Entrevista

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 O homem alto, de terno cinza bem cortado e gravata borboleta roxa estranhamente combinando com os sapatos, sentou-se na borda da mesa de madeira fria:

— Então, segundo o senhor, temos uma epidemia para conter.

O idoso de 82 anos sentado na cadeira de costas para o quadro-negro, ainda cheio de anotações da aula que dera naquela tarde e com o rosto na altura do joelho do investigador era ninguém menos que Dr Franklin Roujakof, Professor da UFRJ, certamente um dos maiores microbiologistas do mundo naquele momento.

— Ainda não, mas alcançará esse status muito em breve — respondeu calmamente, com seu sotaque lusitano característico — A última vez que vi o MF102 em ação tinha o potencial de destruir um país em dias. Teoricamente — Abriu um estojo de cigarros e começou a cheirar.

— Teoricamente? — levantou-se da mesa e se sentou na cadeira da primeira fileira. Como se quisesse uma aula.

— Entenda. As pesquisas estavam a todo vapor no final da guerra. Os primeiros passos da engenharia genética. A possibilidade de fazer vida a partir de moléculas era fascinante. Hitler nos dava total liberdade de criação e de experimentação. Sem esses limites éticos que nos prendem hoje em dia — Seus olhos azuis brilhavam enquanto recordava o tempo que passou como "sequestrado" da SS — Chegamos a esse vírus estranho, que foi isolado de uma amostra de meteoro congelado da Sibéria. Totalmente letal para humanos. Uma arma biológica perfeita se não fosse....— pareceu se perder na memória de um passado distante.

— Se não fosse?— Ajeitou-se na cadeira de madeira desconfortável.

— Se não fosse tão difícil de disseminar. Ele destruía tudo que infectava. Qualquer hospedeiro morria em minutos. Parecia impossível achar um bom vetor. Tentamos animais, mosquitos, aerossóis. Nada funcionava bem. Por último, A Olga, cientista talentosa e lindíssima, ruiva de olhos verdes, umas pernas...

— Professor — estalou os dedos para trazer o velho tarado para a realidade. — Foco, por favor.

— Resolveu tentar os protozoários. — riu consigo — todo mundo duvidou da garota.

— Protozoários? Como ... amebas? — ficou feliz em lembrar algo das aulas chatas de biologia.

O velho meneou a cabeça quase positivamente e continuou:

— Ela descobriu que a forma de esporo, imatura, suportava o MF102 latente. Como se estivesse dormindo. E que após o ciclo no hospedeiro humano a forma promastigota, Madura, não só sobrevivia. Evoluía. Super-patogenicidade sem precisar mais de ciclos entre hospedeiros. O vírus se tornara um simbionte. Permanecia dentro da célula, como se comandasse as ações do protozoário. Era maravilhoso. — O ar de admiração era perceptível em seu tom de voz. — Bastava encontrar a espécie certa para que a guerra fosse ganha. — Sorriu emocionado.

— O senhor é um Doente.— Gritou. Levantou e fincou as mãos cerradas na mesa, mostrando descontrole pela primeira vez. — deve ter gente morrendo naquele hospital e o senhor acha bonito?

O professor parecia não escutar e prosseguiu a sua aula:

— Tivemos resultados fascinantes com o Toxoplasma. Os esporos eram transportáveis. O ciclo se completava em 3 horas, quase sem efeitos, apenas sintomas leves: Diarreia, febre e vômitos. Imperceptíveis até que a forma promastigota tomava conta: Sangramento de mucosas, Hemorragia ocular e febre alta, Altíssima, e uma incontrolável Agressividade. Os infectados matavam e perseguiam qualquer ser vivo que se movimentasse. Canibais assassinos. Dali por diante a infecção era transmitida pela mordida. Em 2 minutos o novo hospedeiro estava atacando também.

— O senhor está me dizendo que existem duas formas de contágio?

— A princípio sim. A ingestão ou inalação de esporos e a mordida. — parou pra pensar — nunca injetamos na corrente sanguínea, mas também deve ser uma porta viável de contaminação, talvez até mais eficaz.

QUARENTENA - Breve Ensaio de uma Noite InterminávelOnde histórias criam vida. Descubra agora