Relatório

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 A Sede da Polícia Federal, no centro, foi o lugar escolhido por oferecer a estrutura necessária para aquele tipo de reunião. Era um prédio antigo, de característica mais horizontal, onde alguns pavimentos tinham dois andares e outros tinham três, no máximo. O auditório estava parcialmente cheio e Newton suava frio, ajeitando a gravata preta sempre que podia. Estava ali para passar o relatório preliminar do incidente do dia anterior para os seus superiores e para os superiores deles. Esse tipo de apresentação não era rotineira e ainda havia muita coisa a ser esclarecida, mas como o caso tomou proporções nacionais por meio da mídia, a reunião foi convocada pelo Ministro da Justiça antes do fim do inquérito.

Newton bateu três vezes no microfone para testar seu funcionamento. Sempre ficava nervoso nessas ocasiões importantes, não importava quantas vezes as repetisse.

— Bem — sorriu sem graça, mas logo endureceu a feição — vamos dar prosseguimento a reunião.

Iniciou a apresentação com o fatídico vídeo, que, ao contrário da primeira vez, não causou tanta surpresa nos expectadores. Todos já haviam assistido na internet ou na televisão, em um dos milhares de programas sensacionalistas que foram dedicados ao caso. Mesmo assim, explicou todo o ocorrido, desde a denúncia da mãe da paciente na madrugada de sexta pra sábado, passando pelo vazamento do vídeo, a reunião com o professor Franklin, o incidente em Luanda, terminando, finalmente, na incursão ao hospital.

— A perícia ainda está trabalhando no local, mas os dados colhidos já podem nos dar uma bela noção do ocorrido — abriu uma apresentação de power-point no projetor — Suspeitamos de dois possíveis pacientes zero: a Senhora Tirza de Souza, de 72 anos, que estava internada no INOP por conta de um Câncer de Mama avançado, em tratamento quimioterápico; e a Senhora Juraci Soares da Costa, de 57 anos, internada para tratamento paliativo de um Câncer Cerebral inoperável. Esta mulher não conseguia andar segundo os relatórios médicos, mas nós a vemos de pé no vídeo, graças a ação do vírus. — olhou para os espectadores, a maioria com os olhos arregalados — Já identificamos vestígios dos esporos de MF102 nos frascos de Soro das duas mulheres, além de orifícios de perfuração nos mesmos, compatíveis com agulhas de seringas. Um outro frasco, parcialmente vazio, foi encontrado no mesmo andar e apresentava as mesmas características. Acreditamos que seja o Soro destinado a paciente Kassia Mendes, que ela disse ter fechado antes de receber o conteúdo.

Um homem atarracado e careca na primeira fileira levantou a mão.

— Senhor secretário, alguma pergunta?

— A menina falou que um dos médicos lavou a ferida com o próprio soro, não foi?

— Exatamente — Newton sorriu — o professor Franklin nos disse que ele pode ter se infectado desta forma. Obrigado pela pergunta. — Passou alguns slides — Acreditamos que a infecção tenha se alastrado rapidamente, pelas mordidas, a partir do oitavo andar.

— Então nós só precisamos identificar quem inseriu os esporos nos frascos de soro? — perguntou o Ministro da Defesa, por videoconferência, pelo telão. — As câmeras não mostraram nada?

Newton suspirou fundo e respondeu a pergunta:

— é aí que nós entramos na questão crucial do caso, senhor ministro. As câmeras foram adulteradas e não gravaram absolutamente nada do que aconteceu. O supervisor de segurança, responsável pelas gravações, foi encontrado morto por uma suspeita, mas aparentemente natural, parada cardíaca. Sem indícios de infecção ou venenos conhecidos em sua circulação.

— De certo, quem injetou os esporos no soro também matou o homem — o homem negro de cabelos brancos e uniforme militar respondeu na tela.

— Sim. Só precisamos provar que ele foi realmente assassinado, o que não está sendo nada fácil. Nossos peritos estão trabalhando nisso senhor ministro. — virou-se para os homens sentados mais uma vez — mais dois corpos saudáveis foram encontrados com sinais de luta, uma contra a outra: Karina Pereira e Ester Martos, ambas cientistas do laboratório 4, no nono andar. Segundo a Doutora Raquel Vieira, elas estavam lá por causa de seus experimentos e que não sabe se as duas tinham algum tipo de rixa. Mais duas mortes suspeitas. Todos os laboratórios foram invadidos, mas a Tonra Corp nos informou que não houve nenhum roubo.

O secretário de Saúde levantou a mão mais uma vez e já foi falando:

— E o tal sobrevivente? Eu fiquei sabendo que ele nem estava na lista de funcionários. Deve ter sido ele. — Os oficiais e assessores, que estavam perto dele, concordavam com a cabeça.

— Sim. Eu já ia falar disso. O homem de aproximadamente 25 anos, ainda não foi identificado e se encontra em estado crítico no isolamento do Instituto Evandro Chagas. Tem uma lesão importante no crânio e insuficiência hepática e renal. Realmente não está na lista de funcionários, mas ...

— Então foi ele — Alguém gritou, interrompendo o inspetor, e a sala se encheu com o som das conversas paralelas. Todos achavam que o jovem era o culpado pelo atentado, exceto Newton.

— Senhores — falou sem ser ouvido — Senhores — repetiu um pouco mais alto — Senhores — desta vez gritou com uma voz estridente. Todos se calaram. — O rapaz foi um verdadeiro guerreiro. Pelo laudo técnico, ele é o responsável pela fabricação artesanal das três bombas que explodiram no corredor do sexto andar, que eliminaram mais de 25 criaturas, além dos abatidos a machadadas. Além disso, sabemos que vários funcionários que estavam escalados para ontem não foram e pagaram alguém para que trabalhasse em seus lugares. É um esquema de troca que acontece em todo hospital.

— Mas soubemos que tem digital dele pra tudo quanto é canto — O secretário argumentou.

— As digitais o colocam nos andares sim, mas de forma alguma o ligam aos crimes. Não há motivação nem meios até agora. Não podemos ceder a tentação de fechar um caso apenas com provas circunstanciais. Não é assim que a Polícia Federal trabalha. As investigações vão prosseguir. — O silêncio permaneceu na sala até o final do relatório, mas Newton sentia a tensão no ar.

— Você foi ótima — Lana elogiou o colega assim que entraram em sua sala.

— Ótimo nada. — afrouxou a gravata slim preta que estava usando e a retirou — Não viu a cara daqueles abutres? Vão querer encerrar o caso antes mesmo de chegarmos a verdade. Precisamos de alguma coisa nova, algo que nos abra os olhos.

— Acha mesmo que a garoto não tem nada que ver com o atentado?

— Você também? — pegou o telefone fixo e digitou alguns números — me poupe garota — alguém atendeu do outro lado da linha — Oi. É o Inspetor Newton. Vocês já conseguiram as imagens dos arredores do hospital? — esperou a resposta — ótimo. Tô indo pro audiovisual. — desligou o telefone — Vou encontrar essa mulher ruiva nem que meus olhos caiam de tanto assistir vídeo. — Lana sorriu.

Os dois saiam da sala quando um homem de meia idade com farda azul da polícia estadual os abordou no corredor.

— Inspetor Newton — o visitante de cabelos curtos lisos e expressão grosseira se colocou na frente do seu caminho — sou o Sargento Álvaro Rodrigues da 73º Departamento de Polícia Militar em São Gonçalo. Sou o pai do Maximiliano Rodrigues, o menino que vocês tiraram daquele hospital.

 Sou o pai do Maximiliano Rodrigues, o menino que vocês tiraram daquele hospital

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QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora