Adeus, tempestade

XXXVI

A noite foi a pior em muitos anos. Me senti usada, culpada e burra.

Usada por ter permitido que ele me conquistasse e induzisse a me entregar por inteiro.

Culpada por, mais uma vez, estar entrando de gaiata em uma relação.

Burra por ter acreditado que era especial para ele. Que ele queria ficar comigo... estar ao meu lado para sempre. Tempo demais...

Ele tinha razão quando disse que era precipitado e eu fui tão inocente, que acreditei que o universo havia me presenteado com um grande amor, como se eu merecesse viver isso...

Fechei a conta na pousada às 8h da manhã e enquanto colocavam minha mala no carro, fiquei choramingando abraçada ao Tofu. Ele sabia que eu estava indo embora. De alguma forma já devia estar acostumado com as chegadas e partidas, pois quando expliquei que precisava ir, ele desceu do meu colo sentando-se em um degrau da escadaria da frente da recepção, esperando que eu o abandonasse ali. Foi uma separação dolorida. Nele encontrei carinho gratuito, instantâneo e, talvez não tão desinteressado, mas ainda assim, recíproco.

Chorei por todo o caminho e as lágrimas embaçavam a minha visão, impedindo-me de manter-me atenta à estrada. Funguei, remexi as mensagens no celular como se por um milagre fosse aparecer alguma do Caleb tentando justificar o injustificável, mas não havia mais nada. Nenhuma notícia para alegrar o meu dia ou para acalentar o meu coração partido.

Eu já estava bem próxima de casa quando o telefone vibrou e quando vi o nome dele na tela, fiquei nervosa derrubando o aparelho. Tentei dirigir e procurar tateando por debaixo do banco e perdi o momento em que o carro da frente freou.

Eu não estava em alta velocidade, mas o impacto foi grande.

No momento da colisão não tive consciência de que eu havia provocado o acidente por imprudência minha. Fiquei ligeiramente confusa, me perguntando como havia acontecido e notei que o airbag, que conteve a minha cabeça de se chocar com o volante, ou ainda pior com o para-brisa, começara a murchar. Meu pescoço doía e ao ver sangue na bolsa branca, apaguei.

Ouvi sirenes e a voz de um homem tentando me animar. Ele dizia que eu não me mexesse, que estava tudo bem e que eu seria levada até um hospital para receber os devidos cuidados.

- Senhora, onde está o seu aparelho celular? Alguém para quem possamos ligar para informar sobre o ocorrido?

Tentei entender o que estava acontecendo enquanto socorristas me deitavam em uma maca imobilizando o meu pescoço. Um terceiro homem mexia dentro do meu carro e ouvi quando ele falou com alguém ao telefone, informando que havia acontecido um acidente e que eu havia me ferido.

- Senhora, a senhora está me ouvindo?

Eu estava tão cansada. Não conseguia organizar as ideias para formular uma única frase e voltei a perder os sentidos. Ouvia as vozes, sentia pessoas pegando no meu corpo, as picadas das agulhas e, ainda assim, permaneci imóvel, como se não tivesse condição de despertar para a realidade. Não sei por quanto tempo fiquei nesse estado de total inconsciência, mas compreendia a mudança de ambientes de tempos em tempos.

- Ela está em choque? Ela fraturou alguma coisa?

Uma voz familiar estava bem ao meu lado esquerdo. Senti o calor de uma mão segurando a minha e por mais que eu me esforçasse, não conseguia abrir os olhos. Meu rosto inteiro doía, assim como a nuca. O corpo também estava moído, resultado positivo do uso do cinto de segurança que desempenhou o seu papel com excelência.

- Já fizemos todos os procedimentos e ela está bem. Não identificamos nenhum traumatismo grave, mas o impacto com o airbag causou esse sangramento no nariz, o que com certeza a deixará com hematomas por uns dias. Sentirá também dor no pescoço e recomendamos que ela use o colar cervical como recomendado pelos médicos.

- Mas porque ela não reage?

- Algumas pessoas entram em choque diante de situações de pânico, mas os sinais vitais estão ótimos e logo ela acordará.

- E onde está o filho da puta do motorista?

- O rapaz não teve culpa alguma. A equipe da perícia está no local do acidente e já interrogou algumas testemunhas. Ele fez questão de nos acompanhar e está aí fora esperando por notícias.

- Vou lá falar com ele.

- Calma aí, delegado. O senhor está muito nervoso...

De-le-ga-do. Quatro sílabas que me despertaram de volta à vida. Abri os olhos e pude sentir o inchaço sob eles. Até piscar era incômodo e ao tentar virar a cabeça para o lado, gemi denunciando que havia acordado.

- Brisa, meu amor. Eu estou aqui, está tudo bem. Quero que você fique tranquila, está me ouvindo? Você vai ficar umas horas na observação e depois eu vou te levar para casa.

- O que você está fazendo aqui?

- Como assim? Eu estava te ligando quando um homem atendeu seu aparelho dizendo que você havia acabado de se acidentar. Larguei tudo para vir te ver, louco, achando que pudesse ter acontecido algo de mais grave.

- Largou sua mulher após ela perder o seu filho?

Ele ficou perplexo.

- Vá embora, Caleb, por favor. Você estar aqui é um erro. Tudo o que aconteceu entre nós, foi um grande erro.

- Você não sabe o que está dizendo, Brisa. Não me acuse sem conhecer os dois lados dessa história.

- Você tem um relacionamento com a irmã do John e ela estava grávida. Você a deixou aqui e foi passar o fim de semana com outra mulher. Enquanto isso ela perdeu o bebê. Essas informações estão equivocadas?

- Em partes, estão...

- Por favor, contra fatos não há argumentos. Não me faça perceber que você é um canalha pior do que os homens que tentaram me submeter, pior do que o Giorgio, pior do que o seu próprio pai...

Ele ficou estático e sua feição era de imensa dor. Eu chorava muito e juro que não queria sentir a angústia que me vencia, mas ela era muito mais forte do que eu. A máquina começou a apitar indicando alguma alteração nos sinais vitais e uma enfermeira se aproximou pedindo que ele se retirasse, que eu precisava descansar e que a visitação estaria suspensa até que o médico me desse alta. Aplicou algo no soro que estava preso ao meu lado e eu adormeci.

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Só mais um capítulo e... fim!
⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️