Trevas

26 8 0
                                    

 Sabe aquela sensação de esgotamento quando realizamos um esforço físico pesado? Era exatamente assim que eu estava me sentindo, enquanto puxava a porta do elevador com toda a minha força para que aqueles monstros não nos pegassem. Minha mente pregava peças e me propunha soluções para que eu desistisse de continuar puxando. Queria ceder e adormecer. Acabar logo com aquela palhaçada de sobrevivência. Já estávamos condenados a virar uma coisa daquelas, que fosse da forma mais rápida então.

Os gritos medonhos vindos do corredor e as descargas de adrenalina que as batidas exteriores me causavam eram as ferramentas que eu precisava para me manter focado. Carol não falou nada o tempo todo que permanecemos no elevador, só continuou puxando a porta pra si. Percebi um líquido quente escorrendo por sobre as minhas mãos, que estavam próximas, abaixo das suas. Acho que era sangue. Não sei quanto tempo ficamos naquele desespero, mas uma hora as batidas começaram a diminuir. Acho que desistiram do jantar. Permanecemos firmes em nossa missão de manter aquele terror do lado de fora. Os gritos foram ficando mais espaçados, até que sumiram. Podíamos até ouvir a movimentação dos seres bizarros no corredor, mas definitivamente não estavam mais interessados em nos atacar. Pensei em comentar algo com Carol, mas meu medo me deixou calado. Uma sensação de que a minha voz deixara de existir. Meu coração ainda palpitava e o esgotamento se tornou insuportável. Tomei coragem e larguei a porta.

A escuridão não me deixou ver, mas tenho certeza de que Carol desferiu um olhar terrível em minha direção. Senti um arrepio na nuca. Decidi levantar e ver a situação pela pequena janela da porta. Meu peito doeu de novo. Mais uma péssima ideia, ele me dizia. Lutei contra o cansaço e dor muscular para ficar de pé em silêncio. Com apenas o olho direito na borda do vidro, vi o caos me gelar a espinha novamente. Pelo menos 12 zumbis estavam espalhados pelo corredor central do sexto andar. Não existia mais chance de sair por ali. Não existia mais nenhuma chance de sobreviver.

— Olha — me abaixei e sussurrei para Carol — tem muitos deles lá fora. Não tem como sair. — ela permaneceu quieta, mas a sua respiração ficou um pouco mais rápida. Entendi o recado. Então era isso né. Meus olhos já ardiam novamente, provavelmente a febre estava voltando. Me perguntava como não havia me defecado todo durante aquela tensão. Comecei a matutar o que faria se Carol se transformasse antes de mim. Cheguei a conclusão de que tanto fazia. Ser destroçado por uma criatura faminta ainda parecia ser uma ideia melhor do que me tornar uma. Foda-se, pensei comigo.

Me levantei e observei o corredor novamente. Nada havia mudado. O que antes eram pacientes, médicos e enfermeiros, agora não passavam de personagens de um filme americano ruim. Olívio apareceu com o bastão de alumínio ainda cravado em seu queixo. A faca também estava lá no pescoço. Essas coisas não morriam? A menina careca andava de um lado pro outro, como se nunca tivesse tido uma doença terminal. Contudo, pro meu alívio, já haviam esquecido dos suculentos pedaços de carne dentro do elevador.

Carol murmurou alguma coisa que não compreendi. Ela permanecia abaixada e puxando a porta com toda a sua força. Tive de me abaixar pra entender o que dizia:

— A portinha ... A portinha ... — ela repetia com voz trêmula. Estava pelando de febre novamente.

— Que portinha? — perguntei sem entender o raciocínio dela.

— A portinha ... do elevador ... — quase não consegui ouvir a segunda palavra.

— A porta está fechada, Carol. Não vão entrar. Pode largar se quiser — tentei acalmar.

— A portinha ... no teto .. do elevador.

Meu coração acelerou. Quase que imediatamente levantei e comecei a apalpar o teto em busca do alçapão que dava pro fosso. O teto era um pouco alto, então tive de ficar nas pontas dos pés, meio que dando saltinhos. Senti primeiro algo parecido com uma tela. De certo era o teto falso do elevador. Só em filmes a portinha ficaria a vista de quem quisesse abri-la. Forcei a estrutura pra cima uma única vez e ouvi um clack, como se tivesse destrancado algo. O teto falso desceu com as minhas mãos e quase deixei cair por descuido. Apoiei a peça na lateral do elevador e voltei ao teto para procurar a saída. Alguns segundos de tato desesperado e pronto, achei a portinha da qual Carol se referia. Pra minha surpresa, estava destrancada. Empurrei pra cima, mas a força não foi suficiente. O barulho dela se fechando na volta foi grande. Com certeza tinha chamado a atenção das criaturas lá fora. Tentei uma segunda vez, com um pouco mais de vontade. Mais um barulho forte e já era possível ouvir os monstros se aproximando novamente.

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora