lek. — começou a chorar — Eu devia ter sido um amigo melhor. Prometo que tentarei ser um irmão de verdade. Sai daí logo. Acorda logo lek.

A enfermeira alta e magra, de olhos negros e cabelos loiros presos em um rabo de cavalo bem apertado, caminhou calmamente pelo corredor de piso de vinil bege e paredes amarelas claras. Trazia uma bandeja de aço inoxidável em suas mãos, com um frasco de Soro Fisiológico, algumas seringas e ampolas de medicamentos. Era quase meio dia. Dava pra ver o sol, implacável, lá fora pelas janelas grandes, nas paredes extremas do corredor, mas, felizmente, o lado de dentro era refrigerado por um sistema de ar-condicionado de última geração. Dirigiu-se para a área do isolamento, que ficava no final do segundo andar. Era um setor separado do resto do hospital. Foi construído há cerca de 5 anos, numa parceria público-privada com uma empresa ligada à Tonra Corp. Digitou a senha e entrou num rol de paredes brancas e decoração minimalista. Dois corredores saim deste cômodo. Um levava a um vestiário que dava para os quatro quartos de isolamento. O outro levava para as saletas de observação, onde os familiares podiam ver seus doentes sem o risco de contaminação. Era onde os professores costumavam passar os rounds, uma espécie de aula-visita, com os residentes de medicina. A mulher foi pelo corredor da direita. Passou por um vestiário linear, com boxes e chuveiros de desinfecção, e chegou ao quarto 2. Um homem negro e forte, de blusa preta com escudo da polícia federal, arma na cintura, guardava o quarto.

— Bom dia lindinho — A mulher cumprimentou o policial — te deixaram de castigo? Tadinho. — fez cara de pena e mordeu o lábio inferior.

— Opa. — o homem se levantou da cadeira para falar com a mulher, que aparentava uns trinta e poucos anos — A senhora quer ajuda? — perguntou abrindo um belo sorriso branco.

— Não pergunta essas coisas — meneou a cabeça em uma falsa negação — eu posso acabar aceitando, hein. Abre a porta pra mim? — levantou a bandeja que lhe ocupava as duas mãos.

O homem abriu a porta e ela passou com o rosto bem perto do seu.

— Daqui a pouco conversamos mais — o policial sussurrou antes de fechar a porta, deixando-a sozinha com o paciente.

Nora não tinha muito tempo. Retirou o dente-ependorfe rapidamente e desenroscou a tampa. Era o mesmo veneno que usava sempre que queria simular um infarto. Retirou alguns mililitros com a seringa e se aproximou do rapaz. Ela já o tinha visto antes. Quando o elevador do INOP parou no sexto andar, assim que concluiu a missão. Não entendia porque o contratante o queria morto, mas aquela era uma das condições para que a deixassem em paz. Ela faria tudo para ter uma vida normal. Posicionou a seringa no frasco de soro que estava suspenso, mas, antes que pudesse terminar de injetar o conteúdo, uma voz lhe chamou a atenção:

— Ei. Eu te conheço.

 Eu te conheço

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora