Newton convidou Álvaro para se sentar em sua sala. Estava mais para um cubículo, com cerca de 5 m2, onde cabia basicamente uma mesa de aglomerado cinza, onde ficava o computador, e duas cadeiras acolchoadas pretas.
— O senhor aceita um café ou uma água gelada? — ofereceu, mas torcia para que o homem recusasse.
— Não. Muito obrigado — ajeitou-se na cadeira desconfortável — eu só quero saber como meu filho está.
— Qual é o nome dele mesmo?
— Maximiliano Rodrigues — sorriu sem graça — demos esse nome em homenagem ao meu falecido pai, mas como ele sempre odiou, nós o chamávamos de Max.
O inspetor digitou algumas palavras no teclado por alguns segundos até achar o que queria.
— Já achei ele aqui no facebook — meneou a cabeça em afirmação — Aqui diz que ele é estudante de medicina e faz estágio num laboratório da UFRJ. É Sargento Rodrigues, seu filho realmente foi resgatado com vida do incidente. Como você soube que era ele?
— Um amigo dele da faculdade ligou pro meu celular — levantou um aparelho nokia antigo — dizendo que o meu filho foi resgatado da tragédia do INOP e que eu deveria encontrar com senhor aqui na Polícia Federal. — levantou-se num único movimento. — Olha, eu não vejo o meu filho a muito tempo e também não fui um bom pai, mas eu pretendo melhorar isso. Então, se o senhor puder me dar alguma informação....
— Sim, a informação está correta. Seu filho está conosco.
— E eu posso falar com ele?
— Eu — fez uma pausa e respirou fundo — Eu não sei como te dar essa notícia. — fechou os olhos e balançou a cabeça em negação — Seu filho, o Maximiliano, está em coma no isolamento do Instituto Evandro Chagas. Levamos ele pra lá assim que o tiramos do prédio. Ele sofreu um ferimento grave na cabeça e os órgão entraram em falência. Parece que tem poucas chances de sobreviver, segundo os médicos.
— Não ... Não ... — o homem levou as mãos ao rosto e começou a chorar.
— Senhor Álvaro, eu sinto muito — Newton se levantou e colocou a mão em seu ombro em um gesto de compaixão — Nunca vi uma pessoa mais corajosa que o seu filho.
— Me deixa ver o meu filho?
O Investigador fez que sim com a cabeça. Minutos depois, uma viatura da Polícia Federal, a pedido do próprio Newton, levava o Sargento Rodrigues em direção a Fundação Osvaldo Cruz. Era o mínimo que podia fazer por um pai desesperado.
Permaneceu a noite toda no quartel, olhando as gravações de vigilância dos arredores do INOP, mas sua cabeça continuava na cena daquela tarde. A imagem de um homem de meia idade, fardado, chorando lhe tocou o coração, mas algo também o intrigava: Se o rapaz era só um estudante, o que ele fazia dentro de um hospital a noite? Seria ele participante de um dos milhares de esquemas que a polícia federal investigava todos os anos? Falsos médicos, geralmente estudantes de medicina ou enfermagem, trabalhavam por pagamentos pequenos no lugar de profissionais formados e alguém embolsava o dinheiro do salário cheio. Era uma prática comum que crescia cada vez mais. Se o jovem Max estivesse envolvido com algo assim, seria difícil continuar defendendo sua inocência no caso do incidente.
No telão da sala de audiovisual, uma sala específica do prédio com uma tela de 70 polegadas ligada a um computador potente que tratava as imagens, passava a gravação da câmera da Padaria do Gerson, uma pequena panificadora que já havia sido assaltada 5 vezes naquele ano. O dono resolveu instalar algumas câmeras disfarçadas de pontos de luz, para que não fossem roubadas também. O serviço era tão bem-feito, que a polícia só soube da existência dos vídeos porque um soldado, enquanto comia um pãozinho, ouviu um funcionário comentando com o outro. Não ficava exatamente no quarteirão do INOP, mas permitia ver a praça e uma parte da entrada. Newton estava cansado e decidiu que aquela seria o último vídeo da noite. Já estava quase desligando quando percebeu uma estranha movimentação na tela: Um carro parou numa vaga para deficientes que ficava na rua da padaria. Uma mulher alta, de cabelos longos e escuros — não podia especificar a cor pois o vídeo era em preto e branco — saiu e caminhou para o hospital. Ela usava jaleco branco, tal como os médicos, mas, mesmo assim, era possível ver a sutil curva de sua cintura e quadril. Newton não chegou a conseguir ver o seu rosto. Sabia que, segundo a lista da Tonra, a única médica escalada para aquele plantão era a Doutora Carolina Bitencourt, uma mulher nova, baixa e magra. Aquela, definitivamente, não era ela. Adiantou o vídeo algumas vezes. Não havia mais sinal da mulher. A noite já havia chegado na gravação e o carro continuava ali, parado. Foi então que Newton teve a sua surpresa: A mulher retornou após cerca de uma hora e meia. Andava apressadamente e sua peruca quase caiu quando se abaixou pra entrar no carro, revelando um cabelo curto e loiro. O investigador enquadrou o rosto da suspeita e rodou no programa de melhora de imagem do computador. Aos poucos a face ficava mais nítida, até que o software terminou.
— Te peguei sua filha da puta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite Interminável
Science FictionDo outro lado do mundo, uma doença que transforma seres humanos em canibais ferozes percorre um sangrento caminho ao encontro do jovem Maximiliano, um brilhante estudante de medicina, que tenta sobreviver no limite da lei. Seria ele capaz de conter...