Conversa de Botas Batidas

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 Uma caixa de acrílico com luvas pretas acopladas foi levada até o quarto andar. Era uma espécie de cápsula segura que frequentemente era usada em casos de risco biológico nos Estados Unidos e Europa, segundo Lana comentou. Ninguém jamais havia visto algo parecido no Brasil. O corpo do rapaz foi cuidadosamente colocado lá dentro antes da Doutora Raquel digitar a sequência de isolamento no painel eletrônico da bugiganga, que mais parecia uma daquelas incubadoras futuristas do filme Alien. A equipe do Capitão Pereira exterminou as últimas criaturas do hospital e, pra surpresa de todos, capturaram até um espécime ainda vivo.

— Ele está em coma. Já te disse — a médica respondeu assim que Newton perguntou pela terceira vez se o jovem já havia acordado.

O aspecto dele era deplorável. Tinha sangue da cabeça aos pés, além de manchas de graxa nas calças jeans, que eram femininas, Newton percebeu assim que viu. Era bom em reconhecer essas coisas.

A sala de medicações onde fora encontrado estava com um cheiro forte de fezes. Raquel conferiu e viu que o rapaz defecou diversas vezes nas próprias roupas. Sua pele estava amarelada, tal como as suas escleras, o que, segundo a doutora, indicava insuficiência hepática. Ele teria de ser transferido imediatamente para um leito isolado de CTI, para ter alguma chance de sobrevivência.

Peritos da Polícia Federal já recolhiam amostras de toda aquela bagunça sangrenta, quando a caixa com o rapaz começou a ser movida. Até mesmo o machado ensanguentado foi classificado como prova. Newton permaneceu ao lado da equipe médica na esperança de arrancar qualquer coisa daquela única e moribunda testemunha, ou seria um suspeito?

— Já liberamos a energia Senhor — anunciou um soldado no comunicador do capacete — tem um corpo aqui em cima, acho que é o do supervisor de segurança.

Será que esse cara fez essa bagunça toda? — Newton pensou enquanto descia as escadas. Lana o acompanhou calada. Parecia tão perplexa quanto qualquer um ali dentro. Todo o prédio agora estava tomado por peritos e soldados de branco. Era mais uma cena de crime a ser analisada.

— o nono andar também está um caos — outra voz ladrou pelo comunicador — Dois cadáveres femininos e várias vidraças quebradas. A coisa foi feia senhor.

Newton e Lana se entreolharam meio que esperando, um do outro, alguma ideia sobre o que havia acontecido ali. Eles não tinham nem noção. Ninguém tinha. O único que poderia dar alguma luz naquela escuridão estava praticamente morto numa caixa transparente.

— Será que ele matou todas aqueles Zambies? — Lana quebrou o silêncio, enquanto observavam a equipe médica, no domo, realizar os procedimentos no garoto. Recolheram amostras das mãos, de sangue e fezes para uma análise inicial. O ferimento da cabeça parecia bem grave.

— Eu só sei que ele lutou muito pra continuar vivo. — o inspetor respondeu, meneando a cabeça negativamente. Seus olhos fixos na equipe trabalhando — Nem faz muito sentido pensar nisso agora. A perícia é que vai tentar esclarecer o que aconteceu lá dentro. Nós vamos fazer tudo o que for possível aqui fora. E isso começa com a identificação desse cara. O rosto não bate com nenhum dos funcionários que estavam de plantão.

Lana concordou com a cabeça, mas logo se virou com um olhar assustado pro colega:

— mas ainda não conferimos. Conferimos?

— Eu decorei a lista de funcionários que o Jonatan nos entregou. As fotos e as descrições. Achei que facilitaria. — Newton olhou nos olhos da parceira — E facilitou.

Depois que o jovem foi limpo e teve seus sangramentos contidos, Doutor Medina pegou um acesso profundo, em sua veia jugular interna, onde administrou uma solução de Soro Fisiológico com alguns antioxidantes. Instalou também os sensores para o monitoramento das funções vitais.

— Ele está respirando e saturando bem — Explicou para a médico da ambulância superequipada que a Tonra disponibilizou, quando foi questionado sobre a ausência de um tubo orotraqueal que garantiria uma boa via aérea. — Agora precisa mesmo é de exames e suporte avançado.

A multinacional chegou a oferecer uma ala em um hospital particular na Barra da Tijuca, uma região nobre do Rio, mas Newton, por questões estratégicas, optou por transferir o paciente, assim como a criatura capturada pelos soldados, para o Instituto Evandro Chagas, o mais conceituado centro de infectologia do Brasil, onde o Professor Carlos já havia preparado um leito de CTI no isolamento. O Professor Franklin, a pedido do próprio Inspetor, também se juntaria a equipe de cientistas, assim como a Doutora Raquel, adicionada ao estudo após algumas barganhas políticas de Jonatan com o Secretário de Saúde.

O interior da ambulância parecia mais um hospital do que um veículo. Monitores modernos mostravam a frequência cardíaca e respiratória do rapaz que permanecia dentro da caixa. Tudo era sem fio. Tudo era muito caro.

— o senhor pode tirar o capacete se quiser — disse o médico negro, de cabelos encaracolados curtos, assim que retirou a dele. — o ambiente está seguro — bateu três vezes com a palma da mão direita no teto de acrílico.

Newton exitou por alguns segundos. Ainda mantinha a mão na arma, caso aquele jovem se tornasse uma daquelas coisas também, mas acabou confiando no homem bonito que estava sentado a sua frente.

— como ele está? — o inspetor puxou assunto.

— estável — o médico respondeu rapidamente — os sinais vitais estão legais. Eu só preferia que estivesse entubado.

— Mas você acha que ele vai acordar?

— Sinceramente.... Não. A lesão na cabeça parece bem feia, mas é essa icterícia que preocupa.

— a pele amarelada né? A Doutora Raquel falou que pode ser o fígado. Mas como....

O diálogo foi interrompido por um gemido. Vinha da caixa. Ambos se entreolharam e depois miraram o rapaz. Sua respiração ficou mais rápida e o monitor na parede começou a apitar por causa do aumento da frequência cardíaca. Newton segurou sua arma com firmeza e destravou o pino.

O jovem de cabelos bagunçados abriu os olhos e começou a falar:

— A mulher ruiva... A mulher Ruiva ... A mulher Ruiva ... — repetiu várias vezes.

— Meu Deus — Newton gritou — mas o que tem essa mulher ruiva? — levantou e ficou mais próximo da cápsula.

— Foi a mulher ... a mulher Ruivaaaaaaaaaa — o jovem gritou desesperado antes de apagar completamente.

Newton bateu na caixa diversas vezes:

— Acorda ... Acordaaa

— inspetor — o médico chamou a atenção sem sucesso — Inspetor — Desta vez pegou em seu braço com força — eu preciso que se afaste e coloque o seu capacete. Ele está morrendo.

 Ele está morrendo

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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora