II

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A escola que estudamos até o final do ensino médio era pequena, de bairro. Era apenas uma turma de cada série e uma área comum para todo mundo junto.

Lembro que eu tinha treze anos de idade e estava na aula de educação física, que geralmente acontecia ao mesmo tempo de mais duas turmas. Eu já era franzina vestida no uniforme comprado propositalmente largo, mas quando era obrigada a vestir aquela bermuda de lycra justa, que em mim não ficaria nem que fosse comprado um número menor (o que não poderia ocorrer devido ao comprimento), ficava ainda mais acentuada a minha magreza. Aprendi a conviver com o espelho e meus colegas de classe também se familiarizaram com nossas, nada sutis, diferenças. Apesar de o início dos semestres serem sempre mais difíceis, com o passar de poucos dias eles se acostumavam de novo comigo e me davam uma trégua. Até que chegavam as férias para um mês depois voltarmos às aulas e ao processo das piadinhas infames e sem nenhuma graça.

Me pergunto se, agora adultos, eles se arrependem do que fizeram, não só comigo... existiam outros alvos fáceis (e frágeis) para eles vampirizarem dia após dia. Eles só mudavam a mira de vez em quando, mas lá uma hora eu podia esperar que ela estaria apontada mais uma vez na minha direção. Penso se eles têm filhos e como se sentiriam se os pobrezinhos passassem por essas situações. Mas posso falar uma coisa? Apesar desse dissabor calado por décadas, não os odeio. Penso que eram apenas crianças e adolescentes, perversos sim, mas que agiam daquela forma para demonstrar algum tipo esquisito de superioridade. Atacavam talvez por medo de demonstrar suas fraquezas e ocuparem um lugar do outro lado do jogo. Mas a Sabrina não! Ela era minha irmã! Ela era mais velha e devia me amparar, mas ao invés disso, não perdia uma oportunidade de me ridicularizar diante da escola inteira.

Nesse dia, o da aula de educação física, ela chegou no pátio acompanhada de mais quatro colegas que eram correligionárias das suas maldades. Andavam em bando e tudo que ela ordenava, as idiotas cumpriam sem pestanejar, abanando o rabo e esperando que ela jogasse um osso como forma de agradecimento. Será que só eu enxergava que ela usava as pessoas? Por que depois, quando já não eram mais interessantes ou começassem a discordar dela, ela as expulsava do grupinho e recrutava novas seguidoras ávidas por fragmentos da sua medíocre companhia, mas sem jamais modificar seu discurso de supremacia.

Eu estava sentada, quieta, escondidinha lá no alto da arquibancada com um livro na mão após responder a chamada, como sempre fazia, quando ouvi um apito ensurdecedor. Olhei em direção ao professor e ela, a Sabrina, sorria diabólica, com as sobrancelhas levantadas e aquele jeito de quem havia tirado a sorte grande.

- Brisa, quem te autorizou sair da aula?

Eu quase fiz xixi na roupa... Juro! Ter toda a atenção da quadra voltada para mim e com o tom de repreensão do professor foi pior do que todas as vezes que ela me insultou.

- Desça aqui agora e corra ao redor da quadra... Não pare enquanto eu não mandar. – Ele gritou.

Estava paralisada e ciente de que teria que descer todos aqueles degraus com dezenas de olhos focados em mim, naquela roupa ridícula e me desabrigar por sabe lá quanto tempo, enquanto, com toda certeza, seria inundada de provocações sem ninguém para me defender. Respirei fundo colocando o livro dentro da mochila, levantei puxando o short pra baixo e rezei para não desmaiar enquanto contava um por um, os degraus que me levariam para a total humilhação pública.

Ela gargalhava e sua patota apontava na minha direção enquanto a minha classe, que tinha mais meninos do que meninas, assistia a minha derrocada em silêncio. Caminhei em direção ao professor, um imbecil que estava mais preocupado em fazer charme para as meninas mais velhas que iam desfilar por lá, do que em ser o educador que zelava por seus alunos, e ele fez chacota dando de ombros para elas e me apontando para onde seria o ponto de partida da minha corrida para o fuzilamento.

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora