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Sim, mas... O Caíque!!!

Ele era tímido e engraçado ao mesmo tempo. Na maior parte do tempo ele me fazia rir e eu nem entendia bem o porquê. Acho que eu ficava feliz só por estar ao lado dele que, no 4º dia de aula, chegou cedo e guardou o meu lugar... aquele que me pertencia de uma breve vida inteira e que ninguém nem sonhava em sentar, mas talvez ele não soubesse disso. Tinha um bilhete e uma florzinha daquelas que tem em toda esquina e que havia sido arrancada de uma árvore plantada na porta da escola e eu achei linda como se nunca a houvesse visto antes e tivesse custado "os olhos da cara"... uma espécie raríssima que só brota quando estamos apaixonados. Cheguei e ele apontou para a cadeira da frente. Sentei e abri o papel com as mãos trêmulas... ele estava me convidando para ir ao cinema após a aula. Fiz que sim com a cabeça e passei a manhã inteirinha só pensando em qual filme assistiríamos.

Fui até o orelhão para ligar para casa e avisar para mamãe que não iria direto para casa e, após um pequeno sermão sobre eu não estar me dedicando aos estudos, ela desligou resignada. Eiiiii!!! Sou uma aluna exemplar e concilio os meus horários de trabalhos para não prejudicar o meu currículo escolar. Nem filo aula para namorar ou fofocar com as outras meninas da turma que sempre dividem um ou dois cigarros na hora do recreio. Alto lá!! Recreio é coisa de menininha e aos quase dezesseis anos, essa era uma palavra terminantemente proibida... Intervalo ficava muito melhor.

Na saída ele ensaiou segurar na minha mão, mas prontamente assumi a minha postura defensiva de "ninguém está autorizado a tocar em mim" e ele entendeu o recado. Caminhamos até um ponto de ônibus e em quinze minutos estávamos entrando no shopping. Compramos pipoca e refrigerantes, um saco daquelas balas sortidas azedas com formato de minhocas e, na sala, ele caminhou até as poltronas mais altas do canto esquerdo.

O que exatamente eu fui fazer lá? Não sabia! Só fui.

Deixei-me ser conduzida pela situação e não podia negar que naquele momento, imaginar que ele tentaria segurar a minha mão já me causava um "frisson" incrível, além do medo de ser arremessada para as recordações de um indesejável passado.

O filme foi "Forrest Gump – o contador de histórias" e esse se tornou um daqueles filmes que nunca deixo de assistir. Se estiver com o controle na mão correndo pelos canais aleatoriamente e ele estiver passando, é ele que é o da vez. Sou assim também com "Titanic", "Três solteirões e um bebê", "Olha quem está falando"... São clássicos para mim.

Sim... O filme começou e a timidez nos dominou.

A tensão era palpável e nas espiadelas de canto de olho, registrava que ele mastigava sem parar tentando manter as mãos (e a boca) ocupados. Quando a pipoca acabou, ele ensaiou encostar o braço no meu e permaneci imóvel para não parecer que o estava repelindo. Dava para sentir o seu calor mesmo estando frio. Nossas respirações estavam aceleradas e a essa altura, já nem estava mais ouvindo a voz do Tom Hanks, que dirá compreendendo o que estava rolando no telão. Era uma quinta-feira e acho que todos os outros casais de adolescentes tiveram a mesma ideia dele, já que haviam os mais variados uniformes colegiais distribuídos pelas cadeiras, naquela época, nem um pouco confortáveis.

Um casal abaixo de nós se beijou e senti a minha boca ficar seca. Sem querer, eu suspirei um pouco mais alto do que eu gostaria e ele segurou o meu queixo virando-me em sua direção, fazendo com que nossos olhos se encontrassem. Bom... Primeiro beijo, né? Desengonçado e cheio de interrogações de "será que estou fazendo a coisa certa"... Mas fluiu. E foi bom! Não... Não foi simplesmente bom... Foi muito bom mesmo! Desse momento em diante foi só beijo na boca e nada de filme. Se eu disser que tive alguma memória infeliz que me fizesse refrear o acontecimento eu estaria mentindo. Ele foi respeitador e não agiu como o garoto sentado na fileira da frente que insistia em tentar colocar a mão por debaixo da blusa da garota, mas mais uma vez preciso confessar que fiquei imaginando a sensação que o simples roçar dos seus dedos nos meus seios fossem capazes de provocar.

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora