Naquela sexta feira, Álvaro e Jesus viajaram juntos, em um silêncio pesado, dentro do velho, e barulhento, gol preto fabricado no ano de 1984. Eram pouco mais de 30 quilômetros até a carceragem da Polícia Federal, contando com o desvio para encontrar o amigo do filho em frente ao estádio do Maracanã. Um trajeto curto, mas doloroso, pois a tarefa do dia não seria das mais fáceis. Iam buscar Max, que ficaria em casa até o julgamento, na próxima semana, que provavelmente resultaria numa pena de pelo menos 2 anos de reclusão. Eram os responsáveis pelo último gosto de liberdade que ele teria antes de ser trancado com bandidos perigosos. O clima estava péssimo.
– Cara, você emagreceu – Jesus comentou assim que abraçou o amigo na porta da sede da Polícia Federal. O aspecto do rapaz era realmente abatido. Olhos fundos e face pálida.
– É o coma – respondeu sem muita empolgação – a gente perde muita massa muscular.
– Você vai recuperar esse peso – Álvaro continuou, enquanto o conduzia pro carro – Pedi pra Lene fazer um empadão que você vai adorar. Sem azeitona, – deu um sorriso – que eu sei que você não gosta.
– Não precisava pai. Não tô com muita fome. Só quero descansar um pouco e aproveitar esse tempinho pra organizar as minhas coisas antes de ... – calou-se antes de terminar.
– Pedi oração pra todo mundo lá da igreja. Tenho certeza de que o juiz vai dar uma decisão favorável. – Fechou a porta com força excessiva e ligou a ignição. Demorou um pouco, mas o carro pegou na primeira tentativa.
Já sentado no banco de trás, Jesus pegou no ombro do amigo, sacudindo-o para que se animasse:
– Li na net que tem gente que pega serviços comunitários em vez de ir pra prisão. Muito melhor.
– É, o Inspetor me disse isso também, mas já me adiantou que só gente rica consegue essa moleza. Eu devo ir pro xilindró mesmo.
– Nem fala isso cara – Jesus meneou a cabeça em negativa, mas mudou a expressão como se acabasse de lembrar de alguma coisa – A assistente social da UFRJ andou perguntando sobre você lá na faculdade. Acho que falou com o Pardal e com o pessoal do laboratório também.
– Eles já devem estar montando um processo administrativo pra me expulsar. Vai ser difícil me defender estando preso. Na verdade, seria difícil me defender de qualquer forma né? Minha grande chance era arranjar um acordo pra colocar aquela mulher maldita na cadeia, mas a filha da puta morreu e eu ainda posso responder pelo assassinato dela.
– Mas filho, ela tentou te matar. – Álvaro interrompeu sem tirar os olhos do trânsito – Tenho certeza de que o juiz vai aceitar a alegação de legítima defesa, ainda mais com o depoimento do agente que ela feriu. Acho que isso até conta a seu favor.
– Sei não pai. Acho que isso tudo só me afunda mais ainda na lama. Só o que me consola é que não tem mais como essa porra piorar.
Os três seguiram viagem pela ponte Rio-Niterói, mas ninguém mais tentou puxar assunto. Uma retenção ensaiava começar no vão central da Ponte, ponto mais alto da megaestrutura gigantesca que ligava a capital a região leste. Álvaro reclamou alguma coisa que Max não prestou muita atenção. Algo sobre arrastões, uma espécie de assalto coletivo que vinha acontecendo nos engarrafamentos. O jovem só queria chegar logo em casa. Não dá pra piorar, pensou de olhos fechados. Ele se arrependeria de tal pensamento.
Leia Também:
VOCÊ ESTÁ LENDO
QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite Interminável
Science FictionDo outro lado do mundo, uma doença que transforma seres humanos em canibais ferozes percorre um sangrento caminho ao encontro do jovem Maximiliano, um brilhante estudante de medicina, que tenta sobreviver no limite da lei. Seria ele capaz de conter...