Protejam-se

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A explosão fez com que Álvaro fosse jogado contra a mureta de concreto que dividia as pistas da ponte em dois sentidos. Apesar de uma forte dor por ter batido com parte das costas e flanco, o policial se levantou com facilidade para contemplar o inferno literal em que se encontrava. Restos de pessoas estavam espalhados em cada metro quadrado do lugar, além de pequenos focos de incêndio pelo asfalto e veículos, inclusive, causados, provavelmente, pelo líquido inflamável do caminhão que acabara de explodir. Não precisava ser especialista para concluir que um outro estrondo era iminente.

Esticou o pescoço o máximo que pôde, para procurar o filho. Ainda queria entender melhor como o garoto era capaz de lutar tão facilmente contra aquelas coisas, mas isso era secundário agora. Ficaria pra uma outra conversa, se é que teriam chance de conversa novamente. Meu Deus, meneou a cabeça para afastar os maus pensamentos. Naquele momento, precisava apenas saber se o garoto estava bem.

Outros daqueles monstros começavam a se aproximar. Parecia que as chamas os assustavam um pouco, mas Álvaro não contaria com isso. Olhou pra dentro do seu carro e viu que Jesus havia se abaixado no banco de trás, enquanto a menina parecia paralisada, com o olhar fixo no capô do veículo. Percebeu que era por causa de uma perna em chamas que acabou caindo ali. O policial abriu a porta, em silêncio, e pegou o extintor de incêndio embaixo do banco. Pegou também um novo pente para a pistola. Apagou o fogo em dois jatos e, com a base do equipamento, afastou o membro decepado para longe. O cheiro era intenso. Parecia churrasco queimado.

A fumaça ficava cada vez mais densa e já não permitia enxergar muito longe. Com a pistola em punho, o homem saiu, então, em busca do seu filho. Caminhou por entre os carros, tentando não se queimar. Muitas pessoas estavam no chão. Algumas chegavam a levantar as mãos numa súplica desesperada por ajuda. Meu Deus, não permita que meu filho esteja morto, pensou já com um nó na garganta. Logo agora que estava recuperando a sua relação com o garoto. Apesar de toda a tragédia, as coisas estavam se ajeitando entre os dois e isso acontece. Álvaro já não sabia se os olhos marejavam de tristeza ou pela fumaça. A cada cadáver que encontrava, a cada corpo mutilado em que esbarrava, suspirava de um alívio egoísta por não se tratar do seu filho.

Não demorou para que um vulto saltasse na sua frente. Os olhos vermelhos e hemorrágicos diziam que era pra atirar. Acertou um projétil no meio exato da testa de um garoto negro que devia ter uns 15 anos, no máximo. Ouviu outros tiros serem dados ao longe. Era difícil definir de onde viam, mas ainda havia gente lutando contra aquelas coisas. E pior, ainda havia coisas para se lutar. Disparou mais duas vezes, desta vez contra uma senhora gorda, sem um dos braços. Os cabelos brancos ainda fumegavam, o que lhe conferia um aspecto ainda mais grotesco e assustador. Caminhou atentamente por mais 2 metros e suspirou ao ver o que tanto temia: seu garoto estava desacordado no chão, caído e ensanguentado. Álvaro correu para acudir o filho, mas ele não parecia respirar. O policial ajoelhou, desolado, ao lado do corpo imóvel e finalmente as lágrimas saíram dos seus olhos. Tinha certeza de que Max estava morto. 



QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora