IV

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Com quinze anos e já me sentindo mais mulher do que menina, principalmente porque o meu intelecto ia muito além do das garotas da minha idade, comecei a descobrir artifícios para ser aceita, apesar de não me permitir enturmar com ninguém. Nunca fui de bandos e nem tive melhores amigos... Não queria contato físico. Falava com todas as pessoas sem distinções... do porteiro à diretora, dos nerds aos atletas do time de basquete, mas só falava o essencial para ser cortês e nem uma palavra a mais.

Esse negócio de amizades para sempre são uma grande farsa... os interesses mudam, as diferenças aparecem, a vida segue e cada um vai para o seu lado. Assisto uns filmes onde rolam aqueles encontros anuais para reunir a turma da escola e chega a ser ridículo por que o que mais se enfatiza é que os homens vão para falar das mulheres que pegaram na época passada e as mulheres só criticam as outras apontando o quanto engordaram e estão mal casadas. Muitos tapinhas nas costas e sorrisos falsos esboçados para fazer de conta que vivem uma vida perfeita.

Dizem que uma andorinha só não faz verão, mas depois que descobri a minha força interior, fui dona do meu destino sem permitir intervenções nem da minha família e nem de ninguém. Esse tipo de relacionamento, onde interesses se sobrepõe a saudável convivência, não fazia parte do meu rol de interesses. Nunca fizeram...

   
Certo dia estava passando por uma praça voltando do mercado com os braços carregados de compras, quando um homem nos abordou e se dirigiu a minha mãe perguntando quantos anos eu tinha e se já havíamos pensado em me transformar numa modelo. Minha mãe gargalhou e respondeu que não, gentilmente, agradecendo pelo "galanteio, mas que eu ainda era uma menina e que não era apegada a essas coisas de beleza. Passei à sua frente e perguntei se eu poderia morar fora do país. Ele respondeu que eu teria que fazer uns testes, alguns cursos e depois seria avaliada. Peguei o seu cartão de visitas sendo arrastada pelo braço e caminhamos para casa, mudas, mas minha mãe já sabia que não seria fácil tirar aquilo da minha cabeça.

Sabrina fez pouco caso e gargalhou quando mamãe comentou o ocorrido sentada à mesa do jantar e aquela atitude me fez entender que isso a mataria por dentro. Era só o que eu precisava para reafirmar a vontade de me arriscar em algo novo e completamente fora do meu padrão comportamental. Duas semanas se passaram e eu não largava o cartão do olheiro. Cheguei a tirar o telefone do gancho umas duas ou três vezes, mas segundo minha mãe, se eu quisesse fazer algo como morar em Tóquio, eu teria que terminar os estudos e enfrentar meu pai. E então eu decidi que teria dois anos para chegar lá...

O Giorgio era um homem simpático que levava o trabalho a sério acima de tudo. Fiz quase dois meses de cursos para aprender como andar e posar e nem posso mentir e dizer que isso não melhorou muito a minha autoconfiança. Ajudou pra caramba.

Quando marcamos o primeiro ensaio para fazer meu portfólio, ele já deixou claro que eu estava ficando velha para tentar a carreira no exterior e que quanto antes eu me decidisse por dar um tempo nos estudos, melhor para a minha carreira. Mas eu não queria ser modelo de verdade e não conseguiria me imaginar abandonando o ensino médio para desfilar no Japão... minhas prioridades eram outras. Comportamento de menina imatura, fazer algo mesmo sem querer, mas, no fundo, posso confessar só para vocês, que tudo o que eu queria era incomodar a Sabrina um pouquinho e aquela seria a arma que mais a irritaria.

Seis meses após me envolver no universo das passarelas e atuando em pequenos desfiles, assinei meu primeiro grande contrato e minhas fotos estavam estampadas em outdoors e encartes de revistas por todo o Brasil. Lembro que não gastei nenhum centavo do meu cachê, pensando que precisaria dele para ajudar nas despesas da faculdade, mas terminou que passei em uma pública e a grana ficou reservada para possíveis emergências.

Sim, mas voltando ao meu primeiro trabalho importante, Sabrina andava cortando os pulsos e cada vez que alguém chegava comentando entusiasmadamente sobre mim, ela se retirava sem ao menos disfarçar sua insatisfação. O Giorgio esteve lá em casa duas vezes e em ambas ela fez das tripas coração para chamar a atenção dele. Ele até a elogiava. Falava que ela podia fazer comercial de óculos ou produtos para cabelos, mas sempre estragava a alegria dela dizendo que para isso ela teria que perder uns quilinhos... E ela amava comer. Não estava nem perto de ser gordinha, mas vocês sabem como esses profissionais são exigentes. Câmeras engordam e as garotas selecionadas tinham que ser semelhantes a cabides. Tipo... eu!

Adeus, tempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora