Fúria

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 Bati de cabeça na porta de metal do nono andar. Por um instante pensei que estivesse caindo no fosso, mas o chão, branco e gelado, golpeou a minha face, anunciando a vitória. Permaneci deitado por alguns segundos. Meu coração precisava se recuperar. Estava tão cansado e com tanto sono. Zumbis, pensei já me levantando depressa. Acho que a adrenalina do salto fez com que eu me cagasse todo. Minha calça já estava pesando e o cheiro era horroroso. Não tinha como me concentrar em pular sobre um abismo e prender o meu intestino ao mesmo tempo. Ao menos tive a chance de sobreviver pra me limpar. E a barriga não doía mais como antes. Era definitivamente uma vitória. Fiz força e coloquei pra fora o que ainda havia pra ser defecado.

— Estou bem — sussurrei alto pra escuridão do fosso antes de encostar a porta.

Fora as paredes e piso brancos, o corredor era muito diferente do resto do prédio. A iluminação alaranjada de emergência era a mesma que eu já tinha visto antes. Grandes janelas davam a visão do interior dos laboratórios, muito bem equipados e organizados. De cara, percebi as portas dos laboratórios 1 e 2, de vidro fosco com o número correspondente desenhado em tinta branca. Um visor eletrônico na parede, a esquerda, parecia ser o que dava acesso ao lugar. Forcei a porta algumas vezes, mas tanto uma quanto a outra estavam trancadas. Pensei em tirar o meu cinto e enrolá-lo no pé com a fivela pra baixo. Tinha visto isso em um programa de televisão sobre sobrevivência em acidentes de carro. Era uma técnica para quebrar os vidros com mais facilidade, caso caísse na água. Talvez funcionasse aqui também.

No entanto, antes que eu terminasse de retirar o sinto, percebi uma porta entreaberta. Segurança de merda essa aqui hein, pensei comigo. Primeiro a porta do elevador estava aberta, agora a porta de um dos laboratórios também? Eu não costumava ter tanta sorte assim. Caminhei até o laboratório 4 e olhei lá pra dentro ainda sem abrir completamente. Não vi ninguém. Fui abrindo aos poucos e confirmando a minha solidão.

O laboratório era grande e cheio de equipamentos. A direita eu pude ver uma máquina de PCR novinho, capaz de replicar DNA a partir de amostras muito pequenas, e um aparelho de ELISA automático. Num lugar daqueles não seria preciso ficar fazendo curvas-padrão ou pipetando quantidades ínfimas em placas antigas. Bastava colocar as amostras ali que aquele brinquedinho daria a análise completa em alguns minutos. Coisa de gringo. Coisa cara. Uma bancada de mármore branco, sem remendos ou rejuntes, ficava no meio de tudo. Havia espaço para umas 5 pessoas trabalharem muito bem. Cheguei perto da encubadora para ver as diversas placas de Agar Sangue, iluminadas por uma luz verde, que eu nem sabia pra que servia, mas dava um aspecto lindo.

Vasculhei os armários em busca de algum medicamento que servisse. Geralmente ficavam mais escondidos por conta do seu preço comercial elevado, mas comecei a desconfiar que talvez o laboratório não tivesse o que eu procurava, pois já estava achando dNTPs e primes, os reagentes mais caros que eu conhecia, e nada dos inibidores de protease. A dor de cabeça não estava me deixando raciocinar direito. Olhei a minha volta e percebi as duas portas à esquerda que eu ainda não havia checado. Na primeira, encontrei um escritório grande, com móveis de madeira e umas fotos de cachorro na parede. Não havia nada que me interessasse. Quando abri a segunda porta, um cheiro esquisito atingiu as minhas narinas, como se houvesse algo guardado ali por muito tempo. Diminuí o passo e fui avançando aos poucos para ver os dois corpos deitados no chão. Minha cabeça voltou a pulsar com dor. Uma menina jovem, loira de cabelos lisos, com uns vinte e poucos anos de idade, tinha uma pipeta automática azul cravada em seu olho esquerdo e um peso de papel, em forma de pirâmide, ensanguentado na mão direita. A outra mulher, uma gorda de cabelos vermelhos, estava deitada bem ao seu lado, com uma poça de sangue abaixo de sua cabeça. Elas provavelmente tinham se matado. Estariam infectadas também?,pensei antes de me aproximar mais.

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora